PCP melhora lei sobre AUGI´s
Avançar com a reconversão
respeitando o ordenamento do território


A problemática das áreas urbanas de génese ilegal, fenómeno de graves contornos quer do ponto de vista urbanístico quer no plano social, com particular incidência nas áreas metropolitanas, foi objecto de debate por iniciativa do Grupo Parlamentar do PCP.

No momento em que se aguarda o agendamento de iniciativas legislativas sobre esta matéria para o plenário da Assembleia da República (o Grupo comunista já formalizou há mais de um mês a entrega do seu projecto de lei), revestiu-se de grande interesse este encontro que encheu a Sala do Senado com uma plateia maioritariamente composta por autarcas, técnicos, especialistas e representantes de comissões de proprietários e de moradores.
No centro do debate esteve, sobretudo, a necessidade de serem introduzidas alterações à Lei 91/95, legislação que veio reconhecidamente dar um importante impulso ao trabalho de reconversão dos bairros de génese ilegal levado a cabo conjuntamente pelos municípios e pelos proprietários. Não obstante os assinaláveis progressos que o novo enquadramento legal veio permitir aos processos de recuperação destas áreas, a verdade é que desde muito cedo se fez sentir a necessidade de aprofundar o processo legislativo, em ordem, designadamente, à introdução de medidas e aperfeiçoamentos susceptíveis de vencer bloqueios e dar resposta aos problemas e dificuldades sentidos no terreno.

Problema complexo

Tendo na sua origem um grave problema habitacional que se fez sentir sobretudo a partir de finais da década de 60, em resultado do processo de litoralização do País, das distorções no mercado habitacional e da inexistência de quaisquer instrumentos de ordenamento do território, as áreas urbanas de génese ilegal, recorde-se, rapidamente atingiram uma grandeza e extensão que as faz situar entre os mais complexos problemas que hoje se colocam à requalificação do meio urbano.
Para aferir da dimensão deste problema - a que as Câmaras Municipais em boa verdade são alheias, uma vez que a política de habitação foi sempre uma competência do Governo -, basta referir que nestas vastas áreas vivem hoje, segundo as estimativas, aproximadamente 20 a 25 por cento da população da Área Metropolitana de Lisboa, o que equivale a números que rondam entre os 400 a 500 mil habitantes.
A esta realidade acresce ainda o facto de estarmos em presença de espaços que na sua génese, obedecendo estritamente à lógica especulativa do loteador clandestino, estavam desprovidas de qualquer rede de infra-estruturas, o que se veio a constituir até aos dias de hoje num sério obstáculo, quer a um correcto ordenamento do território, quer ao desenvolvimento dos municípios em termos da salvaguarda dos seus recursos naturais e da qualidade de vida das suas populações.

Superar insuficências

Foi, pois, consciente desta realidade - para a qual algumas Câmaras Municipais de gestão CDU vêm de resto chamando a atenção -, que o Grupo Parlamentar do PCP decidiu avançar com o seu projecto de lei, visando, concretamente, superar as insuficiências e lacunas detectadas no actual texto legislativo.
Desde logo, como assinalou no decorrer do debate o deputado Joaquim Matias, está o próprio período de vigência da Lei, que os comunistas querem ver alargado até 2002. Mas o que é sobretudo visado com o presente diploma, como revelou o parlamentar comunista, é a melhoria de todos os aspectos que têm a ver com as formalidades burocráticas, em ordem à sua simplificação e à rapidez do processo administrativo, seja em termos de aprovação do loteamento, seja no registo na Conservatória, seja na divisão de coisa comum no Notário, seja ainda no plano da legalização final.
Assumindo uma atitude plenamente responsável na abordagem do problema, não caindo na tentação de enveredar pelo caminho da demagogia fácil, como parecem estar a incorrer alguns sectores do PS, o Grupo comunista entende todavia que o aperfeiçoamento da Lei e a adopção de mecanismos mais céleres e desburocratizados não pode descomprometer os proprietários das suas responsabilidades, não podendo significar muito menos que a reconversão e a legalização por todos desejadas venham a ser obtidas sacrificando por qualquer via o correcto ordenamento do território.
Seria fácil afirmar que compete ao Poder central libertar todas as verbas necessárias para resolver o problema. Não é esse, porém, o caminho seguindo pelo PCP, como salientou em declarações ao «Avante!» o deputado Joaquim Matias, um dos oradores no debate. «Isso seria, muito provavelmente, a forma mais expedita para que tudo ficasse na mesma. Mas como queremos resolver o problema, que é complexo, envolve muitas construções e exige muito dinheiro, entendemos que os proprietários não se podem demitir das suas responsabilidades, cabendo-lhes contribuir, o que não exclui que tenha de haver simultaneamente a comparticipação dos municípios e da administração central», sustentou.

Preservar o território

Do debate resultou ainda claro que o trabalho de reconversão e legalização dos bairros de génese ilegal - e é nesse sentido que vai o projecto do PCP - tem obrigatoriamente de ser enquadrado e respeitar os Planos Directores Municipais (PDM) e os planos municipais de ordenamento do território (planos de urbanização e de pormenor), já que esta é a única forma de desenvolver equilibrada, harmoniosa e integradamente os municípios.
Qualquer posição populista defendendo a legalização a qualquer preço - e esta foi outra das conclusões do debate -, ao contrariar estes princípios, acabaria por ter efeitos nefastos e perversos, uma vez que, parecendo ser o caminho fácil, nunca verdadeiramente o seria, acabando por conduzir inevitavelmente à especulação fundiária e ao torpedear de todo o esforço de planeamento e ordenamento levado a cabo pelos municípios com vista à produção de um meio urbano de qualidade.
Para o Grupo Parlamentar do PCP torna-se ainda claro que o processo de recuperação das áreas urbanas de génese ilegal não deve em ocasião alguma colidir com a preservação do território, nem com a salvaguarda dos aspectos ambientais - recursos e bens que são património de toda a comunidade.
Estando em causa a Reserva Agrícola Nacional, a Reserva Ecológica Nacional e, por que não dizê-lo, a própria segurança dos cidadãos, não faz qualquer sentido que sejam autorizadas construções em cima de linhas de águas, em leitos de cheio, em solos de duvidosa segurança geotecnica, em terrenos com aptidão agrícola, em zonas húmidas ou de infiltração máxima, ou em áreas de protecção e enquadramento.


«Avante!» Nº 1319 - 11.Março.1999