Uma
comunista
na frente do combate ao doping
Por José Pascoal
A Conferência Mundial sobre Dopagem no Desporto, que se realizou nos dias 2, 3 e 4 deste mês em Lausana, na Suíça, teve, entre outras, a particularidade de mostrar que o poder político não está mais disposto a manter-se de olhos fechados perante um flagelo que atinge duramente a verdade desportiva e a saúde dos praticantes, e de que as mulheres estão nesse combate de alma e coração, dispostas a não dar tréguas a infractores e traficantes.
Curiosamente, num
mundo dominado pelo masculino, pelo menos no que diz respeito à
direcção e gestão da actividade desportiva, do Comité
Olímpico Internacional (COI) às mais pequenas estruturas,
passando pelas federações nacionais e internacionais, algumas
mulheres se destacaram naquele encontro que reuniu durante três
dias representantes do poder político e do mundo do desporto.
Não são muitas, mas é significativo o seu número e expressivo
o seu peso, pelo menos no espaço da União Europeia, estrutura
agora empenhada também na luta contra o doping. São mulheres as
responsáveis pela pasta do desporto em países como: Itália
(Giovanna Melandri), Suécia (Ulrica Messing), Holanda (Margo
Vliegenthart), Dinamarca (Elsbeth Gerner) e França (Marie-George
Buffet).
Marie-George Buffet,
uma comunista há 20 meses à frente do Ministério da Juventude
e dos Desportos, é uma mulher que, fazendo do combate ao doping
uma das prioridades da sua acção, atirou já para o
esquecimento os nomes dos seus antecessores, que sempre
justificaram a inércia no combate a este flagelo com falta de
verbas e meios.
«Eram precisas acções para mostrar que a vontade política
seria posta em prática», disse a ministra Marie-George Buffet -
que o PS francês foi recrutar às fileiras do PCF -, para quem a
luta contra o doping «deve ser travada a pensar nos milhões de
mulheres e homens, bem como nos jovens que encontram no desporto
uma fonte de paixão, de liberdade, de convívio e de abertura
aos outros».
A sua primeira decisão nada teve de simbólico: duplicação das
verbas para o Laboratório Nacional de Análises Antidopagem que
o seu antecessor, Guy Drut, pura e simplesmente tinha cortado.
Estava-se em 1997 e o anúncio foi feito na véspera da saída
para a estrada da Volta à França em bicicleta. A malha
apertou e na rede do controlo foi apanhado o poderoso sprinter
usbeque Abdujaparov. Jan Ullrich, um dos últimos representantes
da escola da antiga RDA, conquistou o seu primeiro triunfo no
Tour e diz-se que sem mácula. Um ano depois, Marie-George
Buffet viu-se confrontada com os affaires Festina e TVM
que fizeram do Tour palco de intervenção policial e judicial.
Mas foi precisamente através destes escândalos que a opinião
pública tomou consciência da amplitude e da gravidade do mal
que ataca o desporto e, menos de um ano passado sobre eles,
mostrou a ministra comunista que a vontade política pode ter
expressão prática. A legislação francesa é expressão disso
mesmo, mas não basta para combater um flagelo que não conhece
fronteiras. «É preciso atacar as causas profundas do doping. É
preciso dizê-lo claramente: através da dopagem e de outros
desvios, o desporto vê-se hoje duramente atingido pela pressão
cega de interesses financeiros que não se preocupam nem com o
desporto nem com a vida de seres humanos. O desporto precisa de
dinheiro, mas não deve ser o dinheiro a ditar as regras do
desporto», defende Marie-George Buffet.
Mas, como ela bem explicita, é precisamente a entrada de
interesses privados no desporto ligados aos direitos de
televisão, aos contratos publicitários, à venda de material
desportivo, aos interesses da própria indústria farmacêutica,
que faz com que tanto as competições como os desportistas se
vejam submetidos a enormes pressões. Marie-George Buffet sabe o
que é preciso fazer. Antes de mais, dar prioridade e apoio a
todas as acções visando a educação e a prevenção, sem
descurar, porém, o combate aos traficantes. Os incidentes do
Tour-98 mostraram isso mesmo. Sobretudo fizeram ver que, não
podendo o desporto ser eficaz na auto-regulação, é preciso
fazer da acção policial e judicial a terapia para tão grave
mal.
Consciente disso, Marie-George Buffet jamais travou a
intervenção daqueles que, a mando dos tribunais, nunca mais
pararam desde que, a 8 de Julho, foi detido na fronteira
franco-belga Willy Voet, massagista da Festina, com um verdadeiro
arsenal de produtos interditos. E isso apesar da popularidade de
uma prova que, sendo património do povo e do desporto francês,
tem projecção mediática só comparável à dos Jogos
Olímpicos ou dos campeonatos do mundo de futebol.
A determinação desta mulher comunista começou já a produzir frutos no seu país e teve ainda o condão de despertar consciências entre os seus parceiros da Europa. «A dopagem não é apenas um assunto mediático resultante de um qualquer controlo positivo de um campeão. É uma questão profunda e permanente que mobiliza o movimento desportivo e os governos», diz, salientando que a França deseja que a investigação médica no domínio do doping «seja integrada no programa europeu de saúde» e que, por outro lado, a luta contra o tráfico de substâncias e produtos proibidos «seja objecto de cooperação policial, judicial e aduaneira». E ninguém duvide de que de um problema de saúde pública se trata. O flagelo não atinge só os desportistas de alto rendimento. Muitos são já os adolescentes afectados por ele, o que não deixa de ser ainda mais preocupante.