Duas caras
em moeda única


Uma moeda falsa percorre a Europa: a moeda do federalismo.
Essa moeda já circula em Portugal. E em vez de cunho e face, para efeito das próximas eleições tem duas caras: Soares e Beleza.
Deitando a moeda ao ar, com qualquer destas caras sai-nos sempre a mesma coroa: a flora e fauna de um federalismo endógeno que estrabiza a própria noção do interesse e até da soberania nacional.

Neste jogo da moeda única Soares dá a cara pelo PS, pousando para o eleitorado com um afável e inefável sorriso de Gioconda.
Durante dois mandatos Soares vestiu a silhueta de presidente de todos os portugueses. Aproveitando a embalagem, afirma-se agora candidato de todos os portugueses.
Dá que pensar.
Ainda se o PS fosse partido único, compreender-se-iam as intenções. Mas havendo outras candidaturas partidárias, perante a lei tão iguais como a dele, vai ter de remeter-se ao seu papel, sem a ficção de uma candidatura suprapartidariamente neutral (até, pretensamente, supranacional). Cargos diferentes impõem estatutos diferentes e não o entender é pretender uma democracia incompleta.
Apresentando-se como Eva nascida de uma legítima costela da Democracia sua consorte, Soares recosta-se num aconchego mediático em que se dá ao luxo de, já em pré-campanha, praticar um chocante vedetismo. Com coisas que nos envergonham, como a entrevista de Kissinger na RTP, primeira das suas tão anunciadas conversas em família.
Aposta com isso cobrar um pré-pagamento eleitoral, lançando uma espécie de benção papalmente proferida «urbi et orbi» e envolvendo-se num véu incriticável - mas para todos os efeitos legais e políticos, inaceitável.

Encostado à parede pela vistosa apresentação da candidatura de Soares, o PSD foi buscar ao cofre de reserva da família uma velha jóia da coroa já com muitas mossas perante a opinião pública: a prestimosa Leonor Beleza.
Coube assim a Beleza dar a cara para a nova AD cunhar a sua face da moeda única em política europeia.
Mas em que língua nos fala essa política, que se pretende «alternativa»?
O início balbuciante desta AD, que à falta de programa político original esbraceja como vela ao vento, valendo-se de tudo, exigindo dia a dia assinar a rubrica dos pequenos factos, de acontecimentos mesquinhos - parece antecipar o caos irresistível do «bug» informático anunciado para o ano 2 000. É que nesse caos antecipado os computadores da AD surgem-nos a apresentar as mesmas diskettes da linguagem federalista do programa
«PE»/2 000 do Partido Socialista: supranacionalidade, Maastricht & Amsterdam, e adeus soberanias que o seu tempo já passou…

Em que língua traduzir estas eleições europeias?
Na versão federalista, supranacional, desnacionalizada e desnacionalizante da moeda única de duas caras e um só valor do PS e da AD?
A CDU tem uma versão, essa sim, alternativa. Na nossa própria língua: o português. — Aurélio Santos


«Avante!» Nº 1318 - 4.Março.1999