Promessas
do PS sobre as uniões de facto
A
montanha pariu um rato
A Assembleia da República aprovou, na generalidade, os projectos de lei do PS e do Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV) que alargam os direitos dos cidadãos que vivem em regime de «união de facto». O diploma do PS sobre o «regime jurídico da união de facto» foi aprovado com os votos favoráveis dos proponentes e do PEV, a abstenção do PCP e os votos contra do PSD e do CDS-PP. Ao projecto de lei do PEV que «alarga os direitos das pessoas cuja família se constitui em união de facto», por sua vez, juntaram-se, para além dos votos dos seus deputados, os do PCP e PS, merecendo os votos contra do PSD e do CDS-PP.
Os dois diplomas,
que baixaram à Comissão especializada, prevêem o alargamento
dos direitos das pessoas cuja família se constitui em união de
facto, muito embora o articulado do projecto subscrito pelos
«Verdes» vá mais longe no que se refere à equiparação desta
situação com o casamento.
Mas o que de verdadeiramente essencial importa reter do debate,
depois de mais de dois anos de continuadas promessas sobre a
apresentação de um projecto de lei sobre esta matéria, que
sustentaram na comunicação social a demagogia do Partido
Socialista a propósito das uniões de facto, é que «a montanha
pariu um rato».
A esta conclusão chegou também a deputada comunista Odete
Santos, para quem resulta claro terem sido completamente goradas
as expectativas criadas relativamente à materialização de
alguns direitos, como é o caso das uniões de facto
homossexuais.
Já se sabe, que a demagogia vai continuar. Sérgio Sousa Pinto
(PS) apressou-se a prometer que iria ser ainda apresentado um
Projecto de Lei para as pessoas vivendo em economia comum,
independentemente do sexo a que pertencessem. Mas, como sublinhou
Odete Santos em declarações ao «Avante!» no final do debate,
«suspeita-se, com fundadas razões, sobre os desígnios do
Partido Socialista: será que, a ser apresentado, tal projecto
seria discutido até ao final da legislatura ?»
Decepção geral
Odete Santos ao
longo do debate não escondeu, aliás, a sua decepção pelo
projecto de lei subscrito pela bancada socialista - apenas
relativo, recorde-se, às uniões de facto heterossexuais -
chegando mesmo a afirmar que, em muitas áreas, o diploma
constitui um «espantoso retrocesso no caminho que foi
empreendido para o reconhecimento das uniões de facto
heterossexuais, com a reforma do Código Civil».
Com efeito, sublinhou, toda e qualquer iniciativa legislativa
sobre uniões de facto, «não pode esquecer aquilo que já foi
conquistado na legislação, e aquilo que já foi reconhecido na
jurisprudência».
Ora sucede que com o Projecto de lei do Partido Socialista
ficariam em causa direitos que a jurisprudência já reconheceu,
como o direito à indemnização com base no enriquecimento sem
causa relativamente a bens para a qual tenham contribuído os
dois membros do casal, e de que apenas seja titular um deles.
Ficaria em causa o direito que alguma jurisprudência já
reconheceu, ao sobrevivo membro da união de facto, a
indemnização resultante de acidente de viação.
Retrocessos
Mas, pior ainda,
como chamou a atenção a parlamentar do PCP, o projecto de lei
retira mesmo, expressamente, alguns direitos às uniões de facto
heterossexuais.
Com efeito, a lei dos acidentes de trabalho e doenças
profissionais, aprovada em 1997- a lei 100/97- confere ao membro
sobrevivo da união de facto, o direito às pensões por morte do
outro membro, resultante de acidente de trabalho ou de doença
profissional. Sem fazer depender tal direito da necessidade de
pensão de alimentos por parte do membro sobrevivo.
Com o Projecto de lei do Partido Socialista apresentado em 1998,
cerca de um ano depois da aprovação da lei 100/97, não só os
membros sobrevivos da união de facto perdem o direito às
pensões resultantes de doença profissional, como para que
tivessem o direito às pensões resultantes de acidentes de
trabalho teriam de provar primeiro, em acção a propor no
Tribunal Judicial, que tinham necessidade de pensão de alimentos
a ser paga pela herança do falecido.
«A que se deve tão espantoso retrocesso. O Governo estará à
espera para regulamentar a lei 100/97, que sejam diminuídos os
direitos constantes da já minguada lei de 1997? Oferecendo um
novo brinde às seguradoras ?», perguntou Odete Santos.
Flagrante inconstitucionalidade
E isto, repare-se,
sem que o diploma apresentado tenha sido posto à consulta
pública na parte em que legisla sobre direitos dos
trabalhadores, em obediência ao preceito constitucional que tal
impõe, que, na perspectiva da bancada comunista, constitui uma
flagrante inconstitucionalidade a carecer de reparação em sede
de especialidade.
O projecto de lei limita-se ainda a consagrar parcialmente outros
direitos já constantes da legislação, como o direito a
pensões de sobrevivência e a pensões de preço de sangue e por
prestação de serviços excepcionais ao país.
Por último, no que se refere à transmissão do direito ao
arrendamento por morte, o projecto de lei segundo Odete Santos
«está mal elaborado», e daria origem, se aprovado tal como
está, a «longa querela jurisprudencial», donde apenas
resultaria como positivo a redução do período de coabitação
de cinco para dois anos.
Já para não falar da solução, de poucos reflexos práticos,
do direito real de habitação e da preferência na venda ou no
arrendamento da casa própria que tenha constituído a casa de
morada de família.
A bancada comunista, depois de ter viabilizado com a sua
abstenção a passagem na generalidade do projecto de lei do PS,
anunciou já, entretanto, reservar a sua posição final,
dependente das soluções que vierem a ser encontradas.
É que o PCP, como garantiu Odete Santos ao «Avante!», não
dará o seu aval a um diploma final que «represente um
retrocesso relativamente ao quadro legal existente».