NATO
Ultimato a Belgrado


A posição da NATO em relação ao conflito do Kosovo não podia ser mais elucidativa: ou as forças em conflito se entendem... ou a NATO lançará ataques aéreos contra objectivos na Jugoslávia.
Na verdade, trata-se de um ultimato a Belgrado para que aceite as propostas do Grupo de Contacto (Grã-Bretanha, Estados Unidos, França, Rússia, Alemanha e Itália) sobre a concessão de uma «grande autonomia» ao Kosovo. Se não houver acordo sobre a matéria até dia 19 de Fevereiro, as armas da NATO entram em acção.

O Grupo de Contacto reuniu em Londres, na sexta-feira, e fez o seu ultimato. Três dias depois, em Bona, o secretário-geral da NATO, Javier Solana, e o chanceler alemão, Gerhard Schroeder, manifestavam-se de acordo quanto à manutenção da pressão militar sobre as partes implicadas no conflito do Kosovo para que encetem negociações de paz, advertindo que esta é a «última oportunidade para alcançar a paz no Kosovo».
Por partes implicadas entende-se, numa visão mais do que tendenciosa do conflito, as autoridades sérvias, já que no sábado Solana anunciou ter recebido do Conselho de Segurança da ONU um mandato para desencadear ataques aéreos contra objectivos do território jugoslavo se as exigências da comunidade internacional não forem respeitadas.
«Não será necessária qualquer nova decisão formal do conselho da NATO» para lançar os ataques, sublinhou Solana.
A decisão levou o governo jugoslavo a pedir na segunda-feira uma reunião do Conselho de Segurança da ONU, noticiou a agência Tanjug.
Na óptica do governo jugoslavo, a decisão da NATO constitui «uma clara ameaça para a soberania e a integridade da República Federal da Jugoslávia (RFJ - Sérvia e Montenegro) enquanto país independente, membro das Nações Unidas», e «constitui uma violação dos princípios da Carta da ONU».
Belgrado recorda que, na sua qualidade de «organização militar regional, a NATO não tem autorização do Conselho de Segurança nem o direito de utilizar a força contra países soberanos e independentes, membros da ONU». Neste contexto, o governo «decidiu pedir uma reunião do Conselho de Segurança da ONU, para que sejam tomadas as medidas apropriadas em conformidade com a Carta da ONU e impedida uma agressão armada contra a RFJ».

O figurino bósnio

De salientar que, para garantir a aplicação dos acordos de paz, ainda inexistentes, a NATO propõe-se enviar para o Kosovo uma força composta por 30.000 homens; embora Javier Solana não confirme este número, admite que o resultado final «não estará muito longe» disso. Só pela parte da Alemanha, segundo declarações do secretário de Estado da Defesa alemão, Walter Kolbow, será disponibilizado um contingente de entre 4.000 e 5.000 soldados.
Diferente é a posição do Governo russo, que considera prematuro e «sem sentido» discutir o envio para o Kosovo de uma força internacional de paz, semelhante à existente na Bósnia-Herzegovina, afirmaram hoje fontes diplomáticas citadas pela agência Interfax. Para Moscovo o envio de uma força internacional depende de duas condições prévias: a assinatura de um acordo entre as partes em conflito e o consentimento expresso de Belgrado para o envio do contingente.
Segundo as mesmas fontes, as autoridades russas têm conhecimento dos planos do Ocidente, mas duvidam «em termos gerais da mera aplicação mecânica do modelo de pacificação bósnio ao Kosovo», e só encarariam o envio de tropas russas para a zona sob bandeira das Nações Unidas ou da Organização de Segurança e Cooperação na Europa (OSCE). Cabe recordar que a «pacificação» da Bósnia, se fez calar as armas, está longe de ser um dado adquirido; as tropas estrangeiras continuam no terreno, sem perspectivas de retirada.
Entretanto, as autoridades de Belgrado e os independentistas do Kosovo foram instados a enviar representantes às conversações de paz no próximo sábado em França, convocadas pelos seis países do Grupo de Contacto
Em Pristina, capital do Kosovo, o mediador norte-americano para a crise kosovar, Christopher Hill, e o enviado especial da União Europeia, o austríaco Wolfgang Petritsch, têm tentado, sem êxito até ao momento, reunir numa única delegação, de uma dezena de elementos e com uma plataforma comum, as diversas tendências separatistas. Uma tarefa dificultada pelo auto-designado Exército de Libertação do Kosovo (UÇK), que diz não aceitar outra solução que não a total independência da região em relação a Belgrado.
Por seu lado, o Parlamento jugoslavo foi chamado a apreciar as propostas do Grupo de Contacto, esperando-se para hoje uma resposta.

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«Grande autonomia»

Segundo o ministro da Defesa britânico, Robin Cook, a «grande autonomia» do Kosovo defendida pelo Grupo de Contacto para a ex-Jugoslávia prevê manter em Belgrado «as competências nos domínios da política e defesa externa, da política monetária, das alfândegas e da fiscalidade federal».
«As novas instituições do Kosovo exerceriam uma grande autonomia, incluindo os domínios da polícia e da segurança interna», explicou Cook, que deverá co-presidir à conferência de paz com início marcado para o próximo sábado em Rambouillet, perto de Paris, se as partes em conflito aceitarem a intimação do Grupo de Contacto.
«As comunidades sérvias e albanesas seriam ambas totalmente protegidas, em virtude do direito conferido pelas instituições eleitas para preservar a sua cultura nacional, a sua língua e a sua educação», disse Cook, confirmando por outro lado que a fórmula autonómica preconizada pelo Grupo de Contacto seria objecto de nova análise daqui a três anos, sob a égide da comunidade internacional.


«Avante!» Nº 1314 - 4.Fevereiro.1999