Resíduos
perigosos
A luta
vai continuar
A contestação da opção da ministra do Ambiente pela incineração de resíduos perigosos, prossegue, agora centrada em Coimbra. Enquanto novos dados vão sendo divulgados que, no mínimo, põem em causa a pressa e a transparência de todo este processo.
Na noite de sábado,
o Fórum «Coimbra viva» - uma reunião destinada a divulgar a
opinião de diferentes cientistas e a esclarecer as populações
sobre os perigos da co-incineração - prolongou-se por quatro
horas.
Quatro horas de debates marcadas por sérios alertas, e em que
foi decidido, nomeadamente, pedir uma audiência ao Presidente da
República. A iniciativa contou com a presença especial da
população de Souselas e também com uma representação de
Maceira.
Um dos perigos salientados foi o de a situação dos ventos poder
vir a provocar uma situação catastrófica para Coimbra em caso
de libertação de gases da cimenteira de Souselas.
O reitor da universidade de Coimbra, Fernando Rebelo, ao intervir
na qualidade de geógrafo, afirmou que apenas em 10 por cento do
ano Coimbra não tem ventos e a localização de Souselas, a
noroeste, coloca em risco a cidade.
Nesta situação que corresponde a 40 por cento dos ventos
- os gazes produzidos na cimenteira de Souselas serão dispersos
pela cidade e arredores. Quando os ventos tocarem de sul e de
sudoeste o que acontece em 27 por cento do ano os
gases serão levados para o distrito de Aveiro. Em caso de
ausência de ventos, serão as populações que vivem nas
imediações da fábrica as atingidas.
Os debates ficaram marcados por um incidente provocado pelo
presidente da Scoreco (empresa criada por duas cimenteiras para
gerir os resíduos), que pretendeu intervir no Fórum, ao mesmo
nível dos convidados. A organização rejeitou tal
possibilidade, concedendo-lhe o mesmo tempo atribuído a qualquer
interveniente da assistência.
Um facto em si significativo, pelo que reflecte do receio da
pressão popular face ao muito dinheiro envolvido. Isto mesmo foi
sublinhado pelo sociólogo Boaventura Santos, dirigente da
Pro-Urbe, que considerou que o comportamento do presidente da
Scoreco foi de «grande impaciência, porque há muito dinheiro
nisto». Também Carvalho Silva, coordenador da CGTP-IN,
considerou que a posição assumida pelos representantes da
Scoreco é sinal de que «estão impacientes, porque as coisas
estão a ter efeito.»
Na «Declaração de Coimbra», documento aprovado no final do
fórum, afirma-se o propósito de continuar a luta, «por todos
os meios democráticos», até se alcançar a revogação da
decisão governamental de co-incineração em cimenteiras.
Nesse âmbito, é criada uma «comissão sombra» para acompanhar
os trabalhos da comissão científica, a instituir ao abrigo de
um diploma legal, para avaliar os riscos da co-incineração para
a saúde.
Na declaração final faz-se apelo a «todos os portugueses para
que ampliem, das mais variadas maneiras, o protesto contra a
política do Ministério do Ambiente em matéria de resíduos
sólidos.»
Saúde em causa
Novos factos vêm
entretanto a público, testemunhando dos perigos para a saúde
pública que a opção da queima de resíduos perigosos em
cimenteiras comporta. Com a agravante de não terem sido
divulgados.
A queima de resíduos tóxicos em cimenteiras levará a um
aumento de riscos de dermatoses (doenças da pele) nos
trabalhadores da construção civil. Este o alerta que surge num
parecer independente pedido pela Comissão Técnica de
Avaliação (CTA), que consta dos anexos do relatório entregue
à ministra do Ambiente, mas que não foi oportunamente
divulgado.
O parecer em causa, da autoria do ex-presidente da Associação
Portuguesa de Engenheiros de Ambiente, Manuel Pinheiro,
especialista em análise de riscos ambientais, sublinha que «o
tálio e o crómio podem originar, na fase da hidratação do
cimento, alguns problemas alérgicos, em caso de contacto
directo, especialmente nos trabalhadores».
O texto recomenda, por outro lado, que «nos ensaios de
pré-qualificação sejam também contemplados ensaios ambientais
de lixiviação e toxicidade ao cimento assim produzido com
co-incineração». Testes que, entretanto, não foram exigidos
pelo Ministério do Ambiente.
De salientar que a fonte de informação do parecer de Manuel
Pinheiro é a indústria cimenteira alemã que, devido aos
problemas registados, já colocou no mercado um cimento com
referência explícita aos baixos teores de crómio.
De acordo com dados da Organização Internacional do Trabalho
(OIT), a introdução de resíduos industriais nas cimenteiras
será a principal fonte contaminante de metais pesados com
efeitos alérgicos.