Kosovo
Conversações sob ameaça


Uma semana depois do início das conversações sobre o Kosovo, em Ramboiullet, França, as delegações da República Federal da Jugoslávia (RFJ) e dos independentistas albaneses sentaram-se pela primeira vez à mesa negocial no domingo, após a intervenção da secretária de Estado norte-americana, Madelaine Albright.

De acordo com as informações divulgadas pela generalidade dos meios de comunicação, o gelo entre as partes terá sido quebrado na sequência das ameaças de Albright aos representantes de Belgrado: ou demonstravam disposição para negociar ou a NATO dava início ao bombardeamento de alvos sérvios.
Tudo leva a crer, no entanto, que a intervenção de Albright não se deve ter ficado por aí.
No final da semana passada, quando os independentistas se recusavam a subscrever os dez pontos básicos para as negociações, já aceites por Belgrado, assistiu-se com perplexidade ao recrudescer das acusações aos «sérvios» de estarem a bloquear o processo. Esta deturpação dos factos tinha uma «explicação»: um dos pontos básicos consagra a integridade territorial da RFJ, que a comunidade internacional diz defender, o que os independentistas não aceitam. A propaganda anti-sérvia fez então o impensável e acusou a parte que acatava o proposto pelo Grupo de Contacto - a RFJ - de boicotar as conversações por exigir dos independentistas a aceitação dos princípios que todos diziam ser o ponto de partida para o diálogo. Surrealista.
O volte face verificado com a intervenção de Madelaine Albright deixa adivinhar que alguma coisa foi prometida aos independentistas, que acabaram por aceitar a base para o diálogo, ou seja, uma «autonomia substancial» ao invés da desejada independência imediata.
«Estamos perante um caminho bifurcado - um conduz ao desastre e ao caos, e o outro a uma solução racional», disse Albright. Resta saber se o conceito de «solução racional» não inclui, a prazo, mais um passo para a desagregação da RFJ.

Ataque à Sérvia
pode incendiar os Balcãs

Na ausência de um acordo, o recurso à força encarado pela NATO é considerado particularmente perigoso pela Rússia, que se opõe a uma intervenção militar contra a Sérvia. O ministro dos Negócios Estrangeiros russo Igor Ivanov, numa entrevista ao semanário alemão "Der Spiegel" de segunda-feira, lembra que «a particularidade do Kosovo reside no facto de toda a região em redor ser instável», pelo que «se não encontrarmos uma solução satisfatória, podemos incendiar os Balcãs no seu todo».
A Rússia é favorável à proposta do Grupo de Contacto de uma larga autonomia do Kosovo, desde que garanta a preservação da integridade territorial jugoslava.
«O Kosovo faz parte da Jugoslávia, pelo que precisamos sempre do acordo do governo de Belgrado para qualquer solução», afirmou o chefe da diplomacia russa, que não descarta uma possível participação militar numa força internacional de manutenção da paz da ONU se se chegar a acordo em Rambouillet.
Cabe recordar que Belgrado considera o Kosovo o berço da nacionalidade.
Entretanto, segundo informações divulgadas pela Lusa, os EUA delinearam já o plano militar que se propõem aplicar no Kosovo no que qualificam de operação de mautenção de paz. O plano prevê que as tropas norte-americanas entrem na província sérvia nos dez dias subsequentes a um acordo de paz, tendo o presidente Bill Clinton anunciado que os EUA contribuirão com cerca de 4.000 soldados para a referida força.
A ser alcançado um acordo em França, os norte-americanos prevêem que os elementos da 24ª unidade expedicionária dos «marines» seja o primeiro destacamento militar a entrar no Kosovo, segundo declarações de um oficial não identificado. Cerca de 2.200 soldados daquela unidade estão actualmente embarcados no USS Nassau e em outros navios da marinha estacionados no mar Mediterrâneo. O total da força norte-americana a enviar para os Balcãs representa cerca de 14 por cento da força de manutenção da paz prevista da NATO, que ascende aos 28.000 soldados.


«Avante!» Nº 1316 - 18.Fevereiro.1999