Jovens
de todo o mundo
pela educação e o emprego
Por Margarida Botelho
Perto de 150 jovens, de 54 países, representando 70 organizações progressistas de juventude, reuniram-se de 27 a 31 de Janeiro em Larnaca, no Chipre, na XV Assembleia da Federação Mundial da Juventude Democrática (FMJD). Durante cinco dias, a discussão, a solidariedade e o convívio foram as tónicas centrais. A Juventude Comunista Portuguesa (JCP), membro destacado, participou com uma delegação constituída por três elementos da sua direcção e da secção internacional.
Durante os cinco
dias de discussão estiveram em foco os problemas com que a
juventude um pouco por todo o mundo se depara. O mais
enriquecedor de uma reunião deste género é a diversidade de
dificuldades e análises que jovens de todo o mundo apontam.
Guerras e ditaduras, medidas neo-liberais e crises financeiras,
desinvestimento na educação e no emprego, preconceitos e
imigração: os problemas que o capitalismo cria e agrava
reflectem-se na vida dos jovens.
A aprovação de uma Resolução Política que traça as linhas
de trabalho para os próximos quatro anos da Federação, a
apresentação de resoluções regionais mais específicas (da
Europa e da América do Norte, do Médio Oriente, de África, da
Ásia e do Pacífico, da América Latina), a discussão de
resoluções temáticas, foram pretexto para a discussão de
jovens progressistas, culturalmente muito diferentes, com cargas
históricas diversas, com uma crítica comum: o capitalismo, o
imperialismo não são solução.
A importância que as organizações de juventude do mundo dão a
esta reunião fica expressa no esforço que muitas delas fizeram
para chegar ao Chipre. Não apenas pelo investimento financeiro
que implica. Não apenas pelas lutas burocráticas para
organizações com estas características conseguirem vistos para
sair de países vincadamente anti-democráticos, como sucedeu aos
representantes da Liga da Juventude Comunista dos Estados Unidos,
por exemplo. Ou à justificação de jovens de países de Leste
para não transportarem consigo materiais de propaganda
-não é muito seguro.... Esforços como o do
secretário-geral da União da Juventude do Sudão, na
clandestinidade, que forjou documentos e saiu do país com risco
de vida, sabendo que não poderá voltar nos próximos seis
meses.
A anfitriã da Assembleia, a Organização da Juventude
Democrática Unitária (EDON), juventude do Partido Comunista do
Chipre (AKKEL), proporcionou durante a estadia das quase duas
centenas de delegados contactos com a população cipriota.
Apesar de realizada num hotel de Larnaca, uma estância balnear
naturalmente vazia no Inverno, a população cipriota viveu com
interesse a Assembleia, acompanhando as novidades pela
comunicação social e abordando alguns dos jovens na rua.
Devidamente programados estiveram também contactos com a
população, nomeadamente através de uma visita dos delegados
aos distritos cipriotas. A ida dos delegados a um jantar em
colectividades de base local, onde jovens da EDON exibiam os
trajes, a comida e o folclore cipriotas tornaram-se em momentos
de convívio e solidariedade com o povo do Chipre de um carácter
bem diferente do proporcionado pelas sessões formais da
Assembleia.
Problemas comuns
Os jovens debateram
uma longa análise do que mudou no mundo desde a última
Assembleia, realizada em 1994, no Seixal, organizada pela JCP.
Ainda que o imperialismo se tenha reforçado, lê-se no
documento, sinais de crise, financeira e política, caracterizam
a natureza do capitalismo. Cada vez mais dominada pelo
neo-liberalismo, a vida dos jovens pauta-se por enormes problemas
comuns: desemprego, precaridade, extremismo religioso, iliteracia
e crise dos sistemas educativos, conflitos armados. Por isto, os
jovens das organizações da Federação reforçaram nesta
Assembleia o desejo de construir um mundo de paz, livre de
armas nucleares, baseado na justiça social, na cooperação
internacional, no desenvolvimento sustentado, em que os seres
humano estejam no centro do desenvolvimento. Lutamos pela
solidariedade internacional, a paz, a amizade, o respeito pelos
direitos humanos, e principalmente pelos dos jovens, a
democratização das relações internacionais e um mundo livre
da dominação e da manipulação imperialista, lê-se na
Resolução Política, discutida e alterada desde Setembro nas
organizações-membro e voltada a discutir no Chipre.
Os jovens condenam a nova ordem mundial, de hegemonia dos EUA, do
FMI, do Banco Mundial e da NATO, dos ataques à soberania dos
povos, da concentração da riqueza, dos ataques ao ambiente, à
educação e ao emprego. A FMJD condena a existência de armas
nucleares, as ocupações imperialistas de territórios, a
inacção perante a miséria e a pobreza, a imposição de
políticas económicas neo-liberais, a emergência de tendências
neo-fascistas, a corrupção, o desemprego juvenil, a
especulação, o desinvestimento na educação, a discriminação
das jovens mulheres, dos emigrantes, dos povos indígenas e de
todas as minorias, a conivência com o tráfico de
estupefacientes, a monopolização dos meios de comunicação
social.
A FMJD considera que o seu maior contributo nestes quatro anos
para o movimento juvenil mundial foi a apoio e a contribuição
dados à realização do XIV Festival Mundial da Juventude e dos
Estudantes, realizado em Cuba no Verão de 1997. Para si
própria, a Federação congratula-se com a orientação dada no
Seixal, de ser uma organização política, estreitamente ligada
ao movimento juvenil, com um carácter anti-imperialista expresso
em posições e acções concretas. O desejo e o objectivo de
estar ao serviço da solidariedade, de coordenar e fazer eco de
campanhas sobre todos os interesses do movimento juvenil ficou
bem expresso, bem como o compromisso de usar o estatuto
consultivo junto da ONU para defender os interesses dos jovens.
Um programa de luta
Uma série de
resoluções temáticas estavam previstas pela organização da
Assembleia. Emprego, educação, paz e desarmamento, jovens
mulheres, racismo, saúde, direitos da juventude, solidariedade
internacional, cooperação juvenil internacional e o sistema das
Nações Unidas, ambiente, comunicação e serviço voluntário
juvenil, eram os temas à partida suportados por organizações
do Conselho Geral. Expressas no próprio lema da Assembleia -
Educação e Emprego são os nossos direitos
fundamentais -, as duas principais preocupações da
juventude do mundo foram as mais debatidas.
A cargo da JCP ficou o painel sobre Emprego. O mais concorrido em
número de delegados, este painel enriqueceu-se com os
contributos dos delegados de outras regiões. Porque se a JCP
sabe na pele o que acontece aos jovens trabalhadores e aos
desempregados vítimas dos países mais desenvolvidos, sabe
apenas na teoria o que sucede aos jovens que nos países em vias
de desenvolvimento são lançados no mercado de trabalho. Para os
africanos ou asiáticos, escravatura, total dependência,
discriminação, emigração clandestina são realidades
descritas pormenorizada e sentidamente, o que permitiu que a
resolução fizesse reivindicações tão concretas como o
direito à segurança e à higiene no trabalho, a condenação do
trabalho infantil, a igualdade no acesso, o fim do trabalho
escravo, etc.
A JCP participou activamente também nos grupos de trabalho sobre
Educação, Racismo, Paz e Desarmamento, Ambiente, Jovens
Mulheres e Direitos da Juventude.
A cargo da UJC-Cuba, a resolução sobre Educação estabelecia a
análise das tendências principais do mundo nesta área - como
sejam o desinvestimento, a precaridade, a orientação
ideológica -, delineando ao mesmo tempo que Educação exigem os
jovens da FMJD: uma educação que mostre os caminhos para
a liberdade, a justiça e a crítica, lê-se.
Com a presença de jovens com percursos tão diferentes atrás de
si, é natural que as moções de solidariedade se sucedam:
reivindicações muito concretas e com conhecimento estreito da
realidade sobre o conflito fronteiriço entre a Etiópia e a
Eritreia, a ocupação turca no Chipre, os entraves à
auto-determinação dos povos do Sahara Ocidental, de Timor-Leste
ou de Porto Rico, a situação na Somália e em Myanmar (Burma),
os atentados aos direitos humanos no Irão e na Colômbia, o
bloqueio a Cuba, os embargos ao Iraque, à Coreia e à Líbia, o
desmantelamento de bases militares um pouco por todo o mundo.
Nova direcção da FMJD
Eleita por consenso,
a nova direcção da FMJD tem pela frente quatro anos de
trabalho, em que a tarefa principal será desenvolver a
actividade da Federação, reforçando-a. A estrutura directiva
da Federação é composta pelo Conselho Geral, em que têm
assento sete organizações por região; o Conselho Coordenador,
composto pela presidência, por duas vice-presidências por
região e pelos coordenadores das regiões.
Depois de quatro anos de presidência a cargo do Movimento de
Jovens Comunistas Franceses (MJCF), a nova presidência cabe à
Juventude Comunista Grega (KNE). Na sequência do prestígio
internacional da JCP está a eleição da organização
portuguesa para a vice-presidência e a coordenação da região
da Europa e América da Norte. A Coordenação é tripartida, a
par com os representantes da União da Juventude Comunista de
Espanha (UJCE) e da EDON, do Chipre.
A Federação Mundial da Juventude Democrática (FMJD) reúne
mais de 120 organizações de juventude progressistas,
anti-imperialistas e de esquerda de todo o mundo. Com mais de 50
anos e créditos firmados no movimento juvenil de massas, a FMJD
conseguiu até hoje manter o carácter anti-imperialista,
anti-fascista, anti-colonialista, de defensora da paz e da
solidariedade. E não só mantê-lo: 12 novas organizações
subscreveram o carácter e o projecto da Federação,
reforçando-a (organizações da Bulgária, da República Checa,
da Catalunha/Espanha, da Dinamarca, da República da Irlanda, da
Jugoslávia, do Nepal, do Bangladesh, do Brasil, do Paraguai e do
Uruguai). Em processo de auscultação continuam uma série de
organizações-amigas.
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NOTAS
SOLTAS
O problema cipriota
Mesmo no centro de
Nicósia, capital cipriota, a situação torna-se clara: uma rua
de lojas e bazares é subitamente interrompida por um muro
branco, vigiado noite e dia por militares de arma em punho. Este
é um dos poucos locais onde é possível de facto ver o que
está do lado de lá. No resto da cidade, rolos de
arame farpado, sacos de areia e entulho marcam uma zona de
ninguém que separa os cipriotas gregos da ocupação turca.
Libertada em 1960 do jugo colonialista britânico, a ilha
cipriota lutou desde essa data pela independência efectiva:
entre os desejos imperialistas da NATO, que via no Chipre um
ponto geo-estratégico inestimável; entre as ambições grega e
turca de anexação; entre o nacionalismo das comunidades
cipriotas grega e turca; entre o colaboracionismo das forças de
direita, o povo e a resistência cipriota resistiram mais de 14
anos.
A 20 de Julho de 1974, a Turquia invade o Chipre. Desde então,
37% do território cipriota está ocupado por Ancara,
transformando 1/3 da população em refugiados no seu próprio
país. Um longo muro percorre e separa toda a ilha. A
militarização é quotidiana na vida do povo cipriota. Os
contactos entre os dois lados da lha são extremamente difíceis
e vigiados. Cerca de 1500 civis morreram nestes 25 anos.
No âmbito da Assembleia da FMJD, a EDON, organização cipriota
anfitriã, reuniu na mesma sessão de solidariedade
representantes ao mais alto nível do Governo cipriota, do
Partido Republicano da Turquia e de organizações juvenis turcas
da zona ocupada. O encontro, ainda que pouco mais que simbólico,
foi histórico na vida das duas comunidades.
Prisões israelitas no Líbano
Em Setembro do ano passado, Suleiman, uma jovem resistente libanesa, foi libertada ao fim de dez anos de cativeiro, por uma campanha de solidariedade internacional. Quatro meses depois, esta jovem de 28 anos respondeu ao apelo da FMJD para explicar de viva voz o que são, como se vive e como se morre nas prisões israelitas no sul do Líbano e na Síria. Presa na sequência de um pequeno acto de resistência, nas suas próprias palavras, Suleiman foi sujeita ao isolamento, à tortura, aos choques eléctricos e às más condições do campo de prisioneiros de Khiam. Com Suleiman estiveram presos, e continuam neste momento, jovens, mulheres, crianças, idosos e doentes.
Solidariedade com Timor Leste
Apresentada pela
JCP, a Assembleia da FMJD aprovou por unanimidade e aclamação
uma moção pela auto-determinação de Timor-Leste que a seguir
reproduzimos. No plano de actividades da Federação ficou ainda
incluída uma campanha internacional pela libertação dos presos
políticos timorenses.
Há 24 anos, Timor-Leste foi tragicamente invadido pela
ditadura Indonésia. A XV Assembleia da FMJD expressa a sua
combativa solidariedade com o heróico povo de Timor-Leste.
A Assembleia presta homenagem aos resistentes timorenses
que deram as suas vidas pela auto-determinação e a
independência do Timor-Leste, e condena a sistemática e
constante violação dos Direitos Humanos pelas autoridades
indonésias, que não hesitam em praticar horríveis crimes e
massacres. Condena também todos os Estados que, em nome de
interesses económicos, continuam a vender armas usadas na
opressão do povo maubere.
A FMJD mostra a sua solidariedade activa com a luta
timorense e exige a libertação imediata de todos os presos
políticos.
A FMJD acredita que, com a luta heróica do povo timorense
e a solidariedade concreta de todas as organizações
progressistas e anti-imperialistas, mais cedo ou mais tarde
Timor-Leste será livre.
Viva a luta do povo de Timor-Leste!
Festival Mundial pode ser em África
No seguimento da Assembleia, e aproveitando a presença de representantes de tantos países, reservou-se o primeiro dia de Fevereiro para uma reunião consultiva sobre o XV Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes. Depois do sucesso do XIV Festival, realizado no Verão de 1997 em Cuba, com a presença de cerca de 12 mil delegados de todo o mundo, reunidos sob o lema Pela Solidariedade Anti-Imperialista, a Paz e a Amizade, a Federação apontou como um dos objectivos principais da actividade das suas organizações-membro a realização do próximo Festival. Nenhum dos países auto-propostos para a organização do Festival pôde no Chipre fechar a sua candidatura, pela imensa disponibilidade de meios exigida. No entanto, a maioria das organizações presentes manifestou interesse em que o primeiro Festival do milénio pudesse ser organizado em África, continente que nunca recebeu nenhuma iniciativa deste género.