Por TIMOR


Reiniciaram-se as conversações sob a égide da ONU entre a Indonésia e Portugal a propósito da ocupação indonésia de Timor - Leste. À hora do fecho da edição do "Avante!" não se conhecia o desfecho dessas conversações. Entretanto vale a pena ter presente que as conversações estão marcadas pela ausência daqueles que são os principais actores do conflito : os timorenses. É uma falta injustificável e que deixa as conversações coxas. Com efeito a Resistência está fora, o que é um absurdo. Mas é desde já claro que o povo timorense não quer a autonomia que a Indonésia lhe oferece. Xanana Gusmão e os vários dirigentes da Resistência já deixaram as coisas claras; a autonomia vem muito tarde e é muito pouco.
As conversações em Nova Iorque inserem-se num contexto que é preciso ter em conta. A luta do povo timorense nas montanhas, nas ruas, no palco diplomático tornou a ocupação indonésia impossível. As próprias contradições no poder indonésio entre a ditadura e o povo minaram e levaram à substituição de Suharto por Habibi, sem que entretanto, a crise aberta fosse resolvida. O poder ou sectores a ele ligados aproveitando a sua heterogeneidade instigam grupos pró-integracionistas para criar cenários em Timor - Leste em que o território aparece como ingovernável e incapaz de viver sem o domínio indonésio.

Sectores ligados directamente ou indirectamente ao poder ou a círculos do poder criam milícias armadas pró - integracionistas que tiranizam o povo timorense, impedindo-o de poder respirar livremente. São manobras que visam, em ultima instância, condicionar a opção livre do povo maubere. Sabe-se que o comércio e a indústria estão nas mãos dos indonésios e de poucos timorenses a eles ligados, e que a sua fuga pode conduzir ao caos no território. O mesmo se passa com o sector da saúde e do ensino.
Neste contexto Portugal tem um importante papel a desempenhar no sentido de contribuir para que se criem as condições para que os timorenses se possam pronunciar sobre o seu próprio destino. Apesar da distância o consenso constitucional e nacional em torno de Timor pode dar uma maior consistência à parte portuguesa, sendo para esse efeito condição necessária um maior dinamismo por parte de governo português junto dos governos aliados, da CPLP e da própria opinião pública.
É, por isso, que mais do que nunca é urgente uma informação cabal por parte do governo à oposição acerca do que está em causa.

A tão propalada autonomia não é aceite pela Resistência. São os timorenses que se têm que pronunciar através de uma consulta genuína em que possam expor de modo livre a sua opção. Ora tal não é possível enquanto as tropas indonésias ocuparem Timor, houver grupos de timorenses armados, presos políticos e os refugiados não puderem regressar a Timor.
Para assegurar o processo de transferência de poder é também precisa a presença da ONU. Qualquer outro objectivo para a presença da ONU acarretaria novas e acrescidas desconfianças dos povos e países em relação ao seu papel. A presença da ONU deve estar vinculada apenas com a necessidade de assegurar o exercício do direito à autodeterminação por parte do povo maubere.
Longe vão os tempos em que ouvíamos por esse mundo fora que não havia outra solução para Timor - Leste que não fosse a integração. Acreditámos que a luta do povo timorense havia de desequilibrar a correlação de forças. E a verdade é que desequilibrou. O processo de independência parece ser irreversível. Nas montanhas de Timor o povo maubere confirma a ideia que um povo unido, organizado e lutador é invencível. Vale a pena ter este facto presente. O PCP acaba de fazer 78 anos. Quantos nos disseram que tínhamos razão, mas não conseguiríamos fazer com que a razão triunfasse sobre a força da ditadura? Quantos são os que nos dizem hoje que é impossível mudar as coisas? Quantos nos olham como se combatêssemos por causas justas, mas incapazes de terem sucesso? A luta do povo timorense , como a luta de tantos outros povos anima-nos e vale como certificado de que quem luta vence. Mais cedo ou mais tarde. — Domingos Lopes


«Avante!» Nº 1319 - 11.Março.1999