Agenda 2000 debatida por iniciativa do PCP
Firmeza nas negociações
para evitar prejuízos a Portugal


Matéria de inegável importância para o futuro do País, a Agenda 2000 concitou a a atenção da Assembleia da República em debate agendado por iniciativa do PCP. Com todas as forças políticas a reconheceram a sua oportunidade, o debate realizado na passada semana trouxe ao de cima o conflito de interesses que opõe na União Europeia os países de economias fortes aos países mais pobres, entre os quais se inclui Portugal.

Funcionou como um alerta para os perigos que comportam as propostas da Agenda 2000, mas foi, acima de tudo, uma oportunidade para demontrar que não pode haver lugar a transigências sempre que esteja em causa o princípio da coesão económica e social. Quer isto dizer - e foi essa a exigência expressa pelos deputados comunistas no projecto de resolução por si submetido à Câmara -, que não pode haver outra que não seja uma atitude firme do Governo à mesa das negociações, que, visando a salvaguarda dos interesses nacionais, no limite, se for caso disso, assuma a forma de veto às decisões.
A justificar as actuais preocupações aparentemente partilhadas por todos os partidos, recorde-se, estão as propostas da Comissão Europeia contidas na chamada Agenda 2000, as quais, em nome do alargamento da União Europeia, se traduzem numa acentuada diminuição dos fundos destinados a Portugal, que assim se vê não apenas duramente penalizado, como mais dificultado o caminho de aproximação às economias europeias mais desenvolvidas.

Mau caminho

Uma tal opção, a concretizar-se, como advertiu no debate o deputado comunista João Amaral, significaria que a União Europeia «teria abdicado de cumprir uma das suas razões de ser», seguramente a mais importante, «o reforço da coesão económica e social».
Qualquer processo negocial relativo às perspectivas financeiras deve ter como pressuposto essencial e enquadrador este princípio da coesão económica e social, presente aliás em todos os Tratados como um princípio fundamental, como lembrou Octávio Teixeira, «mas que a prática, até ao momento, tem vindo a desmentir».
O líder parlamentar comunista, na sua intervenção final, considerou mesmo que é em torno desta «questão básica» que adquirem «força e dimensão» a defesa dos interesses de Portugal.
Uma força que poderá estar fragilizada face à posição neste capítulo assumida pelo Governo. Comprovou-o o próprio debate com as afirmações proferidas pelo Ministro Jaime Gama ao admitir à partida e publicamente a possibilidade de os custos que se anunciam serem repartidos pelos quinze países membros da União Europeia, isto é, pelos países ricos e pelos países mais pobres.
«É um mau caminho que o PCP não acompanha, antes critica», sublinhou a propósito Octávio Teixeira, clarificando assim posições e definindo o que nesta matéria separa a bancada comunista do Governo PS.
Diferentemente da posição assumida pelo Governo, com efeito, o Grupo comunista entende que a proposta da Comissão Europeia não pode ser uma boa base de trabalho. Octávio Teixeira explicou porquê, pondo em relevo que não é aceitável que os custos da pré-adesão de novos países sejam suportados pelos actuais recursos financeiros para os quinze, e, muito menos, que essa fatia seja retirada «não às políticas internas da Comunidade que beneficiam fundamentalmente os países mais ricos, mas sim aos fundos estruturais, aqueles que em termos relativos mais beneficiam os países pobres como Portugal».

Jogo armadilhado

Se tal propósito expresso na Agenda 2000 viesse a concretizar-se, de acordo com vários estudos, isso representaria uma perda na ordem dos 500 milhões de contos para o período em causa, admitindo mesmo algumas propostas mais gravosas que esse valor possa chegar aos 200 milhões por ano.
Ora é aqui que reside o busílis da questão. João Amaral falou mesmo em «jogo armadilhado», ao pôr a nu como se manifestam os interesses egoístas dos países ricos. Desmontando a questão, lembrou como os «países fortes da Europa, a começar pela Alemanha, rebocaram a União Europeia até ao limite da consagração dos seus interesses» (mercado único, moeda única, Banco Central Europeu), para, logo a seguir, alcançado quer foi o seu «patamar de interesses», inflectirem posições e desinteressarem-se. «A União Europeia seguinte, a da coesão económica e social, já não é com eles. A plebe que se amanhe», rematou.
E repare-se que para o PCP não é questionável o alargamento da União Europeia. Isso foi deixado claro no decorrer do debate em todas as intervenções produzidas pelos deputados comunistas, em que prevaleceu sempre a ideia de que essa é uma questão que diz respeito à livre decisão dos povos dos países candidatos. O problema é outro. Muito embora se saiba que o alargamento comporta seguras vantagens para as economias fortes, que passam a ter «mais mercado e mais campo para investimento» - ao contrário dos países de economia mais débil, para quem em certos aspectos esse alargamento é sinónimo de «mais concorrência e novos e complexos desafios» -, o que está em causa, como fez notar João Amaral, é que «não podem ser os países que não ganham com o alargamento, os países mais débeis, a suportar o seu custo».
Importa, pois - e esta foi uma das conclusões do debate - que Portugal adopte uma posição de grande firmeza negocial em defesa dos interesses nacionais, o que passa, entre outros aspectos, pela salvaguarda do princípio essencial da coesão económica e social, indissociável, no caso vertente, da manutenção do nível de despesa com fundos estruturais.
Isto mesmo é sublinhado no projecto de resolução apresentado pelo Grupo Parlamentar, documento de onze pontos no qual, entre outras coisas, se diz ainda não ser aceitável que Portugal venha a ter de suportar nacionalmente parte dos custos da PAC, quando a nossa agricultura já é fortemente penalizada pelo actual modelo.

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Modelo irracional

A questão agrícola foi um dos pontos mais em foco no decorrer do debate. Da bancada comunista, pela voz de Lino de Carvalho, vieram críticas contundentes sobretudo ao que designou de «modelo irracional» que conforma a actual Política Agrícola Comum, cuja reforma, em sua opinião, constitui «um dos nó gordio da Agenda 2000 e do próximo futuro da União Europeia».
Lino de Carvalho verberou, designadamente, o manifesto desequilíbrio hoje existente na distribuição dos apoios, de que saem beneficiadas as produções continentais, em claro detrimento das produções dos países mediterrânicos.
Recusando o actual modelo, que levou a que a nossa agricultura esteja hoje «mais fragilizada e empobrecida» - também por culpas próprias que radicam na gestão política e clientelar dos apoios e dos subsídios» levada a cabo antes pelo PSD e hoje pelo PS -, defendeu o «direito a produzir», propondo simultaneamente que seja dado aos produtos dos países do Sul tratamento similar ao concedido às produções dos países setentrionais.
O alargamento do acesso aos apoios ao investimento bem como as indemnizações compensatórias, foi outra das medidas reclamadas por Lino de Carvalho, para quem urge ainda estabelecer um «sistema de apoios que permita dar resposta a explorações assentes numa agricultura policultural e que estimulem a reconversão tecnológica e cultural».


«Avante!» Nº 1316 - 18.Fevereiro.1999