A VII Legislatura
(2ª parte)

Por João Amaral


Com a descrição e reflexão feitas na primeira parte deste artigo (ver Avante! de 11 de Fevereiro passado), sobre os primeiros seis meses da VII Legislatura, mostrou-se como foram sendo feitas diversas opções, que conduziram o Governo PS a uma convergência com o PP de Manuel Monteiro. Foi com essa aliança de facto, que o Governo PS obteve a aprovação do seu primeiro orçamento (para 1996), e garantiu a sua sobrevivência política.

Aquelas opções radicavam nos traços essenciais da política anunciada logo no programa do Governo por António Guterres, no plano económico e financeiro e no plano europeu. O PS elegia como grande objectivo o cumprimento dos critérios de Maastricht para adesão à moeda única. Por outro lado, anunciava-se desde o início o prosseguimento e aceleração do processo de privatizações.
Para o PCP, estas opções representavam, além do seu próprio demérito, o abandono das promessas de mudança de política feitas na campanha eleitoral pelo PS. E não só: implicando aparentemente uma política orçamental restritiva e a contenção do processo de crescimento, essas opções deveriam ter fortes repercussões nas políticas sociais e de desenvolvimento, com graves custos para o país e para os portugueses.
E assim, apesar de algumas convergências pontuais em torno de algumas iniciativas legislativas, o PCP, reconhecendo não ser oposição sistemática, posicionou-se claramente como oposição, mais concretamente como oposição de esquerda.
A questão que importa enfrentar é simples, resume-se numa pergunta: podia ter sido de forma diferente?
Evidentemente que este "ser de forma diferente" implicaria da parte do Governo alterações significativas dos seus objectivos de política económica e financeira, e da sua política europeia.
Na altura, nada podia garantir que a adopção pelo Governo desses objectivos não contivesse graves consequências sociais e económicas. Ninguém podia prever (nem o Governo!), que se afirmasse uma expansão económica europeia, com repercussões positivas nos índices de crescimento. Não era possível prever o efeito da descida das taxas de juro, particularmente sobre o mercado da habitação e de consumo. Não estava contabilizado o efeito sobre o PIB da construção da EXPO’98.
Mas, mesmo que fosse possível prever estes e outros factos, que permitiram que se vivesse à margem de uma ruptura social que noutros circunstâncias seria mais que provável, mesmo assim a política de convergências do Governo PS dificilmente poderia ser diferente, e dificilmente a posição do PCP, de oposição de esquerda, se poderia ter modificado. Pela simples razão de que o Governo não queria modificar os seus objectivos essenciais de política económica, pelo contrário, queria fazer deles uma marca identificadora e para isso precisava de ter o apoio da direita. Precisava de "isolar" o PCP.
Basta ver o que se passou a seguir à aprovação do Orçamento para 1996, entre Março e Julho de 1996. Basta analisar três traços característicos do comportamento do PS para com o PCP.
Primeiro traço: em relação a algumas reformas de fundo, que constituíam repetidas propostas do PCP, o PS rejeitou os projectos comunistas para aprovar os seus próprios projectos, orgulhosamente só. Assim sucedeu com o rendimento mínimo garantido e com o pré-escolar. Com esse comportamento, o PS não conseguiu retirar um milímetro ao mérito da acção e iniciativa do PCP. Mas deu um péssimo sinal acerca do que pretendia que fosse o seu relacionamento com o PCP.
Segundo traço: o PS dá prioridade a iniciativas que sabe à partida que contam com a clara oposição do PCP. Foi assim com a lei dos horários "flexíveis". Foi assim com o anúncio do agravamento da penalização dos cortes de estrada. Na situação inversa, de votação de um projecto do PCP, o PS obtém o mesmo efeito com a rejeição do projecto do PCP para reposição da idade de reforma das mulheres aos 62 anos. Também aqui privilegia a "provocação" ao PCP e aos seus valores, neste caso com a despudorada negação das posições que o próprio PS tinha assumido na legislatura anterior.
Terceiro traço: a busca de entendimento com a direita em matérias de grande repercussão política, em que existia convergência entre PCP e PS.
O paradigma é o caso da regionalização. A regionalização tinha sido possível, no quadro constitucionalmente então vigente com os votos do PCP e do PS. O PS recuou, perante a chantagem do PSD. Recuou, com a ajuda do PP, aceitando o referendo e remetendo a regionalização para o fim do processo de revisão. Mas, é bom frizá-lo, o PS não quis o referendo por o achar necessário (e muito menos por admitir na altura vir a perdê-lo!). Não: o PS recuou para ficar com pontes para a direita e para não ter de votar em aliança com o PCP uma lei estruturante.
Assim, nos cinco meses entre Março e Julho de 1996, o PS solidificou a sua opção pelo apoio da direita. Não é possível nenhuma encenação em que o PS seja vítima da "intransigência" do PCP. Foi o PS que escolheu o caminho e tudo fez para o percorrer, contra o PCP.
Claro que neste período não deixou de haver convergências pontuais com o PCP, designadamente em matérias em que o PCP tomou iniciativa. Assim sucedeu por exemplo com a importante lei sobre a floresta, com a revisão do Plano de Erradicação de Barracas, com uma lei com o alcance da tutela administrativa, ou com a regularização extraordinária da situação dos imigrantes. São exemplos do que poderia ter sido diferente, se outra fosse a vontade do PS. Mesmo o rendimento mínimo só foi possível porque, apesar da rejeição pelo PS do nosso projecto, o PCP não se deixou cegar e pensou nos interesses dos excluídos, e por isso deu o seu voto para que o rendimento mínimo pudesse existir.
A partir de Julho de 1996, iam começar os piores anos, as convergências estruturantes com o PSD. Seria então possível terem as coisas corrido de outra forma? Valerá a pena fazer essa análise, numa terceira parte deste artigo.

(Continua)


«Avante!» Nº 1319 - 11.Março.1999