Kofi Annan, a ONU e a NATO
A «tendência crescente da comunidade internacional» para confiar a «manutenção da paz» à NATO, em detrimento dos «capacetes azuis» das Nações Unidas, preocupa o secretário-geral da ONU, Kofi Annan. Num discurso pronunciado na Universidade de Georgetown, em Washington, a semana passada, Annan afirmou que «a manutenção da paz não é, nem deve ser no futuro, um domínio de rivalidade entre a ONU e a NATO».
«Há suficiente
trabalho para as duas organizações, que terão mais êxito se
respeitarem as suas competências e evitarem colocar-se no
caminho uma da outra», declarou o responsável da ONU.
Annan não questiona as intervenções da NATO - felicitou a
organização pelo que designa a «manutenção da paz na
Bósnia», por exemplo -, mas diz-se preocupado com as outras
organizações regionais que não têm as mesmas capacidades
operacionais da Aliança Atlântica e lamenta que o Conselho de
Segurança tenha colocado nos últimos anos alguns entraves às
operações de Paz. Desde 1994, informou, o número de
«capacetes azuis» caiu de 80.000 para 14.000.
«Se as nossas capacidades continuarem a ser pouco utilizadas,
existe o risco dos Estados membros da ONU não concederem os
fundos necessários para as operações de paz», advertiu Annan.
E que operações seriam essas? Aparentemente, as destinadas a
resolver os conflitos das «nações pobres, como as do
continente africano», que seriam incapazes de resolver sozinhas
os seus problemas.
Na sua intervenção, Annan reclamou das grandes potências um
compromisso com as operações de paz das Nações Unidas e
apelou aos países ricos para que cumpram com as suas
obrigações financeiras com a organização internacional.
O que Annan não reclamou, e cada vez se torna mais necessário,
foi um debate sério sobre o papel da ONU no contexto da «nova
ordem internacional» ditada pelos EUA.
O que o secretário-geral da ONU não disse em Georgetown é que
a tal «tendência internacional» para a crescente intervenção
da NATO não passa da apetência dos EUA, acolitado por outras
potências ocidentais, para imporem ao mundo as «soluções»
que mais interessam aos seus interesses geopolíticos e
geoestratégicos, sem terem de se sujeitar ao parecer da ONU e do
seu Conselho de Segurança, onde o direito de veto dos membros
permanentes pode travar as decisões norte-americanas.
A tal «tendência internacional» é na verdade uma preocupante
manifestação da prepotência dos membros da Aliança
Atlântica, agora sem o contraponto do Pacto de Varsóvia,
ávidos de estender a sua acção para além do que há cerca de
50 anos definiram ser a sua zona de intervenção.