Eleições 99


As duas eleições que vão realizar-se no ano de 1999, sendo batalhas difíceis e que, por isso mesmo, exigem o maior empenho e intervenção de todo o colectivo partidário, constituem uma oportunidade concreta de reforço das condições para uma viragem à esquerda. Num cenário eleitoral caracterizado, por um lado, pela obsessão doentia do PS pela maioria absoluta (com vista a prosseguir sem qualquer entrave institucional a política de direita) e, por outro lado, pelo reconhecimento pressentido da derrota por parte da AD - o reforço da expressão eleitoral da CDU apresenta-se como um objectivo cheio de potencialidades. De facto, a CDU é a opção de esquerda, é a demonstração de que o país não está condenado à alternância entre o PS e o PSD na execução da mesma política.
Ao eleitorado de esquerda e a todos os portugueses descontentes com a política de direita, abre-se assim a possibilidade de, nas duas eleições, contribuirem com o seu voto não só para derrotar essa política mas igualmente para impôr uma viragem à esquerda na vida política nacional.

O anúncio público de alguns dos candidatos das várias forças políticas ao PE, evidencia sem margem para dúvidas a diferença que é a CDU. É óbvia a comunhão de ideias existente entre os cabeças de lista do PS e da AD em tudo o que respeita à União Europeia. Pode dizer-se, sem exagero, que votar num ou votar noutro significa votar na mesma ideia. Outra coisa é a CDU, como pode constatar-se apreciando a qualidade, a quantidade e o conteúdo do trabalho desenvolvido pelos seus três actuais deputados - Joaquim Miranda, Sérgio Ribeiro e Honório Novo - os quais, com Manuela Cunha, do Partido Ecologista os Verdes, integram a lista da CDU encabeçada por Ilda Figueiredo. Lista que conta com a presença de José Saramago e que, por tudo isto, se distingue de todas as outras. Lista composta por gente com disponibilidades, qualidades e condições ímpares para lutar pela defesa dos interesses nacionais e por uma Europa social, democrática, solidária e de paz.

O PS prepara-se para intervir nestes dois processos eleitorais à sua maneira, ou seja: vendendo gato por lebre, dizendo o que não pensa e pensando o que não diz, usando e abusando do aparelho de Estado com fins eleitoralistas e partidários, chamando os seus parentes estrangeiros a passarem-lhe atestados de bom comportamento europeísta - enfim, copiando integralmente, também nesta matéria, as práticas do PSD quando estava no Governo. Mas as coisas ultrapassam todos os limites da decência e do decoro quando o cabeça de lista do PS ao Parlamento Europeu - Mário Soares, recorde-se - é apresentado como um «candidato supra-partidário». E se, como tudo indica, o PS acrescentar à farsa «supra-partidária» a fraude de «candidato nacional» a «presidente do Parlamento Europeu», então estaremos perante um colossal embuste.
Quanto às eleições legislativas, importa sublinhar a fixação obsessiva do PS na maioria absoluta. Tanto mais que se trata de uma obsessão complexada como se vê na fuga à utilização da expressão, no medo de claramente a pedir ao eleitorado. De facto, Guterres e os seus pares têm a noção de que os portugueses conhecem e temem as perversidades e os perigos da maioria absoluta e têm muitas razões para desconfiar de quem não consegue viver sem ela. É isso que faz com que os dirigentes do PS recorram a expedientes linguísticos - «maioria inequívoca» para «garantir estabilidade» e para «assegurar maior eficácia governativa»... - com os quais pretendem camuflar a ambição de poder absoluto de que estão possuídos, a ânsia de concretizar plenamente o conceito guterrista de política de «diálogo», traduzido na clássica fórmula do «quero, posso e mando».

Ao lado do PS situa-se a AD - ou vice versa. Não constituindo alternativa nem à política europeia nem à política nacional do PS e sofrendo as consequências de uma união de facto imposta a segmentos significativos de dirigentes e bases dos dois partidos, o agregado PSD/PP vive momentos atribulados. Eleitoralmente, a AD não está em condições de perturbar minimamente o sono do PS. O recente congresso do PSD, marcado por assinalável diversidade de chantagens e golpes baixos e altos, só aparentemente se traduziu numa vitória do ainda líder laranja. Na realidade, a perspectiva da derrota eleitoral foi a presença mais sentida no Coliseu do Porto. E os adversários internos de Marcelo limitaram-se práticamente a marcar presença: olhando para os seus rostos, que as câmaras das televisões nos mostravam em perscrutantes grandes planos, tinha-se a sensação de que os ligava um pensamento único («a derrota nas eleições deste ano é inevitável) e uma única conclusão («já que é para perder, que perca ele...».
A AD é uma coligação a prazo. E, pela forma como foi gerada e nasceu, pode morrer em qualquer momento e por, ou sem, qualquer razão.

Três em um - como nos champôs - assim nasceu, ou vai nascer, o denominado «Bloco de Esquerda». Apesar de dado à luz em ano de eleições e por causa delas, o tripartido diz que não o preocupam os votos. Quando muito preocupá-lo-à a descoberta de caminhos susceptíveis de lhe permitir dividir os votos de esquerda e, assim, dar força à política de direita. Baptizando-se de «a esquerda que não está cansada» (e haveria alguma razão - uma só - para estar?), voltará provávelmente, mais cedo ou mais tarde, à situação de «esquerda descansada». Bloqueado por um completo isolamento das massas, incapaz de a elas se ligar e com elas travar as batalhas que a situação exige - tudo coisas que dão trabalho, que exigem grande esforço e que não são fácilmente traduzidas em votos - o «Bloco» optou por copiar ou traduzir, com vários anos de atraso, o «diagnóstico sobre a globalização capitalista», apresentando-o como se de descoberta recente e própria se tratasse, e com a única preocupação de, através dele, captar os votos que não o preocupam. O seu programa de acção está sintetizado na promessa publicamente assumida de ter «a coragem de afirmar que o rei vai nu» - e, presume-se, na determinação de, com idêntica «coragem», se recusar a chamar-lhe o alfaiate.
Nada de novo a assinalar, portanto: tudo já visto: tudo velho.


«Avante!» Nº 1318 - 4.Março.1999