«Isto vai, meus amigos, isto vai»


O pacote laboral é uma imagem de marca do governo do engenheiro Guterres: ele espelha de forma iniludível o conteúdo de classe da política de direita e constitui o exemplo mais evidente da sua sujeição aos desejos e às ordens do grande capital. Por isso a forte manifestação da passada quinta-feira, promovida em Lisboa pela CGTP, assume um significado e uma importância particulares. E não apenas pelo facto de ela ter sido antecedida por um decisivo conjunto de greves, paralisações, plenários e outras acções; nem apenas por se ter traduzido numa das maiores acções de massas da última década - mas também, e talvez essencialmente, pelo conteúdo da sua participação, pela circunstância de essa expressão de repúdio pelo pacote laboral ter tido como componente determinante importantes sectores da classe operária, visíveis na presença combativa de milhares e milhares de operários e, o que é mais significativo, de jovens operários. A determinação e a força evidenciadas pelas dezenas de milhar de trabalhadores, confirmam a existência de condições para o prosseguimento, intensificação e alargamento da luta, indispensáveis para que ela seja vitoriosa, contra o pacote laboral. São, ainda, um sinal indiciador do êxito da jornada de luta que vai ser o próximo 1º de Maio.

A classe operária, cujo desaparecimento fora decretado pelos teóricos das «novas realidades» (as quais, segundo eles, conduziriam à «inutilidade da luta»), afinal existe... E a luta continua. Os encerramentos e as transferências de empresas, os despedimentos, as reformas antecipadas,sem dúvida afastaram do processo produtivo segmentos importantes de uma classe operária experiente, combativa e com elevada consciência política e de classe. Num quadro de alterações profundas no tecido produtivo e com fortes condicionamentos à intervenção organizada dos trabalhadores, entrou no mundo do trabalho e no processo produtivo uma massa enorme de jovens, na generalidade alvos de brutais formas de exploração e com vinculos laborais precários - com o que se pretendia negar-lhes o direito de lutar pelos seus direitos. Só que a acentuação da exploração e o agravamento das condições de trabalho característicos do capitalismo conduzem, inevitavelmente, a uma mais rápida assimilação da consciência de classe - que se adquire e consolida no longo processo de luta contra o inimigo de classe. (A importante vitória da lista unitária nas eleições para a Comissão de Trabalhadores da Auto Europa é, nesta matéria, um exemplo a reter). E, face aos perigos patentes na persistente tentativa do governo do PS de levar por diante gravíssimas alterações às leis laborais, dezenas de milhares de trabalhadores, dos quais emergia destacadamente uma massa significativa e combativa de jovens operários, vieram à rua dizer «não!» ao pacote laboral e à política de direita que o quer impor. Assim mostrando que, como escrevia o Ary, «Isto vai, meus amigos, isto vai».

A generalidade da comunicação social dominante relegou as notícias sobre a acção de luta da CGTP para um secundaríssimo plano, expresso, mesmo, nalguns casos, num total e profundo silenciamento. Dir-se-á que outros acontecimentos de importância relevante exigiam uma tal ocupação do tempo e do espaço disponíveis que não restava qualquer «aberta» para as notícias referentes à manifestação. Mas a verdade é que o silenciamento ou a menorização de todas as iniciativas de verdadeira contestação da política de direita (e, de uma forma muito especialmente cuidada, as realizações promovidas pelos comunistas), constituem, a par do esforço de branqueamento do governo do PS enquanto executor dessa política, linhas de preocupação permanente dessa comunicação social. Os famosos «critérios jornalísticos», as celebérrimas «opções informativas» e o não menos famoso «conceito de pluralismo informativo» são os pilares fundamentais da liberdade de desinformação em vigor em grande parte dos órgãos ditos de informação.

É na base destes «critérios», «opções» e «conceitos» que, por exemplo, se esconde da opinião pública a importante realização que foi o Congresso da JCP - manifestação vibrante de determinação para a luta, de lucidez política, de entusiasmo e alegria juvenis e de disponibilidade revolucionária dos jovens comunistas; que se ignoram as centenas de iniciativas comemorativas do aniversário do PCP e a realização de um número considerável de Assembleias de Organização (as quais, se fossem divulgadas, dariam a verdadeira imagem da força e da vitalidade do Partido); que se oculta a declaração do Secretário Geral do PCP, Carlos Carvalhas, sobre a agressão à Jugoslávia pela NATO com o acordo do Presidente da República e o apoio activo do governo do PS; que se silencía o apelo à participação na manifestação contra a agressão da Nato à Jugoslávia e contra a postura de marionete do imperialismo assumida pelo governo do engenheiro Guterres.

E é à mesma luz e, neste caso, procedendo ao escandaloso branqueamento das responsabilidades do Governo, que se procede à abordagem do escândalo da Universidade Moderna, da crise político-institucional visível na área da Justiça, da posição de subserviência face aos ditames do governo norte americano em relação à Jugoslávia. É ainda neste quadro de desinformação que é abordada a profunda crise existente no PSD e no PP ((que levou ao esfrangalhamento da AD), e que se lança a campanha do chamado «novo fôlego» com a qual se pretende esconder que PSD e PP, antes mais ou menos juntos, agora mais ou menos separados, não constituem alternativa ao PS nem no plano eleitoral nem no plano da política defendida. E há-de ser visando objectivos semelhantes que a comunicação social, meticulosa no que toca ao silenciamento das actividades do PCP, nos mostra, em lugar de destaque, as actividades eleitoralistas dos candidatos do chamado Bloco de Esquerda às próximas eleições - candidatos que, como era previsível, cansados de tanto não lutar, começaram agora a aparecer, descansados, em tudo quanto é manifestação, em tudo quanto é, como eles dizem, «formas de luta ultrapassadas e gastas» - continuando a guardar bem guardado o segredo sobre as formas de luta não ultrapassadas nem gastas e fazendo lembrar aqueles pássaros preguiçosos que põem os ovos em ninho alheio. Passando do estado de horizontalidade política para a ribalta politico-mediática, estes elementos da «esquerda descansada» voltarão a sentar-se após as eleições. Cansados. Descansados.


«Avante!» Nº 1322 - 1.Abril.1999