Barreiro
Interesses
economicistas
contra a vontade das populações
Por Jorge
Pires
Membro da Comissão Política do CC do PCP
A decisão do Governo expressa pela Ministra do Ambiente de instalar no Barreiro a estação de pré-tratamento de resíduos tóxicos (ETRI), integrada no projecto de eliminação de resíduos industriais pelo sector cimenteiro, é prepotente, irresponsável e lesiva dos direitos mais elementares de qualquer cidadão.
Prepotente
porque em nenhum momento no desenrolar deste processo, até ao
anúncio público da decisão em 28 de Dezembro passado, o
Governo manifestou qualquer interesse em ouvir as muitas vozes
discordantes que se manifestaram contra a intenção de instalar
naquele local a ETRI, nem daqueles, e foram muitos, que no
mínimo levantaram fortes e fundamentadas interrogações.
Durante o processo de consulta pública que decorreu entre 31 de
Agosto e 23 de Novembro, vozes prestigiadas e credíveis de
especialistas nas áreas do ambiente, da Saúde, do ordenamento
do território, entre outras, deram conteúdo técnico e
científico ao protesto, juntando-se a milhares de cidadãos
anónimos que trouxeram consigo a experiência de vida durante
décadas, num ambiente degradado provocado pelo crescimento
industrial do grupo CUF na área da química pesada desde o final
do século passado no complexo industrial do Barreiro. Foi bonito
e simultaneamente motivador ver milhares de jovens do ensino
secundário gritarem bem alto, nas ruas do Barreiro, ao lado dos
mais velhos, que não queriam passar por tudo aquilo que os seus
avós e os seus pais passaram. Foram anos de degradação
ambiental com índices de poluição atmosférica e marítima dos
mais elevados do país que levaram a que, alguns anos antes do 25
de Abril e com a PIDE por perto, se tivesse desenvolvido aquela
que poderá ter sido a primeira iniciativa de protesto realizada
em Portugal contra a degradação ambiental. Milhares de pessoas
subscreveram então um abaixo-assinado, num tempo em que se
circulava nas ruas da então Vila do Barreiro com um lenço na
cara a tapar a boca e o nariz porque mal se podia respirar, ou em
que os jogos de futebol eram interrompidos em dias de sol radioso
porque não se conseguia ver a bola nem os jogadores. Certamente
não era por causa do nevoeiro, mas dos gases que saíam das
fábricas de ácido sulfúrico ali mesmo ao lado.
Mas a decisão é
sobretudo irresponsável, porque o
Governo e em particular o Ministério do Ambiente sabem que, num
raio de 2000 metros a partir do local escolhido para instalar a
ETRI, vivem 45.000 pessoas, a 750 metros funciona um hipermercado
frequentado diariamente por milhares de utentes e a 900 metros do
local está prevista a instalação dum estabelecimento de ensino
politécnico. Mais grave ainda é o facto de serem omitidos nos
dados que pesaram na decisão os perigos do facto de no parque
empresarial do Barreiro subsistirem empresas que apresentam risco
industrial relevante, de acordo com o Plano de Emergência
Externa do Complexo Industrial do Barreiro, elaborado sob a
égide do Serviço Nacional de Protecção Civil em 1993.
Não está em causa, nas posições que têm sido assumidas quer
pelos orgãos autárquicos, quer pelo PCP, posições que são
acompanhadas pela esmagadora maioria das populações do Barreiro
e parte significativa do concelho da Moita, o objectivo
consensual na sociedade portuguesa que é o de tratar os
resíduos industriais produzidos no país e muito menos se pode
inferir dessas posições qualquer motivação egoísta do
género: "façam-no, mas não à nossa porta" é que no
meio de toda a discussão à volta da localização da ETRI, tem
passado despercebido o facto de já hoje no Barreiro serem
tratados resíduos em quantidade superior à produzida localmente
através de 9 empresas já licenciadas ou em fase de
licenciamento por parte do Governo, existindo sérias dúvidas
não só em relação à fiscalização dos resíduos que ali
são tratados, mas também no controlo que é feito aos níveis
de poluição provocados pelas unidades de tratamento. Há cerca
de ano tive a oportunidade de participar numa reunião com
trabalhadores de várias empresas do complexo empresarial da
Quimiparque, onde foram feitos relatos preocupantes sobre as
condições em que são tratados os resíduos, nomeadamente na
Quimitécnica, empresa que faz parte do grupo Mello.
Neste contexto é
legitimo interrogar o Governo sobre se a decisão de localizar a
Estação de Tratamento naquele local, não terá mais a ver com
o facto de ter acesso directo à rede ferroviária nacional e ao
transporte marítimo através de um excelente porto localizado a
poucas centenas de metros, ficando desta forma facilitada a
importação de resíduos de outros países. Não vale a pena o
Governo vir dizer que não autoriza, porque a vida tem confirmado
que hoje dizem e defendem um coisa e amanhã dizem e defendem
exactamente o contrário. Não é por acaso que o Presidente da
SCORECO já afirmou que a capacidade instalada de
co-incineração nas duas cimenteiras é superior à quantidade
de resíduos existentes em termos nacionais.
O Governo do PS, que se apresenta como o campeão do diálogo,
transformou o processo de consulta pública numa autêntica
farsa, indignando milhares de pessoas que de acordo com a lei
deveriam ter sido ouvidas antes de ser tomada qualquer decisão
sobre a matéria. Hoje não existem dúvidas que a decisão não
só já estava tomada antes do início da consulta, como nem
sequer tinham admitido no pseudo-estudo de impacto ambiental
qualquer outra localização. Esta atitude, indigna num Estado
Democrático, não só põe em causa direitos fundamentais, como
aprofunda o ambiente já instalado entre os portugueses de grande
desconfiança, o que vai certamente dificultar ainda mais a
procura de consensos sobre a forma e os locais para o tratamento.
Qualquer solução que venha a ser encontrada não pode deixar de
ter em conta o esforço que tem vindo a ser feito pelos orgãos
autárquicos, em especial a Câmara Municipal, com o apoio dos
agentes económicos e sociais, de requalificação urbana e
ambiental, procurando atrair para o concelho industrias não
poluentes geradoras de postos de trabalho para assim não só
compensar os milhares de empregos perdidos desde meados da
década de 80, como desta forma fixar a população à sua terra
e atrair novos habitantes. Este esforço precisa de ser
acarinhado e apoiado e não de medidas que possam pôr em causa
os seus objectivos. Como escreveu o Professor Jorge Garpar, é
agora no preciso momento em que o concelho do Barreiro começa a
recuperar na qualidade da habitação, na melhoria do espaço
público e no emprego, que se anuncia a instalação de uma
Estação de Pré-tratamento.
No passado dia 20 de Janeiro a Assembleia da República aprovou
por maioria uma recomendação ao Governo no sentido de suspender
o processo de co-incineração de resíduos em cimenteiras e
revogar as decisões respeitantes à escolha dos locais para
queima e tratamento. Este é um passo fundamental para se iniciar
um debate público e nacional sobre a problemática dos resíduos
industriais. Até agora o Governo mostrou-se incapaz de se
libertar dos compromissos assumidos com os grupos económicos que
detêm as cimenteiras em Portugal e responder positivamente à
recomendação da Assembleia. Às populações do concelho do
Barreiro e de parte significativa do concelho da Moita não
restam outras alternativas que não sejam a mobilização e a
dinamização da luta para obrigarem o Governo a reconhecer
direitos conquistados. Como sempre temos dito, aos trabalhadores
e às populações a melhor forma de defender direitos é
exercê-los, começando neste caso pelo direito à indignação.