A TALHE DE FOICE
A nova ordem
do xerife americano


A indiferença internacional face à divulgação dos resultados das autópsias do alegado «massacre» do Kosovo, que afinal não existiu, não é acidental e muito menos inocente.
Depois da insistência, semanas a fio, na tese do «massacre», o silenciamento desses resultados confirma que as vozes do pensamento único estão interessadas em tudo excepto na reposição da verdade. A diabolização do regime de Belgrado continua a ser fundamental para «justificação» da entrada das forças da NATO no Kosovo, mesmo à revelia da Carta das Nações Unidas e do direito internacional.
Esta atitude vem de resto sublinhar, uma vez mais, a duplicidade da «nova ordem internacional» imposta pelos EUA e os seus aliados. As alegadas preocupações com os direitos humanos, matraqueadas até à exaustão no caso do Kosovo, estão ausentes ou mal são afloradas nos múltiplos confrontos armados - alguns bem mais antigos e de maiores dimensões - que se registam em diversas partes do mundo.
A ocupação do Sul do Líbano por parte de Israel dura há duas décadas; o permanente conflito no Médio Oriente desde a criação artificial do Estado hebraico, que se arrasta ainda há mais tempo, provocou já centenas de milhar de vítimas entre palestinianos, libaneses, jordanos e sírios. E no entanto nunca a «comunidade internacional» - ou seja os EUA - considerou «excessivo» o uso da força por parte de Israel ou encarou a «necessidade» de intervenção da NATO no conflito. E porquê? Porque Israel é um aliado dos norte-americanos.
O mesmo se pode dizer em relação à Turquia - que continua a ocupar uma parte de Chipre - e à sua política de genocídio do povo curdo; ou em relação à Indonésia e idêntica prática em relação aos timorenses, só para citar os casos mais recentes. O que estes regimes têm de comum, para além de nem em relação ao seu próprio povo respeitarem os direitos humanos, é o de serem todos aliados dos EUA.
O Iraque continua a ser bombardeado por norte-americanos e britânicos por «violar» o seu próprio espaço aéreo, e isso é considerado «normal». A Grã-Bretanha ainda ocupa a Irlanda do Norte, mas o facto não merece reparos dos seus parceiros, designadamente da NATO.
Angola está de novo dilacerada pela guerra, mas enquanto os interesses ocidentais não forem postos em causa não faltam abastecimentos à Unita, um movimento armado que, tendo perdido as eleições por todos reconhecidas como legítimas, pretende conseguir pelas armas o que não ganhou nas urnas. Também não consta que os interesses do galo negro nos EUA tenham sido afectados por esta realidade.
A Coreia do Sul acaba de libertar, entre muitos outros, um preso político encarcerado há mais de quarenta anos. Os EUA nunca falaram no assunto, ou não fosse o regime sul-coreano uma ponta de lança dos seus interesses na região.
Os exemplos podiam multiplicar-se, mas não vale a pena. O facto é que lá onde existem, seja em que circunstâncias for, regimes afectos aos EUA, todos os atropelos à paz, à democracia, aos direitos humanos são considerados pecadilhos menores, ultapassáveis com «recomendações» amigáveis. Em caso contrário, a NATO ou os seus sucedânos entram em acção. É a «nova ordem» do xerife americano. — Anabela Fino


«Avante!» Nº 1318 - 4.Março.1999