Três eleições na América Central

Por Miguel Urbano Rodrigues


Nos próximos nove meses haverá eleições em três países da América Central: El Salvador, Panamá e Guatemala.
As panamenhas constituem um acontecimento cujo significado político ultrapassa o quadro da região. Os chamados acordos Carter-Torrijos, assinados em 1977, estabelecem que no dia 31 de Dezembro de 1999, ao meio dia, os representantes do governo dos EUA procederão à transferência do controlo sobre o Canal para as autoridades do Panamá. O futuro Presidente assistirá ao içar da bandeira do seu país num acto público que os 2,5 milhões de habitantes aguardam com ansiedade.

Inesperadamente, o candidato que, dez anos após a intervenção militar norte-americana, desponta como grande favorito no Panamá é na política um desconhecido que, na perspectiva da Casa Branca e do Pentágono, poderá assumir os contornos de um adversário da estratégia dos EUA na Região.Martin Torrijos, de 35 anos, é o quarto filho do general Omar Torrijos, o ex-presidente - morto num desastre de aviação ocorrido em circunstancias mal esclarecidas - que fez da recuperação do Canal o objetivo da sua vida. Formado em Economia e Ciências Sociais em universidades norte-americanas, o filho de Torrijos surpreendeu duplamente os analistas do Departamento de Estado. Em primeiro lugar porque não parecia vocacionado para uma carreira política; em segundo lugar porque ao apresentar a sua candidatura assumiu imediatamente o legado do pai, emergindo com um programa definido em Washington como incómodo.As ultimas sondagens atribuem a Martin Torrijos dez pontos de vantagem sobre Myreia Moscoso, a viuva de Arnaulfo Arias, um membro da oligarquia que por três vezes exerceu a Presidência com o apoio ostensivo dos EUA. O terceiro candidato, Alberto Vallarino, do Partido Democrata Cristão, é também visto com simpatia pela administração norte-americana. As eleições para renovação do Parlamento serão realizadas simultaneamente, com a participação de doze partidos.O jovem Torrijos está longe de ser um radical. Mas o simples facto de exigir nos seus discursos o estrito cumprimento pelos EUA dos Acordos sobre o Canal é o suficiente para que algumas cadeias de TV dos EUA identifiquem nele um radical com tendências perigosas.Outro aspecto da campanha que contribui para aumentar a popularidade de Torrijos é a exigência da desminagem. Segundo o Tratado, os EUA devem entregar a Zona do Canal totalmente limpa. Mas não parecem dispostos a honrar o compromisso. Não retiraram ainda milhares de minas de áreas estratégicas de l5 mil hectares, que incluem o Forte Sherman, os campos de tiro de Pino e Emperador e o Poligono de Balboa. Conflitos laborais também são utilizados por Washington para criar tensões. O despedimento sem indemnização de 270 trabalhadores gerou um problema de Direito que, segundo a imprensa norte-americana, poderia adiar a entrega do Canal. Trata-se de saber se será a Justiça dos EUA ou a do Panamá a julgar o caso.Enquanto a tensão aumenta - as eleições realizam-se no dia 2 de Maio - os EUA recorrem a múltiplos expedientes para adiar a entrega de muitas das instalações. No conjunto estas foram avaliadas em 45 mil milhões de dólares e o seu destino suscita polémica. Nos bastidores são concebidos grandes negócios.As intenções do governo Clinton não são claras, mas destacados líderes do Partido Republicano não escondem o seu temor de que a provável eleição de Martin Torrijos seja o prólogo de uma situação considerada de ameaça à segurança dos EUA. Essa linguagem não é inovadora. Washington teme o que ninguém esperava: que o povo do Panamá, uma década após a invasão, eleja um presidente patriota, o filho de Omar Torrijos, um combatente anti-imperialista cujo nome é recordado com respeito em toda a América Latina.

Campanha morna em Salvador

Em El Salvador — 6 milhões de habitantes — as eleições presidenciais estão à porta. No dia 7 de Março o povo escolherá o sucessor de Calderón Sol, um político medíocre sob cujo governo a situação económica e financeira do país se agravou, acentuando-se a sua dependência das remessas dos emigrantes e das maquilas que promovem a sobrexploração dos trabalhadores. Três candidatos aparecem nos primeiros lugares nas sondagens: o economista Francisco Flores, pela Arena, o partido da direita que ocupa o Poder e é responsável pelos crimes cometidos durante a fase final da ditadura; Facundo Guardado, hoje o máximo responsável do Partido da Frente Farabundo Marti; e o advogado Rodolfo Parker pelo Partido Democrata Cristão, actualmente em franca decadência. No momento Flores leva nas sondagens 11 pontos de vantagem sobre Facundo e a direita tradicional exibe uma grande arrogância. Entretanto é cedo para a Arena cantar vitória porque 60 % dos eleitores afirmam não ter tomado ainda uma decisão. A atmosfera da campanha, relativamente morna, contrasta com a das Legislativas de 97, quando o povo levou ao Parlamento uma bancada da FMLN quase tão numerosa como a da Arena e deu grandes vitórias à esquerda nas eleições municipais. O agravamento da crise económica também contribui para a desmotivação dos eleitores. O processo de paz, que tantas esperanças suscitou inicialmente, não correspondeu na execução dos Acordos - sabotada pela Arena em múltiplos sectores - às aspirações populares.
San Salvador, a capital do país, continua a ser na América Latina a cidade com mais elevada taxa de criminalidade, superando São Paulo, Bogotá e Caracas. A miséria explica aliás parcialmente o êxito da campanha de troca de armas por alimentos, calçado e remédios. Até agora foram recolhidos mais de oito mil fuzis, metralhadoras e bazookas, o que dá também uma ideia da disseminação de armas durante os anos da guerra.
Regozijando-se com as probabilidades de vitória da Arena, os grandes jornais dos EUA salientam, porém, que a campanha de Flores foi muito beneficiada por a escolha do candidato ter sido feita com muita antecedência, o que não ocorreu com a de Facundo, definido como um moderado, por contraposição a figuras históricas da guerrilha como os comandantes Shafick Handal e Leonel Gonzalez.
A conhecida tese sobre o fim do ciclo das revoluções anti-imperialistas, entendidas como choque total, militar e económico com o imperialismo - formulada em 1990 pelo comandante nicaraguense Victor Tirado - continua a ser tema de debate entre as esquerdas latino-americanas. Esse pensamento pesou evidentemente na revisão de estratégias - inevitável após a desagregação da URSS - que levou aos Acordos de Paz em El Salvador e na Guatemala. Entretanto, não explica por si só as dificuldades internas que a FMLN - que se apresenta nas eleições em coligação com a União Social Cristã - tem enfrentado após a sua transformação em partido político.
A ideia de que os EUA aceitariam com naturalidade a instalação (muito improvável) na Presidência de um dirigente da FMLN é obviamente ingénua.

URNG vai a votos na Guatemala

Na Guatemala - o mais povoado dos países da América Central, com l0 milhões de habitantes - os eleitores vão escolher simultaneamente o Presidente da República, os 80 deputados da próxima Legislatura e os 20 que representarão o país no Parlamento Centro Americano. Como as autárquicas, nos 330 municípios do país, se realizarão simultaneamente, estas eleições assumem um caracter total e inédito num país tradicionalmente submetido a ferozes ditaduras militares, com os Esquadrões da Morte encastelados no Exército e na Presidência da Republica.
A campanha arrancará no início do Outono, porque o povo somente será chamado a votar na segunda quinzena de Novembro.
A grande novidade comparativamente com eleições anteriores será a participação da Unidade Revolucionária Nacional Guatemalteca - URNG, reestruturada a partir do movimento do mesmo nome que conduziu durante muitos anos uma das guerrilhas mais heróicas do Continente.
Em declarações recentes, o comandante Jorge Soto, presidente da Junta Provisória da URNG, informou que o Movimento unitário já estabeleceu as normas para a sua transformação em partido político. Este será a principal força da Esquerda e afirma-se vocacionado para conquistar a vitória nas urnas. O candidato presidencial sairá das bases, em eleições realizadas em assembleias da organização.
No momento em que escrevo não se excluía a hipótese de uma aliança política com a Frente Democrática Nova Guatemala - FDNG.
Seria inadequado estabelecer paralelos com a situação de El Salvador, mas a entrada da URNG na vida política como partido será também, como o foi na pátria de Farabundo Martí, uma autêntica prova de fogo. Após 36 anos de luta armada, a URNG, tentará agora atingir os seus objectivos sociais por outros meios.


«Avante!» Nº 1318 - 4.Março.1999