União
Europeia
Fronteiras
herméticas e caça livre
Por Rui Paz
A política de segurança interna e externa da União Europeia assenta na exclusão e na repressão sem fronteiras as palavras são de Elmar Schmähling, almirante da armada alemã. Segundo o almirante, «quanto menor é a vontade de analisar a verdadeira causa e os motivos geradores de possíveis ou reais situações de insegurança e eliminar o que lhes está na origem, tanto maior é a propensão para limitar os direitos humanos, as liberdades democráticas e organizar a repressão global contra a democracia e o Estado de direito».
O almirante
Schmähling, ex-chefe dos serviços de informação das forças
armadas alemãs (militärische Abschirmdienst), num artigo
recentemente publicado na revista DISPUT, intitulado «Fronteiras
Herméticas e caça livre», começa por alertar para o facto de
os governos e os funcionários europeus estarem a construir uma
estrutura financeira e económica onde a democracia não existe,
sem que a opinião pública europeia se aperceba e lhe dê a
devida atenção. Referindo-se ao artigo J.3 do Tratado de
Amesterdão, 6.10.1997, sublinha o perigo que constitui o
Conselho da Europa poder decidir «estratégias» e se
necessário «acções conjuntas» sempre que considere que
«importantes interesses comuns», isto é, «o controlo sobre
matérias-primas, mercados ou transporte de mercadorias em
qualquer parte do mundo estejam ameaçados».
Citando o actual Presidente da República da Alemanha, Roman
Herzog, segundo o qual «o direito internacional dos povos terá
de aceitar novas intervenções militares necessárias mesmo
quando não dependentes da ONU», o almirante pergunta se não se
trata de «caça livre out-of-area também para a União
Europeia?», e acrescenta que após o acordo de Pertersberg
deram-se os primeiros passos para a concepção e concretização
de intervenções militares de carácter agressivo no estrangeiro
por parte da UE, com a constituição de um corpo de
intervenção de 56 000 homens. Eurokorps, do qual além da
Alemanha e do Luxemburgo também fazem parte países com
experiência colonial como a França, a Bélgica e a Espanha.
Schmähling conclui que o objectivo é a criação de uma segunda
NATO que permita também à UE intervir universalmente sem
necessitar das decisões do Conselho de Segurança da ONU.
Uma política sem controlo
Referindo-se à
repressão interna dos cidadãos europeus, aquele oficial passa a
analisar os perigos resultantes da Europol uma polícia
que não é controlada por ninguém, sobre a qual nenhum governo,
juiz ou procurador da República poderão actuar. A Europol pode
trabalhar juntamente com serviços secretos e recolher dados
sobre cidadãos sem a menor razão, motivo ou suspeita. Estes
dados dizem respeito à origem, raça, convicções políticas,
confissão religiosa, saúde e vida íntima e sexual dos
cidadãos. O almirante chama a atenção para o facto da própria
social-democracia, já na anterior legislatura, através da
maioria que detinha no Conselho Federal da Alemanha (Bundesrat),
ter aprovado, juntamente com a democracia-cristã, a convenção
Europol, apesar de saber tratar-se de uma polícia que não
responde perante governos e parlamentos nacionais ou mesmo
perante o Parlamento Europeu.
Schmähling recorda que o antigo ministro da Justiça e professor
de Direito, Kay Waechter, já protestara junto do ex-ministro do
Interior do governo de Helmut Kohl pela projectada concessão de
imunidade aos polícias membros da Europol, o que significaria
que pela primeira vez os agentes de uma organização policial
estariam totalmente livres de responderem perante a justiça
pelas acções cometidas no quadro das suas funções. Criada com
o pretexto de combater o crime organizado numa Europa sem
fronteiras, os ministros do Interior e da Justiça acabam de
atribuir à Europol uma nova função, a luta contra «o
terrorismo» sem que haja uma definição do que se considera ser
«o terrorismo».
Mas o almirante prossegue alertando que «a visão aterrorizadora
de um estado policial na Europa não fica por aqui. Os ministros
do Interior dos governos europeus querem dotar a Europol de meios
e prerrogativas próprias dos serviços secretos. O facto de as
situações do Direito e da segurança interna dos vários
países europeus serem muito diversificadas, permite que a
Europol actue acima da lei, como no estado de sítio, e
desenvolva a sua actividade sem fundamento democrático e à
revelia do Estado de direito».
Democracia ameaçada
O almirante da
Bundesmarine termina o artigo constatando que «o desinteresse
dos cidadãos pela Europa» constitui «o maior perigo para uma
Europa livre.» Mas como poderão os cidadãos interessar-se por
uma União Europeia conscientemente construída à sua revelia e
contra eles e que até agora já produziu 20 milhões de
desempregados e 50 milhões de pobres?
Quantas discussões bloqueadas, quantos problemas camuflados e
referendos recusados pelos donos desta Europa e os seus
servidores, a social-democracia, o «socialismo» de direita, os
agentes das privatizações e usurpadores do trabalho, dos bens e
da riqueza colectiva dos povos? Que seja a própria
social-democracia actualmente no governo da grande maioria dos
países europeus a atribuir ao principal responsável por esta
construção europeia antidemocrática e esmagadora da
cidadania», Helmut Kohl, o título de cidadão honorário da
Europa é mais do que esclarecedor. Ao justificarem essa sua
submissão, os apóstolos de Maastricht, do Euro e de Amesterdão
invocam a necessidade de fazer frente aos Estados Unidos, mas o
resultado tem sido a total americanização da Europa nos campos
económico, social, dos direitos humanos, militar e repressivo.
Assim é natural que Mário Soares não possa estar de acordo com
José Saramago quando o Prémio Nobel da Literatura afirmou em
Estocolmo que as multinacionais reduziram a quase nada o que
restava do ideal democrático.
Obedece e cala-te tem sido o lema desta «Europa connosco» e
«das sociedades abertas» onde, segundo o fundador do PS, «a
informação circula e nos influencia como nunca» (Público de 19.12.98).
Uma «democracia» tão «aberta» que não passa dos corredores
dos ministérios, da arbitrariedade corrupta dos seus
comissários e das torres de vidro opaco da banca e das
multinacionais. Aí, sim, circula o único poder que tudo concebe
e planeia, «informa» e esconde, decide e influencia.