Crime organizado
Atacar onde dói


«Os circuitos do branqueamento de capitais são como que o aparelho circulatório das organizações criminosas. Sem que esses circuitos sejam cortados se sem que as organziações criminosas e os seus mentores se vejam privados dos proventos que auferiram com actividades ilícitas, não pode haver ilusões quanto à eficácia da luta contra o crime organizado». Por outras palavras, há que atacar onde doi.

Esta passagem da intervenção do deputado comunista António Filipe, traduz bem o espírito e a objectividade da iniciativa que reuniu em Bruxelas, na passada semana, um conjunto de especialistas em torno do tema «Luta contra o branqueamento de capitais e o crime organizado».
Promovida pelo Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia do Parlamento Europeu, no qual se integram os eurodeputados do PCP, a reunião foi presidida por Sérgio Ribeiro que, na abertura dos trabalhos, destacou a presença de um tão significativo número de personalidades a título individual ou em representação de instituições e partidos.
De facto, a iniciativa contou com a participação de representantes das Nações Unidas, do Conselho da Europa e Comissão Europeia, além de magistrados e jornalistas especializados na matéria, vários eleitos europeus e membros de parlamentos nacionais. Além de Sérgio Ribeiro, estiveram presentes, de Portugal, António Filipe, presidente da Comissão Eventual da Toxicodependência da Assembleia da República, e o procurador João Luís Pena dos Reis, presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.

A transição
para o euro

Um aspecto referido por várias vezes foi a necessidade de preparar a transição para a moeda única, na medida que esse processo pode constituir, no dizer de Sérgio Ribeiro, «um momento para uma gigantesca lavagem de dinheiro». Esta aspecto assumiu particular actualidade devido à inclusão na ordem de trabalhos da sessão plenária do Parlamento Europeu, que termina amahã em Estrasburgo, da discussão e votação de um relatório sobre o segundo relatório da Comissão sobre a aplicação da directiva relativa ao branqueamento de capitais.
A maioria dos participantes reconheceu a significativa evolução registada na produção de legislação nacional e internacional de combate a estes fenómenos, apesar de, como salientou Serge Garde, jornalista do «Humanité», a apresentação destas medidas ser uma «hipocrisia total», uma vez que nenhum governo ousou atacar directamente os paraísos fiscais e a evasão fiscal.
António Filipe empregou igualmente o termo «hipócrita», sublinhando que ao mesmo tempo que se fala em combate ao branqueamento de capitais «põe-se em prática uma desregulamentação que o facilita, dá-se mais importância ao sigilo bancário do que à saúde pública, e pactua-se com o funcionamento opaco das zonas off-shore, onde se sabe perfeitamente que circula livremente o produto das mais hediondas actividades criminosas».
O encontro terminou com a aprovação de uma declaração (ver caixa) que aponta linhas de intervenção futura e com o compromisso do Grupo da Esquerda Unitária Europeia de continuar a incluir esta temática na discussão eleitoral que se aproxima».
Recorde-se que inserido neste trabalho, o PCP promoveu em Lisboa, em Maio de 1998, um Fórum intitulado «Droga - branqueamento de capitais em questão», em que participaram especialistas nacionais de várias áreas da justiça, da polícia, da saúde pública, dos serviços aduaneiros e também representantes do Partido Comunista Francês, da Refundação Comunitas de Itália e do deputado da RETE e presidente da Câmara de Palermo, Leoluca Orlando. — Daniel do Rosário (em Bruxelas)

_____

Sigilo bancário
deve ser levantado

Na reunião de Bruxelas foi aprovado um documento final, que começa por sublinhar que a iniciativa não tinha como objectivo «chegar a uma declaração conclusiva, mas sim detectar linhas de força decorrentes da aberta e ampla troca de impressões e de experiências». Com vista à intervenção futura, a declaração destaca as seguintes orientações:
- uma nova directiva potenciando os ensinamentos retirados da actual, com particular cuidado na definição dos conceitos criminais de branqueamento de capitais e associação criminosa, de forma a possibilitar um reforço da cooperação entre os Estados, tendo em vista nomeadamente redes e mecanismos apropriados e dotados de meios para avaliação mútua;
- um controlo mais estrito das operações em paraísos fiscais e bancários, com reforço da verificação da identidade de clientes, extensível às próprias instituições bancárias e não bancárias;
- um levantamento efectivo, embora controlado, do sigilo bancário e o estabelecimento de que, em certas circustâncias e quando comprovado o crime de tráfico, deve incumbir ao arguido provar que os seus bens foram adquiridos de forma lícita, sem o que os poderá perder a favor do erário público;
- um reforço das verbas e dos meios destinados, a nível nacional e comunitário, ao estudo e redução da procura e da oferta, em particular desta última, no que respeita ao branqueamento de capitais.


«Avante!» Nº 1319 - 11.Março.1999