Um
partido com passado
voltado para o futuro
Discurso
de Carlos Carvalhas
no comício do 78º aniversário do PCP
«Aqui nos têm, de cabeça erguida, orgulhosos do nosso património de luta, confiantes e empenhados em conquistar um futuro melhor para o nosso povo», disse Carlos Carvalhas no discurso que proferiu no comício comemorativo do 78º aniversário do PCP, que no sábado passado se realizou no Pavilhão Carlos Lopes, em Lisboa, e de que aqui se transcrevem largas passagens:
«Ao celebrarmos o
aniversário do nosso Partido, celebramos também a luta
corajosa, abnegada e generosa de muitos homens e mulheres que
deram o melhor da sua vida à causa da liberdade e da democracia,
à causa da justiça social e do socialismo.
Celebramos o papel inconfundível na luta do povo português de
um Partido, que esteve sempre na primeira linha de combate por
direitos, garantias, transformações e avanços de civilização
que hoje para muitos portugueses e para as novas gerações são
tão naturais como o ar que se respira, mas que custaram muito
trabalho, muita determinação e muitos sacrifícios.
E aqueles que mil vezes decretaram a nossa morte ou o nosso
desaparecimento aqui nos têm, celebrando o 78º aniversário do
nosso Partido, de cabeça erguida, orgulhosos do nosso
património de luta, confiantes e empenhados em conquistar um
futuro melhor para o nosso povo.
Aqueles que mil vezes nos representaram negativamente através
dos seus preconceitos e das suas caricaturas, aqui nos têm num
efectivo processo de rejuvenescimento e renovação, voltados
para a resolução dos problemas e para uma maior intervenção e
ligação aos trabalhadores e ao povo.
Aqui nos têm conscientes das potencialidades e energias que
temos e das dificuldades e dos problemas que queremos vencer,
voltados para o futuro comemorando 78 anos de luta ao serviço do
povo e do país.
Aqui nos têm a celebrar o aniversário do nosso Partido que ao
longo da sua história soube sonhar, criar, organizar e lutar
pela liberdade, pela democracia, pela transformação social, por
uma vida melhor para os trabalhadores e trabalhadoras, por um
Portugal de progresso e justiça, o Partido Comunista Português!»
Alterar relação de forças
«Este nosso
comício comemorativo do 78º aniversário do nosso Partido
realiza-se nas vésperas de importantes batalhas de cujo
resultado depende muito o futuro do nosso país. Refira-se
nomeadamente as batalhas eleitorais para o Parlamento Europeu e
Assembleia da República.
Até às eleições a AD e o PS vão encenar duas grandes
posturas:
A primeira, de que há entre AD e PS grandes divergências.
A segunda, mostrarem-se muito preocupados com os problemas
sociais.
São duas grandes encenações com grandes tiradas teatrais para
"caçarem" os votos dos portugueses.
Mas qual é a realidade? Tirando as questões secundárias,
durante estes três anos a grande acusação do PSD e do PP ao PS
foi a de que o PS dialoga e não governa...
Por sua vez, o PS negando tal acusação, gaba-se de ter
privatizado mais e mais rapidamente do que o PSD, o que é na
verdade um grande feito para quem se diz socialista.
O PSD acusa também o PS de ter nomeado mais "boys"
para o aparelho de Estado que os governos de Cavaco Silva, o PS
diz que 10.000 é exagerado mas não nega que tenha nomeado
largos milhares de boys. Passou-se dos empregos com cartão cor
de laranja para os empregos com cartão rosa.
É caso para dizer: entre os dois procedimentos éticos venha o
diabo e escolha.
Em relação às privatizações, aos benefícios fiscais
dados ao capital financeiro, à moderação salarial, ou no
quadro da União Europeia, em relação ao "Pacto de
Estabilidade", aos critérios de Maastricht e à política
neoliberal em geral, quais são as grandes diferenças entre o
PSD e o PS?
Dir-me-ão, mas o PSD atacou o Grupo Sonae, de Belmiro de
Azevedo. Certo.
Na disputa de mercados, de benesses, de favores do Estado é
natural que umas vezes o PS esteja com certos grupos económicos
e o PSD com outros.
Mas, quando a linha de separação de águas é entre o capital e
o trabalho, logo se sabe de que lado estão.
Durante estes três anos nem o PSD, nem o PP, nem o PS, agora no
Governo, apoiaram qualquer luta dos trabalhadores, qualquer
reivindicação salarial ou qualquer greve.
Alguém os viu, por exemplo, a defender, ou a apoiar os
trabalhadores da têxtil na luta pela redução do horário de
trabalho para as 40 horas?
Alguém os viu ao lado dos trabalhadores da Administração
Pública na luta pelo aumento de vencimentos?
Nem aqui, apesar de ser o Estado a pagar, pois sabem que os
aumentos na Função Pública servem de matriz para os aumentos
no sector privado...
Alguém os ouviu a defender os sinistrados do trabalho contra os
abusos das Seguradoras privadas?
Alguém os ouviu a combater o trabalho precário, o trabalho
clandestino ou mesmo o trabalho infantil?
Em relação à "separação de águas" há apenas uma
força na Assembleia da República que dá voz a estas causas
o PCP, a CDU e as suas componentes.
E por isso dizemos aos portugueses e portuguesas, que está na
sua mão contribuírem para uma viragem à esquerda na política
portuguesa, reforçando com o seu voto a CDU.
A principal questão que se coloca nestas eleições e a
alteração da relação de forças entre o PCP e o PS.
Podemos dizer com verdade que o que de mais positivo se aprovou e
o que de mais negativo se travou tem a marca da luta, da
proposta, do projecto, do voto do PCP.
Empreendimentos como o Alqueva, leis tão diversas como a do
"Rendimento Mínimo", a garantia do direito à
igualdade de tratamento no trabalho e no emprego, a garantia de
alimentos devidos a menores, a rede nacional pública do
Pré-escolar, a extensão a todos os distritos dos Centros de
Apoio aos toxicodependentes, o aumento extraordinário dos
reformados, o combate às listas de espera no Serviço Nacional
de Saúde, a baixa das tarifas da electricidade, as alterações
na tributação do IRS que deverão permitir que 750 mil
portugueses, de mais baixos rendimentos, fiquem isentos de IRS e
cerca de 2 milhões descontem menos, foram conseguidos com a
intervenção, a pressão e a luta do PCP.
Muito mais se teria conseguido se tivéssemos mais força. (...)»
_____
Sempre com os trabalhadores e com o povo
«O PCP, um Partido
com uma história de 78 anos, Partido de resistência e de luta,
Partido de construção e proposta, pode afirmar hoje, no limiar
de um novo século, em novas condições e perante novas
realidades, que continua e queremos que continue a ser o Partido
das grandes causas sociais, com um ideal e um projecto de
transformação e emancipação humana.
Pela sua natureza e ideologia, o PCP soube estar na primeira
linha da defesa dos interesses e direitos da classe operária e
dos trabalhadores, das justas reivindicações das camadas
médias. Nunca regateou esforços e energias na luta e nas causas
dos agricultores, dos estudantes, das mulheres, dos reformados e
mais desfavorecidos, dos pequenos e médios empresários, dos
criadores, culturais, da intelectualidade, intervindo a todos os
níveis da sociedade.
É a vida que faz prova da afirmação. Quisemos e soubemos
afirmar o nosso Partido, dando ânimo, solidariedade e confiança
aos trabalhadores e ao movimento sindical em momentos decisivos,
para travar e adiar o pacote laboral do Governo.
Protagonizado por homens e mulheres concretos que incorporam o
nosso grande colectivo partidário, estivemos à frente da luta
contra os despedimentos, fosse ali nos Cabos DÁvila ou na
Renault, na luta contra as privatizações e a retirada de
direitos, fosse na EDP, nas comunicações, nas cimenteiras ou no
sector dos transportes ferroviários, aéreos, nos portuários,
na luta por melhores salários e melhores direitos, fosse na
Petrogal ou na Auto-Europa, na Administração Central ou Local,
na metalurgia e química, na construção civil, na têxtil, nas
indústrias eléctricas ou nos estabelecimentos fabris das
forças armadas. Mas também marcámos presença e proposta nas
lutas mais justas dos agricultores, dos pescadores, no protesto
público e na reivindicação estudantil, na manifestação dos
reformados, na denúncia e na iniciativa das mulheres pela
igualdade e contra as discriminações, na divulgação das
inquietações e das propostas de pequenos e médios comerciantes
e industriais.»
Pela dignidade dos reformados
«Na verdade ainda
no passado sábado centenas de reformados desfilaram entre a
Praça do Comércio e a Praça da Figueira, reivindicando
melhores condições de vida e melhor segurança social, sublinhando
que 1,8 milhões de reformados têm pensões inferiores a 32 mil
escudos e que 39% das famílias portuguesas vivem abaixo do
nível de subsistência, sendo os reformados pensionistas e
idosos os mais atingidos.
Daqui queremos saudar todos os reformados e dizer-lhes que
podem continuar a contar com o PCP em defesa das suas justas
reivindicações, sem demagogias e sem criar falsas expectativas,
como outros despudoradamente o têm feito, jogando com as suas
fragilidades.
Por isso queremos desta tribuna desafiar o governo para que
concretize em Abril a segunda fase do aumento extraordinário
dos reformados abrangendo os que ficaram excluídos. Seria uma
boa notícia, uma medida justa e também uma boa forma de se
assinalar o 25º aniversário do 25 de Abril.
O governo está comprometido a avançar com a segunda fase do
aumento extraordinário.
O nosso desafio é que o faça já em Abril, que se deixe de
"eleitoralices" e não espere pela vésperas das
eleições.
Não nos venha dizer que não pode ser em Abril, que são
precisos mais quatro ou cinco meses para angariar os meios
necessários, pois o governo sabe que isso é falso.
Há condições para se avançar em Abril com o aumento
extraordinário de pensões e reformas e de uma forma mais
generalizada.
Aqui fica o desafio dirigido ao Primeiro-Ministro e ao
Ministro da Solidariedade Social.
Os reformados e o 25 de Abril merecem-no.
Estivemos com a JCP nas lutas e apoiámos as reivindicações
juvenis. Apoiámos as lutas dos estudantes por melhor ensino, por
uma lei de financiamento do superior, pelas saídas
profissionais.
E neste ano em que a JCP realiza o seu Congresso daqui lhe
queremos dirigir uma saudação muito especial certos de que lhes
não faltará nem o ânimo, nem a determinação em prosseguir a
luta com a juventude por um futuro melhor.»
Contra o pacote laboral
«Se nessas lutas,
se nas lutas sindicais, das comissões de trabalhadores e das
empresas, a comunicação social fizesse uma legenda,
acrescentando a identificação partidária ao nome dos
dirigentes e aos que mais se destacam na luta, os trabalhadores e
o povo português teria a verdadeira dimensão, da combatividade
e do valor deste Partido.
E que outro Partido é capaz de ser assim na luta concreta e
quotidiana no terreno e, simultaneamente nas instituições, no
Parlamento Europeu, na Assembleia da República, nas Autarquias;
capaz de assumir essa acção e esse combate, acolher
aspirações e fazer propostas?
E é com base nestas características ímpares nesta ligação
dialéctica e complementar da acção de massas e da acção
institucional, enquadrada na nossa acção política geral, que o
nosso Partido pode corresponder aos desafios e às batalhas que
se nos colocam neste ano de 99.
Face ao perigo mais próximo do pacote laboral que o governo do
PS agendou na Assembleia da República para Março e Abril,
coloca-se ao nosso Partido a tarefa de esclarecer, alertar e
mobilizar os trabalhadores face à gravidade das propostas
legislativas.
E daqui apelamos a todos os militantes, amigos do Partido, a
todos os democratas, para corresponderem à convocação da
CGTP-IN, a grande central sindical dos trabalhadores portugueses,
que daqui queremos saudar, para que correspondam à convocação
da CGTP, participando na grande manifestação nacional de 25 de
Março. Que expressem inequivocamente a exigência da
retirada deste grave pacote laboral, que exijam do Governo e do
PS que não se transforme a próxima geração de trabalhadores
num exército de mão de obra precarizada, com emprego parcial,
com menos segurança social, com menos férias e subsídio de
férias. Que expressem e demonstrem, no 25º aniversário da
revolução libertadora do 25 de Abril, onde se reconquistou a
liberdade e se conquistaram direitos fundamentais dos
trabalhadores, a validade e actualidade desses direitos como
factor de progresso e avanço da civilização humana.»
_____
A necessidade do reforço da CDU
«Com a consciência
que será a luta dos trabalhadores a determinar os resultados e
os desfechos legislativos, certos que os trabalhadores mais uma
vez contarão com o PCP, há que dizer que o Governo e o PS não
mudarão de rumo nem de política, que persistirão agora ou mais
à frente, com este ou com outro pacote laboral, se os
trabalhadores virem no PCP tão-só a força política que melhor
luta e melhor combate pelos seus interesses e que melhores
propostas apresenta.
É importante e honroso que os trabalhadores pensem nisso. Mas é
insuficiente.
Os trabalhadores e os portugueses precisam de um PCP mais
influente, com mais força política e eleitoral, capaz de travar
com eles todas as lutas; mas também de um PCP com força
bastante para alcançar um rumo diferente para o país., uma
viragem à esquerda na política nacional.
(...)
Neste virar do século em que as forças produtivas registam um
grande desenvolvimento, em que as conquistas científicas e
técnicas são marcantes, a humanidade continua sem resolver os
problemas da fome, das chagas sociais mais chocantes, do
desemprego massivo a que são condenados milhões e milhões de
homens e mulheres.
A fantástica concentração de riqueza e as gigantescas fusões
e concentrações são acompanhadas de grandes ofensivas no
sentido da precarização do emprego e da liquidação de
direitos conquistados com sacrifícios sem conta por gerações
de trabalhadores.
Os dogmas do neoliberalismo e as exigências dos mercados
financeiros são apresentados como a última verdade a quem os
povos e as nações se devem submeter.
É nesta lógica que hoje cerca de metade da economia mundial
se encontra numa profunda crise, com uma brutal diminuição do
nível de vida e em que a outra metade está suspensa pelo que
pode vir a suceder se rebentar a imensa bolha especulativa de
Wall Street.
É um absurdo que a dois passos do próximo milénio a vida de
milhões de seres humanos esteja dependente dos caprichos e dos
egoísmos do capital financeiro e da roleta da especulação
bolsista.
Nós continuamos a pensar que a caminho do século XXI o
homem não está condenado a tais ameaças e regressões sociais.
A luta pela transformação social e pela emancipação humana
nos espaços nacionais e a nível internacional em convergência
e complementaridade de esforços das diversas forças comunistas
e progressistas é mais necessário que nunca.
Mais necessário do que nunca também para dar combate aos
projectos e golpes que procuram pelos mais diversos meios limitar
e desfigurar a democracia e expropriar a soberania popular
atribuindo aos mercados e ao capital financeiro a tutela sobre os
povos, os trabalhadores e as decisões nacionais.
Seguros do papel que desempenhamos, sem triunfalismos ou
arrogâncias, este Partido Partido Comunista Português
saberá honrar os seus compromissos com o povo e os seus
deveres internacionalistas e tudo fará para dar mais força à
dimensão humanista e revolucionária dos ideais do comunismo e
às grandes causas da justiça social, da liberdade, da
democracia e do socialismo.»
_____
Um novo rumo para a construção europeia
«As eleições para
o Parlamento Europeu já estão na ordem do dia. As nossas
posições são claras.
Nós não temos uma visão abstracta ou idílica da Europa.
Há a "Europa" que tem as suas raízes em factos
históricos como os da inquisição, do colonialismo e o do
neocolonialismo, do nazi-fascismo, do anti-semitismo e do
holocausto, ou nas do nacionalismo serôdio, no racismo e na
xenofobia.
E há a Europa das luzes, do humanismo, dos sindicatos, das
conquistas sociais, do movimento operário, da Revolução
francesa e da Revolução de Outubro. É nesta Europa que nos
situamos e é por isso que queremos um outro rumo para a
construção europeia.
Uma União Europeia, que realize o princípio da
"coesão económica e social" e o pleno emprego e não
a "União Europeia" dos milhões de pobres e desempregados.
Uma União Europeia, com uma grande dimensão social e
ambiental, respeitadora dos interesses tanto dos pequenos
como dos grandes países, que não dilua o nosso país como se
fosse uma região sem rosto numa Europa comandada por um
directório de grandes potências, como defendem os federalistas.
Uma União Europeia mais democrática com as decisões mais
próximas dos cidadãos.
Não deixa de ser curioso que muitos dos que ontem nos
criticavam e afirmavam que éramos alarmistas, são hoje os
primeiros a dizer que a Agenda 2000 tal como foi proposta
prejudica enormemente o nosso país, que o Pacto de Estabilidade
tem que ser flexibilizado, que a reforma da PAC não tem em conta
a especificidade da agricultura portuguesa e que mais importante
que a convergência nominal é a convergência real das
economias.
Nós não podemos consentir que se continue a arruinar a
nossa agricultura e as nossas pescas e importantes sectores da
nossa industria. Num país com uma produção tão insuficiente
é uma afronta ver pagar-se para abater barcos de pesca; pagar-se
para se ter campos abandonados; enterrar fruta que falta em casa
de tantas famílias.
Por isso, nós exigimos firmeza nas negociações em curso e não
palmadinhas nas costas e sorrisos balofos.
A defesa dos interesses nacionais e de um novo rumo para a
construção europeia exige empenho, luta e convergência da
acção com outras forças comunistas, progressistas e
ecologistas. Também por isso, valorizamos o "Apelo
Comum", assinado por vários partidos progressistas e
comunistas europeus, dirigido aos povos da Europa para que nestas
eleições europeias reforcem aqueles que lhes dão voz.
A nossa lista para o Parlamento Europeu é composta por
homens e mulheres com provas dadas, tem como cabeça de lista a
camarada Ilda Figueiredo e terá uma significativa percentagem de
mulheres.
Damos assim um forte sinal a que nos tínhamos comprometido.
Também contamos na lista, como sabem, com o camarada José
Saramago e com destacados cidadãos da cultura, do movimento
sindical e do mundo do trabalho.»
PCP apoia luta das mulheres
«Com a forte
presença feminina queremos também expressar o valor que damos
à participação da mulher em igualdade.
E em relação a estas questões, não por simples tradição mas
antes de acordo com a nossa orientação e luta de muitos anos,
queremos também da tribuna deste nosso comício saudar o Dia
Internacional da Mulher, símbolo maior de uma longa caminhada
das mulheres pela conquista, defesa e afirmação dos seus
direitos, símbolo maior de um dos grandes combates
civilizacionais que atravessaram este século e que entrará no
século XXI para novos avanços contra preconceitos e
discriminações, contra constrangimentos e condicionantes
sociais, económicas, políticas e culturais que ainda hoje tanto
prejudicam o pleno reconhecimento e a concretização na vida de
justíssimas aspirações de igualdade e emancipação.
Se outras razões não houvesse, o debate e a votação anteontem
realizados na Assembleia da República sobre a proposta de lei do
Governo de imposição por lei de quotas obrigatórias de
participação feminina nas listas eleitorais para a AR e o PE
justificam que também aqui voltemos a abordar esta matéria,
insistindo em alguns pontos fundamentais para a compreensão da
posição que o PCP assumiu e que o PS procura desonestamente
caricaturar e falsificar.
Desde logo, um primeiro ponto que deve ficar claro é que
compreendemos e respeitamos que em torno desta questão, que
comporta uma inegável complexidade, haja posições diversas e,
por isso, queremos afirmar que não vemos nenhum drama nesse
facto e também que ele não justifica qualquer crispação.
Um segundo ponto é para denunciar a manobra hipócrita que
os dirigentes do PS continuam a desenvolver e que consiste em um
Partido como o PS, que tem 12,5% de mulheres na Assembleia da
República, pretender dar lições sobre participação política
das mulheres ao PCP e ao PEV que, em conjunto, têm na Assembleia
da República, 26,7 % de deputadas. Sinceramente, era só o que
faltava que os alunos mais cábulas se viesse armar em
catedráticos!
Um terceiro ponto é para afirmar que não haveria nada mais
falso e redutor do que dizer secamente que o PCP esteve contra a
lei das quotas do PS e ponto final parágrafo.
Com efeito, o PCP não se limitou a dizer não à proposta do
Governo porque pensa e disse muitíssimo mais.
Que ninguém queira tapar o sol com uma peneira: o PCP não
alinhou por nenhuma atitude do género «está tudo bem como
está», do género «não há nenhum preconceito contra as
mulheres», do género «não há nada a fazer» a não ser
esperar pela espontânea evolução das mentalidades ou pela
superação dos factores socioeconómicos que inegavelmente
também tem dificultado uma maior participação das mulheres na
vida política.
Não. Bem pelo contrário, a anos-luz destas posições
resignadas para não dizer conservadoras e rotineiras, o PCP
sublinhou com força que, sem prejuízo da imperiosa necessidade
de se enfrentar com audácia os problemas de fundo que pesam
sobre esta questão, era justo e, mais do que justo, era
indispensável que as forças políticas se empenhassem
voluntariamente em assegurar uma maior participação feminina
nas suas listas e no órgãos de poder, assim dando um sinal e um
testemunho que, não resolvendo todos os problemas, serão sem
dúvida um estimulo para as mudanças maiores que são
necessárias.
Com a autoridade e a credibilidade de sermos o Partido que, como
é reconhecido, tem feito um maior esforço e apresenta melhores
indicadores de participação feminina, do que discordámos foi
da opção de se querer resolver por via de uma imposição legal
aquilo que a nosso ver, devia e deve ser um compromisso livre e
responsavelmente assumido pelos partidos. Do que discordámos foi
de uma proposta que, mesmo na lógica dos defensores das quotas
impostas por lei, teria então de sofrer a crítica de apenas se
preocupar com o universo de 230 eleitos da AR e de 25 do PE,
deixando estranhamente de fora o universo dos 40.000 eleitos do
poder local e os milhares de cargos de nomeação governamental.
Do que discordámos foi da desprestigiante situação em que
cairiam partidos que dessem o espectáculo de, só por
imposição legal e sob a ameaça de não poderem concorrer às
eleições, conseguirem fazer o que até aqui não quiseram ou
não conseguiram fazer voluntariamente.
E foi por tudo isto que dissémos e mantemos, que nos parecia ser
melhor caminho aliás percorrido com êxito em muitos
países o da auto regulação e livre decisão dos
partidos. E, por isso, pela nossa parte assumimos o compromisso
público de, nas próximas eleições reforçar a participação
feminina nas nossas listas em grau superior aos 25% propostos
pela proposta de lei do Governo e, ao mesmo tempo, desafiámos os
outros partidos a assumirem idênticos compromissos, sendo sabido
que o PS foi o único partido que o não quis.
Mas, além de tudo isto, dissemos algo mais que nos parece muito
importante mas que algumas pessoas parecem não achar nada
interessante. Dissemos que, para melhor garantia de que os
partidos respeitassem os compromissos assumidos, era
indispensável que os cidadãos e os eleitores passassem a
integrar na sua avaliação dos partidos o maior ou menor grau de
empenho que cada um colocar no reforço da participação
feminina e que, na hora de votar, ajustassem contas com os que
não cumprem e premiassem eleitoralmente os que cumprem.
Verá pouco quem pensar que este nosso apelo aos eleitores é
apenas uma habilidade política. Porque este nosso apelo é, do
ponto de vista democrático, de uma riqueza e de um valor
infinitamente superiores à da mera imposição administrativa de
uma lei. Porque, para este tema - como aliás é necessário
para muitos outros, estamos assim a convocar a responsabilidade
directa dos cidadãos e a valorizar o papel da sua opinião e da
sua vontade, porque estamos a sublinhar que é nas escolhas
eleitorais que fizerem que está um poderoso instrumento para
castigar o que está mal e apoiar o que está bem ou quem se
porta melhor.
Uma coisa é certa: pela nossa parte, estamos muito
determinados e confiantes em que, no momento da apresentação de
candidatos da CDU às eleições deste ano, os portugueses possam
ter mais uma prova da sinceridade, da seriedade e do sentido da
responsabilidade com que encaramos o reforço necessário e
indispensável da participação das mulheres na vida política
nacional.»