Neoliberalismo
agrava
situação das mulheres
Por Maria José Barradas
A análise dos Relatórios das Nações Unidas sobre a "Situação da População Mundial" e sobre o "Desenvolvimento Humano", publicados em Setembro de 1998 demonstra que a situação da mulher neste virar de século atingiu níveis demasiado preocupantes.
Sendo a população
mundial maioritariamente feminina - mais de 3 mil milhões, em 6
mil milhões da população total mundial, começa por ser a mais
explorada logo nos primeiros anos de adolescência e juventude.
Elas sofrem discriminações na escola devido à forte
competitividade com os rapazes para a obtenção de melhores
resultados académicos, sofrem pressões nas famílias,
principalmente nas mais desfavorecidas, no sentido de lhe darem
apoio, quer a nível doméstico, quer a nível económico,
incentivando-as muitas vezes à prostituição como forma de as
emanciparem e delas retirarem algum benefício para a sua
sobrevivência.
Existem hoje mais de dois milhões de jovens, a maioria mulheres,
que se debate com a falta de emprego. No Relatório da ONU,
aponta-se que seriam necessários criar mais de 2 mil milhões de
postos de trabalho para ocupar todo o potencial de mão-de-obra
juvenil que está a chegar à idade de se tornar economicamente
independente de suas famílias. A falta de emprego para os jovens
leva a que estes estejam mais anos dependentes dos pais, e, à
medida que as necessidades dos jovens crescem os pais também
têm mais dificuldades em satisfazê-las. Como consequência, as
famílias tornam-se mais pobres, crescem as dificuldades para
fazer face à educação e à formação profissional, cultural e
cívica. A pobreza é uma evidência mesmo em famílias onde os
pais trabalham, mas onde os filhos dependem totalmente deles
tornando o seu rendimento cada vez mais insuficiente. Na maioria
dos casos, são as jovens raparigas, que tomando a iniciativa de
sair de casa, acabam por ser presa fácil da exploração sexual
ficando mais exposta ao risco de contrair doenças como a SIDA, e
de serem objecto de violência e maus tratos.
As jovens que trabalham e que constituem família debatem-se com
sérios problemas de apoio à maternidade, de horários
compatíveis para acompanharem a educação de seus filhos, de
terem uma informação adequada à educação sexual e
planeamento familiar, levando esta situação muitas vezes
engravidarem involuntariamente, e tenham filhos para os quais
não estão preparadas quer económica, quer socialmente. Muitas
jovens mães vêem-se obrigadas a deixar os seus empregos porque
é mais rentável ficar em casa que pagar o infantário,
provocando graves problemas porque, por um lado, revela que as
jovens famílias sendo pobres, não permitem aos seus filhos uma
educação adequada, por outro, é uma situação injusta para a
mulher que se vê assim despojada da sua capacidade económica
para acarretar sozinha um problema que sendo dela é também da
família e da sociedade. A pobreza, atinge muitos casais jovens
que se vêem limitados e constrangidos a ter filhos, quando esta
decisão deveria ser factor de alegria e felicidade do casal.
Reduzidos a fracos recursos vêem-se perante dificuldades e
incertezas para criar e educar uma criança.
O envelhecimento da população mundial atinge maioritariamente
as mulheres. A média de vida em geral para os homens é de 74
anos, e para as mulheres é de 78 anos. Além de viver mais anos,
a mulher tem menos saúde e mais tempo de solidão. Viúvas e
doentes, marginalizadas pela sociedade e pela família que não
tem condições de as ajudar, e pela ausência de apoios sociais,
a grande maioria das mulheres idosas vivem numa pobreza extrema.
À falta de recursos e de reformas dignas vêem-se obrigadas a
mendigar pelas ruas e a viver em qualquer canto. É uma
situação deprimente que afecta todos os países do mundo.
Em todas as gerações a mulher ocupa o primeiro lugar em
matéria de privações humanas: maiores índices de
analfabetismo, rendimentos insuficientes, exclusão de vida
instituída. O que quer dizer: mais pobre, mais explorada, mais
doente, mais solitária.
As causas
Apresentam-se como causas fundamentais da situação da mulher, entre outras, as seguintes:
- A globalização da economia favoreceu os grandes grupos económicos e financeiros permitindo lucros fabulosos e a concentração da riqueza num reduzido número de famílias, como nos mostra o "Relatório para o Desenvolvimento Humano de 1998", as 3 pessoas mais ricas do mundo detêm fortunas superiores ao BIP de 48 países mais pobres; e seriam necessários apenas 4% da riqueza acumulada pelos 225 maiores multimilionários para resolver os problemas essenciais das populações dos países em via de desenvolvimento.
- A riqueza e a opulência de uns quantos minoritários contrasta flagrantemente com a pobreza e a miséria de milhares de seres humanos. Segundo a mesma fonte nas nações mais ricas do mundo existem 100 milhões de pessoas com rendimentos abaixo do nível de pobreza; mais de 37 milhões estão desempregados; mais de 100 milhões não têm abrigo e 200 milhões têm uma expectativa de vida inferior aos 60 anos, quando a média como já foi referido é, de 74 anos para os homens, e 78 anos para as mulheres. 1/5 da população mundial que vive nos países mais ricos distribui entre si 86% do consumo, e, apenas 1/3do consumo mundial vai para 1/5 dos que vivem nos países mais pobres. A pobreza não deriva só do facto de não se ter rendimentos suficientes, ela deriva também, de se ser privado das oportunidades de participação e de contribuir para a vida de uma comunidade, especialmente as mulheres são excluídas e marginalizadas duplamente: pela família e pela sociedade.
- A exclusão e falta de oportunidades para se assumirem profissionalmente e o desemprego conduz à pobreza feminina e que tem consequências gravosas para o futuro da humanidade. A mulher, enquanto geradora de vida é, de forma absurda, a que menos cuidados merece: na saúde, na educação, na maternidade, no envelhecimento.
O "Relatório sobre a Situação da População Mundial" chama a atenção dos governantes e responsáveis políticos de todo o mundo, para que a saúde e a educação da mulher sejam considerados problemas prioritários com vista ao desenvolvimento das futuras gerações. A não serem tomadas medidas, correm-se graves riscos acerca do planeamento familiar, dos cuidados preventivos contra a SIDA. A educação na família e na escola deve permitir que as jovens cresçam conscientes do valor da maternidade no ponto de vista individual e social o qual se inscreva no direito à vida e no respeito pela decisão da mulher em assumir a maternidade consciente e responsável.
Lutar pela dignidade
Combater a pobreza
feminina é lutar pela dignidade da mulher. Não é possível
exigir da mulher uma participação cívica, cultural, social e
política, sem resolver o problema da pobreza. O combate a este
flagelo passa pelo problema do emprego, questão fundamental para
a sua emancipação, e por tomadas de decisão governamentais que
passam pela defesa dos direitos da mulher. Nos países da OCDE, o
desemprego feminino situa-se entre a taxa de 32% e 49% em
relação aos homens.
Demonstrou-se, pela leitura dos documentos da ONU, que as
estatísticas são extremamente gravosas e desfavoráveis para a
mulher, no que concerne aos efeitos de uma Economia neo-liberal e
globalizante, mas queremos também dizer, que a nossa
experiência no quotidiano nos revela um quadro não menos
animador.
No nosso país deparamo-nos com imensos problemas, sendo o
desemprego um dos mais preocupantes. Como em toda a Europa e no
mundo, também em Portugal as mulheres atingem cerca de 40% dos
desempregados. Temos em número maioritário de jovens mulheres
nas escolas e universidades, mas após concluídos os seus
estudos raramente encontram colocação profissional e as que
encontram estão minoritariamente representadas nos postos de
chefia, nos cargos políticos, na investigação científica.
As famílias onde um dos membros do casal perde o seu emprego,
vivem com sérias dificuldades e, as mais numerosas, retiram as
crianças da escola para irem trabalhar garantindo o seu sustento
e ajudando a sua família. Portugal é, como sabemos, um dos
países da Comunidade Europeia com mais elevada taxa de trabalho
infantil. Mais de quarenta mil crianças trabalham por conta de
outrém e destas, mais de 50% têm menos de 16 anos. Esta
situação revelam pobreza, sendo esta ainda mais evidente nas
grandes cidades onde é frequente ver-se grupos de crianças a
pedir esmola, mal alimentados, despidos e descalças.
Noutro quadro, não menos impressionante, vêem-se idosos na sua
maioria mulheres a pedir esmola, muitos sem abrigo e rabiscando
nos contentores de lixo algo que lhes possa ser útil.
A pobreza é a face mais humilhante do ser humano; conduz à sua
degradação, desvanece-lhe a personalidade, retira-lhe a
dignidade social, priva-o do exercício dos seus direitos de
cidadão, em suma, retira-lhe o direito de viver.
Medidas necessárias
A globalização da
economia promoveu a união dos mais poderosos, a sua
intercomunicação planetária, a exploração de enormes
recursos económicos, o desenvolvimento da ciência e da técnica
que permitiram resolver muitos problemas nomeadamente a nível da
melhoria da saúde e longevidade, mas dividiu o mundo num fosso
cada vez maior entre ricos e pobres. E reduziu-os ainda a uma
escala de gradação entre os pobres onde a mulher é ainda mais
pobre. Em todo o mundo onde o grito da revolta por esta
situação de profunda injustiça se faz ouvir, a mulher está
atenta com o seu olhar reprovativo e solicitador, acusatório e
interveniente, procurando o reencontro de outro olhar, de outro
gesto cúmplice, solidário determinado.
Apontam-se como medidas necessárias e urgentes entre outras:
- Desenvolvimento económico e social com políticas favoráveis ao investimento na saúde e na educação, com acesso universal à informação e serviço de planeamento familiar, contemplando sistemas integrados de saúde e prevenção de DTS/VIH/SIDA.
- Responsabilização do Estado por criação de um melhor sistema de Segurança Social que permita maior apoio às mulheres desempregadas, às jovens que procuram o primeiro emprego, à defesa da maternidade, ao apoio à terceira idade, à extinção da pobreza.
- Garantia de legislação que permita o gozo dos direitos humanos fundamentais, e que possibilite à mulher, em todas as idades a sua dignificação.