Aberração na
instalação de novos municípios
À
medida dos interesses do PS
Uma «aberração democrática, insustentável face aos princípios democrático e face à Constituição», assim classificou o Grupo Parlamentar do PCP a proposta de lei do Governo que estabelece o regime de instalação de novos municípios.
Discutida
conjuntamente faz amanhã oito dias com um projecto de lei do PCP
sobre a mesma matéria, o diploma do Executivo acentua
perigosamente os desvios ao sentido da Lei Quadro de Criação de
novos municípios - já subvertidos por altura da alteração
adoptada para o processo de criação de Vizela -, ao conferir
nomeadamente às comissões instaladoras, nomeadas pelo Governo,
poderes concentrados que hoje são partilhados pelos dois
órgãos representativos eleitos de qualquer município (Câmara
e Assembleia Municipal).
Recusando frontalmente a solução desenhada pelo Governo,
rejeição em que é acompanhado quer pela Associação Nacional
de Municípios quer pela Associação Nacional de Freguesias, a
bancada comunista critica sobretudo o facto de o Governo, que
tudo indica contar com o apoio do PSD, corromper deliberadamente
os princípios típicos que presidem a uma comissão instaladora
- princípios de transitoriedade e precariedade que decorrem da
própria falta de legitimação democrática - procurando
transformá-la «num sucedêneo de uma mistura da Câmara e
Assembleia Municipal, acumulando todo os poderes da Câmara e
ainda poderes da Assembleia Municipal».
Entre esses poderes, para os quais basta que seja invocado
relevante interesse público, como lembrou no debate o deputado
comunista João Amaral, encontram-se o de fixar a taxa de
contribuição autárquica, exercer os poderes tributários,
aprovar alterações a regulamentos, aprovar o mapa de pessoal, e
todas as restantes competências da Assembleia Municipal.
Chega-se ao cúmulo - e esta foi outra das severas críticas
produzidas à proposta governamental - de estatuir a suspensão
de todos os prazos legais até um ano relativamente a todos os
processos respeitantes a pretensões dos particulares, bem como a
contratos ou pagamentos, cujos documentos devam ser objecto de
transferência do município de origem.
Entendendo que uma tal norma «configura um estado de sítio,
onde os direitos dos particulares são postergados», João
Amaral, particularmente severo na crítica, considerou-a ainda
uma «solução violenta» que inverte o objectivo que preside à
criação dos municípios, isto é, «em vez de melhorar a
situação dos cidadãos, piora-a».
Para o Grupo comunista resulta ainda claro que as soluções
preconizadas pelo Governo não são inocentes nem fruto do acaso.
O diploma não só não resolve os problemas específicos do
processo de transição, como, pior ainda, agrava-os, disse João
Amaral, para quem as soluções foram igualmente feitas «à
medida de interesses poucos claros».
É concretamente o caso - o parlamentar comunista não teve
dúvidas em pôr o dedo na ferida - da comissão instaladora do
Município de Odivelas, cujo presidente nomeado pelo Governo, o
socialista Manuel Varges, já declarou ser candidato à futura
presidência da Câmaram que ocorrerá daquia a três anos.
«É uma nova versão dos jobs for de boys, onde o job actual é
já garantia do job futuro», ironizou o deputado do PCP, antes
de lamentar uma tal atitude e de alertar a Câmara para o facto
de, assim, não ser «possível encarar seriamente os problemas
existentes que se vêm agravando».
Contrariamente ao figurino adoptado pelo Governo PS, o projecto
de lei do PCP parte do princípio que as alterações à Lei não
podem descaracterizar o que é essencial, ou seja, o carácter
transitório, precário e limitado das funções da comissão
instaladora. Nesse sentido - e estes são os traços
caracterizadores do seu projecto - garante a normalidade e
qualidade dos serviços prestados às populações, assegura uma
transição tranquila entre o município de origem e o novo
município e garante o respeito pelo princípio democrático da
representação, limitando à comissão instaladora os estritos
poderes que por direito lhe competem.