Descalabro privado...
A não promulgação pelo Presidente da República e a devolução na semana passada ao Ministério da Educação do texto de um decreto-lei que procedia à legalização, com carácter retroactivo, de vários estabelecimentos de ensino superior privado que têm vindo a funcionar ilegalmente nos últimos anos, constituiu um gesto político que não mereceu de vários órgãos de comunicação social o relevo que a matéria sem dúvida justificava.
O pano de fundo desta situação é
conhecido.
A proliferação de escolas e de cursos de ensino superior
privado, em grande parte sem quaisquer condições e qualidade,
que teve lugar com os governos do PSD a partir de 1985. Uma
política de numerus clausus e de subfinanciamento do
ensino superior público que impediu a sua expansão e que,
simultaneamente, canalizou mais de cem mil alunos para as escolas
privadas em pouco mais de uma década. E por parte do actual
Governo, o incumprimento das promessas feitas pelo PS, quando se
encontrava na oposição, de correcção da situação herdada no
ensino superior privado, no sentido de assegurar condições
mínimas de qualidade e os direitos educativos dos seus alunos.
O descalabro a que conduziu esta política,
iniciada pelo PSD com Roberto Carneiro e não corrigida e
continuada pelo actual Governo está agora à vista.
Há dois anos, das vagas que o Ministério da Educação aprovou
para o ensino privado, foram ocupadas menos de metade. E a
debandada dos alunos não tem parado, perante a amarga e cara
experiência do "gato por lebre" que lhes é
proporcionado em muitas (não todas, resgiste-se) das escolas
privadas existentes.
No caso de "estabelecimentos de
ensino" e de "cursos" que admitiram alunos e
iniciaram "actividades escolares" sem se encontrarem
sequer legalizados - a que se refere o gesto do Presidente da
República - é legítimo perguntar porque deixou o Governo
prolongar a situação durante vários anos e não impôs o
cumprimento da lei.
É um facto que houve e há alunos e famílias enganados e que o
Estado. por acção e por omissão dos governos do PSD e do PS,
é o responsável pela situação criada.
Em Março de 1997, há quase dois anos
portanto, a Comissão Nacional do Ensino Superior do PCP
defendeu, em conferência de imprensa, que em relação às
"escolas privadas em que se verificasse um grave e
continuado incumprimento das disposições legais vigentes e a
qualidade do ensino ministrado e a credibilidade dos diplomas
conferidos se encontrassem seriamente afectados", deveria
"ser considerado o seu encerramento, antecedido da
transferência dos respectivos estudantes para escolas do ensino
público, com equivalências e planos de estudo a aprovar pelos
órgãos científicos competentes e com a assunção pelo Estado
da responsabilidade de criar condições para a finalização do
percurso escolar dos alunos".
Esta solução, que não pactua com interesses ilegítimos e
negociatas, não será a única forma de assegurar aquele mínimo
de qualidade do ensino, de credibilidade dos diplomas, que são
básicos nos direitos educativos dos alunos atingidos ? Edgar
Correia