«Operação fumeiro»


Ao som da Cavalgada das Valquírias, três helicópteros, lá em cima, e um batalhão de carros, lá em baixo, avançam para Nordeste. O alvo da luzida comitiva é Vinhais, onde está a decorrer a XIX Feira do Fumeiro. O primeiro helicóptero, um Puma da Força Aérea, comanda a operação: transporta o Primeiro Ministro, António Guterres. Nos outros dois, cedidos pelo Serviço Nacional da Bombeiros (SNB), seguem os ministros Capoulas Santos e Jorge Coelho. (este último vindo directamente de Seia, onde, de manhã, participara na Feira do Queijo da Serra da Estrela). Nos potentes carros viajam os secretários de Estado necessários ao bom êxito da operação, nomeadamente Armando Vara, natural de Vinhais e tutelador do SNB. Assim se iniciava a «operação fumeiro», nome de código escolhido pelo Governo para esta etapa da monumental operação de caça ao voto em que está ocupado a tempo inteiro e que constitui sua prioritária preocupação.

Depois de, sempre sorridente e sempre ajeitando a madeixa, ter inaugurado tudo o que havia e não havia para inaugurar, o Primeiro Ministro atacou, então, os soberbos fumeiros, sob os olhares agradecidos de «centenas de pessoas que não se cansaram de o aplaudir», enquanto o Ministro Capoulas Santos entregava o primeiro prémio do concurso do melhor salpicão. A tantos aplausos respondeu Guterres com sorrisos, com ajeitares da madeixa, com apertos de mãos, com abraços, enfim com todos aqueles pequenos gestos que um governante da sua estirpe sabe ter quando desce ao povo - gestos que são uma espécie de rebuçados com os quais, num dia, adoça os amargos de boca provocados pela política que pratica nos restantes dias do ano; gestos que, ao fim e ao cabo, têm como objectivo essencial apagar das memórias o desencanto real provocado por essa política e semear esperanças irreais de que, no futuro, tudo será diferente.

E é justo reconhecer que, nesta matéria, o engenheiro Guterres sabe da poda. Confirmou-o em Vinhais, aliás na sequência de uma vasta série de exibições reveladoras de notável versatilidade e das quais emerge o insuperável número que consiste em tirar uma soberba lebre do saco onde, à vista de todos, puzera antes um enfèzado gato. Foi assim que, a dado momento, perante a manifesta impossibilidade de cumprimentar directamente todos os presentes, pegou nos rebuçados todos que ensaiara e, como o semeador que saíu a semear, atirou-os ao povo, num gesto largo e magnânimo: «Se me esqueci de cumprimentar alguém, peço desculpa. Um abraço para todos».

Enfim, bem comida e, presumo, bem bebida, a alegre comitiva rumou a Lisboa. Garantem-me fontes dignas de todo o crédito que, na viagem de regresso, Wagner foi substituído por Vangelis e por outros autores mais digestivos. Outra fonte, igualmente fidedigna, sublinha o facto de, confirmando o pleno êxito da missão, helicópteros e carros virem repletos de soberbos queijos da Serra e de variados parentes próximos do salpicão justamente premiado. Quem não cabia em si de contente era o Ministro Jorge Coelho que, não conseguindo esconder o que lhe vai na alma, garantia: «Até às eleições legislativas vai ser sempre assim». Ou seja: com queijo da serra, salpicão e transparência democrática. — José Casanova


«Avante!» Nº 1316 - 18.Fevereiro.1999