Doentes
seropositivos
denunciam quebra de sigilo médico
A denúncia de quebra de sigilo médico em alguns hospitais de Lisboa, feita por doentes seropositivos, vai ser investigada pela Comissão de Protecção de Dados. Um problema entretanto apresentado ao Provedor da Justiça por um grupo de doentes infectados pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH).
Em causa está, como
já foi entretanto divulgado, a aposição, nas requisições de
exames auxiliares de diagnóstico e nas receitas de medicamentos,
de informações sobre o estado clínico dos doentes e mesmo
sobre as suas opções sexuais e situação clínica do parceiro
sexual e descendentes. Práticas que, como se afirma do documento
entregue a Menéres Pimentel, «violam gravemente os direitos
fundamentais consagrados, não só na Constituição da
República Portuguesa, mas em instrumentos internacionais».
Estes factos, agora denunciados, não são de hoje nem se
circunscrevem aos hospitais de Lisboa, variando a quantidade de
dados confidenciais divulgados, de serviço para serviço. As
referências concretas vão, entretanto, para os hospitais de
Egas Moniz e Santa Maria.
No caso dos exames a que obriga o acompanhamento clínico de
doentes infectados pelo VIH, a requisição, devidamente
autenticada pelo médico, inclui em relação ao Hospital
de Egas Moniz não só o nome, idade, número de processo
e identificação do serviço que o emite, mas também o
diagnóstico clínico do doente. O que se traduz, para o doente,
numa sucessão de constrangimentos. A reacção da senhora do guichet
de marcação de análises, do funcionário do serviço de
análises, do técnico e do auxiliar que fazem as colheitas, e
ainda o ar temeroso dos restantes utentes.
No Hospital de Santa Maria, as inconfidências, segundo o
documento de denúncia, vão mais longe.
Para além do nome, morada, contacto telefónico e profissão, as
requisições informam se o doente é toxicodependente,
homossexual, prostituta, bissexual, heterossexual com múltiplas
parceiras, receptor de tecidos, órgãos ou transfusões. Para
cada uma das hipóteses é solicitado ao clínico que informe da
data do início e do termo da prática que foi causa da
infecção.
No mesmo impresso, há ainda espaço para introduzir a opção
sexual e diagnóstico clínico do parceiro e, no caso de o doente
ser criança, o perfil comportamental da progenitora.
Estes procedimentos constituem, como sublinham os autores da
exposição, «uma grosseira quebra do sigilo médico que
potencia um justificado desmoronar da relação de confiança que
deve imperar no relacionamento médico/doente».
Os doentes infectados pelo VIH comentam que nunca iriam revelar
ao médico aspectos íntimos da sua vida, «sabendo à partida
que estes seriam partilhados pelo segurança do hospital, pela
senhora do guichet, pela secretária da unidade de
infecciologia, pela senhora que orienta os doentes na antecâmara
da sala de colheitas, pelo auxiliar que recebe os documentos,
pelo enfermeiro que tira o sangue, pela empregada que recebe a
urina e, muito provavelmente, pelo rapaz que alimenta com dados o
computador do serviço».
No documento, os doentes consideram «lícito esperar que os
responsáveis hospitalares encontrem uma fórmula que garanta o
sigilo médico», de par da «segurança dos profissionais de
saúde».
Os doentes infectados com o VIH consideram ainda que se «mantém
intacto um sem número de estigmas, que condicionam a
integração plena dos seropositivos na convivência social» e
referem casos concretos de discriminação, nomeadamente por
parte da entidade patronal, no crédito para aquisição de casa
própria e nos seguros de saúde.
A concluir, sublinha-se que «boa parte dos constrangimentos que
afectam os doentes, devem-se, não a um déficit
legislativo, mas de informação sobre a doença e sobre as
iniquidades sociais que lhe estão associadas».