Serenidade e confiança
O facto de o
Carnaval ter assentado arraiais entre os congressos do PS e do
PSD, parece não ser apenas obra do acaso: quer o congresso rosa
quer os preparativos do congesso laranja, contêm alguns
ingredientes para que o Entrudo própriamente dito tenha
aparecido como a legítima e natural ponte de ligação entre
aquelas duas espectaculares realizações, promovidas pelos
principais defensores e protagonistas da política de direita.
Atente-se, por exemplo, no espectáculo de «Ronaldo e
Ronaldinha» a sofreram as agruras de, por 20 mil contos,
«abrilhantar o corso de Alcobaça»; ou no melancólico Entrudo
do Pavilhão Atlântico, com o qual a RTP se propôs devolver aos
portugueses «o velho Carnaval folião, sem corsos e cortejos» -
e veja-se se qualquer destas folias não pede meças seja ao
espectáculo protagonizado pelo Professor Marcelo e pelos seus
pares do PSD, face ao anúncio da candidatura do Dr. Mário
Soares a deputado do Parlamento Europeu, seja à feérica
encenação ocorrida no fim de semana anterior no Coliseu dos
Recreios...
Quer isto dizer que a onda de desprestígio da «política» e
dos «políticos» - que tão bem serve os interesses dos que, em
nome da «modernidade», pretendem reduzir os cidadãos à
condição de espectadores passivos e fácilmente manipuláveis -
continua a ter abundante alimento e, certamente, a aumentar de
volume.
O congresso do PS teve na continuação da
política de direita a sua grande vencedora. Sempre presente -
quer nos momentos mais vibrantes, quer nos engarrafamentos
decorrentes do facto de as várias vias disponíveis desembocarem
na via única do «sim» a todas as moções apresentadas - ela
passeou-se durante dois dias, triunfante, do primeiro ao último
momento. Até o facto, aliás natural naquelas circunstâncias,
de o «Tino de Rãs» e o «Manel 25» terem sido mais aplaudidos
do que Guterres, Soares e Alegre reverteria em seu favor. E ao
lado da grande vencedora, desfilou sempre a sua indispensável e
incondicional aliada: a ânsia da maioria absoluta.
São por demais conhecidos os perigos e malefícios da maioria
absoluta. Mas para quem disso duvidasse, a obsessão doentia pela
dita, evidenciada das mais diversas formas nas múltiplas
intervenções produzidas no decorrer do congresso, há-de ter
sido amplamente esclarecedora. Foi notório o esforço dos
vários oradores no sentido de a pedir fingindo que a não
pediam, de falar dela sem a chamar pelo nome. E esse esforço
foi, ele próprio, o sinal mais elucidativo dos perigos e
perversidades que a maioria absoluta encerra. Acabaria por caber
a Guterres o mérito de pôr a nu tudo o que, sobre a matéria,
lhes vai na alma: começou por apresentá-la envolvida em duas
vantagens e um perigo; apropriou-se, a seguir, das vantagens
considerando-as como dado generalizadamente adquirido;
finalmente, afastando o perigo com um «juro-vos que jamais...»,
disse-nos claramente que o que queria, de facto, era o poder
absoluto.
«Carnavalesco» foi, também, o anúncio da candidatura «supra-partidária» do Dr. Mário Soares. Trata-se da tentativa de passar a todos os portugueses um atestado de menoridade mental e política, cujas responsabilidades devem ser atribuídas, em partes iguais, aos proponentes e ao proposto. E a ausência do candidato anunciado, no espectáculo da sua anunciação - ausência com a qual o próprio pretendia, segundo confessou, evidenciar o tal carácter «supra-partidário» - só vem confirmar que estamos perante um, neste caso sim, «colossal embuste». Não se contesta aqui, óbviamente, o direito que ao PS assiste de ir buscar Mário Soares à sua auto-anunciada reforma e o pôr a encabeçar a lista do seu partido; e muito menos o direito que, inegavelmente, assiste a Mário Soares de aceitar ser cabeça de lista do seu partido. O que aqui se rejeita e denuncia é a manobra que visa apresentar-nos como «supra-partidária» uma candidatura que não só não o é, como, pelo contrário, é eminentemente partidária.
O anúncio do cabeça de lista do PS
desencadeou um caudal de considerações e reacções
disparatadas e absurdas. Parte dos comentadores de serviço não
só ignorou a mistificação patente no pretendido carácter
«supra-partidário» da candidatura, como trepou a patamares
superiores de desrespeito pela inteligência dos portugueses.
Nas hostes laranja, o descontrolo foi geral. Marcelo Rebelo de
Sousa, qual «folião» em fim de Quarta-Feira de Cinzas, partiu
desaustinadamente à procura do seu «soares», sempre seguido de
perto pelo inevitável Paulo Portas. Acabaria por decidir-se por
Leonor Beleza e por ali se quedou, atirando Portas para um
incómodo terceiro lugar na lista da AD. (Em todo o caso, com a
enormíssima compensação, oportunamente sublinhada pelo
terceiro, de ser o primeiro... do PP). Com tudo isto, PSD e PP,
cada um por si e os dois aninhados na AD, assumem a sua
condição de derrotados. Não só nas eleições de 13 de Junho
mas, e especialmente, nas legislativas de Outubro. Daí que, no
congresso que se avizinha, não se afigure muito provável que
alguém apareça a contestar a liderança de Marcelo. Nem do lado
dos seus amigos - que, em princípio, estão lá para o apoiar,
nem do lado dos seus, digamos assim, adversários - que hão-de
seguir o lógico raciocínio: «já que é para perder, que perca
ele...».
Deste cortejo de «carnavalices», emerge a necessidade permente de uma mudança na vida política nacional; emerge a posição singular, porque séria, do PCP. Definindo tempos à luz das suas análises e dos seus objectivos (e não por pressão de decisões de outrém); consciente da importância do seu papel na luta contra a política de direita e por uma viragem à esquerda; prosseguindo com êxito o esforço colectivo que constitui o novo impulso na organização, intervenção e afirmação política do Partido - o PCP tem razões para encarar as próximas batalhas eleitorais com serenidade e confiança. E é neste estado de espírito que as irá travar, confiante em que conseguirá demonstrar a um número crescente de portuguesas e portugueses que a defesa dos seus interesses passa pelo reforço da expressão eleitoral da CDU e pela eleição de mais deputados seus no Parlamento Europeu e na Assembleia da República.