Guatemala
Genocídio
planificado entre 1981 e 1983
O Exército da Guatemala levou a cabo um genocídio contra as comunidades índias entre 1981 e 1983, considerando-as aliadas naturais dos guerrilheiros da Unidade Revolucionária Nacional Guatemalteca. Esta é uma das principais conclusões a que chegou a Comissão para o Esclarecimento Histórico (CEH), cujo relatório foi tornado público na semana passada, dois anos depois da assinatura dos acordos de paz.
Como refere o
documento, a «política estabelecida por ordem superior»
traduziu-se em estratégia de terra queimada, matanças e
destruição de aldeias. As principais vítimas do exército
foram os indígenas maias dos departamentos de Huehuetenango,
Quiché e Baja Verapaz, situados no norte do país. A CEH fala de
«aniquilamento» em «sequências lógicas e coerentes». Por
exemplo, na região ixil, entre 70 e 90 por cento das aldeias
foram destruídas, multiplicando-se os casos de assassinato de
crianças, mutilações e empalamentos.
Contudo, o Estado não elegeu como inimigos apenas os índios.
Todos os opositores, «democratas ou não, pacifistas ou
guerrilheiros, legais ou ilegais, comunistas ou não comunistas»
eram alvos das acções do Governo. Entre 1962 e 1977, as
vítimas eram sobretudo líderes camponeses e sindicais,
estudantes, professores, dirigentes sociais da capital e das
regiões do sul. Nesta época a repressão baseava-se
essencialmente em execuções extrajudiciais, torturas e
desaparecimentos, acções que se voltaram a produzir em massa
depois de 1985.
Estratégia anticomunista dos EUA
Entre 1962 e 1996
morreram mais de 150 mil pessoas e desapareceram 45 mil. A
maioria das vítimas eram civis. Das 626 chacinas documentadas,
93 por cento são da autoria das Forças Armadas e três por
cento das guerrilhas. Como estava acordado, o documento não
identifica individualmente os autores dos crimes mas data as
acções, o que quer dizer que se pode apontar os responsáveis.
O general Efraín Ríos Montt, chefe do Governo golpista que
esteve à frente da Guatemala entre 1982 e 1983, já recusou as
conclusões dos documentos. «Quem são eles para fazer
acusações? No meu governo não houve genocídios. Se existem
acusações, que apresentem as provas perante a justiça»,
afirmou o actual dirigente da Frente Republicana Guatemalteca, o
segundo partido do país.
A CEH não tem poder judicial, mas o Centro para a Acção Legal
dos Direitos Humanos já anunciou a sua intenção de acusar
Ríos Montt de genocídio perante a Justiça.
Com o apoio das Nações Unidas, a Comissão contou com 269
especialistas provenientes de 31 países. Durante 19 meses
recolheram mais de 8 mil testemunhos, reveladores de inúmeros
acontecimentos ocorridos durante os 34 anos de guerra civil.
«Em nenhum país da América Latina se havia registado tantos
casos de violações dos direitos humanos como aqui. Segundo as
estatísticas, a Guatemala encabeça a lista», afirmou o
coordenador geral da CEH, o norueguês Christian Tomuschat.
Falando da «extrema crueldade» verificada, Tomuschat defendeu
que a «magnitude a a inumana irracionalidade da vilência que
atingiu o país não podem ser explicadas simplesmente como
consequência de um confronto armado entre duas partes».
A estratégia anticomunista dos Estados Unidos desempenhou um
papel importante no processo da guerra, através de acções
classificadas pela comissão como «antireformistas»,
«antidemocráticas», «contrainsurgente e criminais». O
relatório refere «fortes pressões» do Governo e de empresas
norte-americanas para manter «a arcaica e injusta estrutura
socioeconómica do país», bem como o apoio da CIA a grupos
ilegais. Cuba é também referida pela ajuda que deu à guerrila.