Guerra nos Balcãs
NATO provoca
catástrofe humanitária


Dezenas de milhar de refugiados, um número indeterminado de mortos e feridos, destruições em massa, radicalização de posições - este o trágico balanço de uma semana de bombardeamentos contra a Jugoslávia, sem que se vislumbre qualquer solução para o conflito.

Enquanto a NATO anunciava o reforço da sua esquadra de aviões para a continuação dos ataques, a Rússia punha em marcha uma iniciativa diplomática visando «pôr termo imediato» aos bombardeamentos. O primeiro-ministro russo, Yevgeny Primakov, viajou anteontem para Belgrado acompanhado do ministro da Defesa, Igor Sergeyev, no que a generalidade dos observadores considera uma «missão impossível».
Entretanto, em Washington, Londres, Bona e Paris, os chefes de Estado e de governo das principais potências da NATO procuraram nos últimos dias convencer as opiniões públicas dos respectivos países, bem como sérvios e kosovares, que os ataques em massa contra a Jugoslávia têm «objectivos humanitários».
Rejeitando liminarmente qualquer responsabilidade dos ataques na radicalização de posições, exacerbamento de nacionalismo e intensificação dos confrontos entre independentistas do Kosovo e sérvios, os responsáveis da Aliança Atlântica esgrimem o drama dos refugiados como pretexto para a continuação da guerra. O absurdo vai ao ponto de não se admitir que os próprios ataques, por mais «humanitários» que digam ser, provocam o êxodo das populações que pretensamente estariam a ser defendidas mas que efectivamente estão sob as bombas e lhes sofrem as consequências. A capital do Kosovo, Pristina, tem sido um alvo preferencial da NATO, cujas «operações cirúrgicas» se sabe, desde o Iraque, deixarem muito a desejar. Mesmo que assim não fosse, que população dormiria descansada e levaria uma vida normal num país ou numa região paralisada e devastada pela guerra, com bombas a cair na casa do lado, na rua em frente, na esquina mais próxima?
Os apelos de kosovares e albaneses à continuação dos ataques que flagelam tanto sérvios como kosovares chega a ser obsceno. Tal como na fábula de Salomão, em que duas mulheres reivindicam a maternidade de uma criança, a verdadeira mãe não é certamente a que aceita que o filho seja dividido ao meio, mas a que prefere mantê-lo vivo. Ao recusarem a divisão do país e advogarem uma solução política para o Kosovo, o que só será possível com o fim dos ataques, os sérvios estão a tentar manter vivo o seu país. Desde quando isso se tornou um crime?
A guerra contra a Jugoslávia visa amputar um Estado soberano de uma parte do seu território, de inegável importância histórica. A catástrofe humanitária que hoje se regista na região tem nos EUA e nos seus aliados da NATO os principais responsáveis. É urgente pôr fim à guerra. Por razões humanitárias, sem hipocrisias. - AF

 

PCP exige
fim dos ataques à Jugoslávia


O Secretário-Geral do PCP, Carlos Carvalhas, divulgou sexta-feira uma declaração reclamando o fim imediato dos bombardeamentos da Jugoslávia e apelando ao Presidente da República e ao Governo para uma urgentíssima reponderação da posição assumida por Portugal no conflito no Kosovo. Silenciada pela generalidade dos órgãos de informação, a declaração, que a seguir se transcreve no essensial, apelava ainda à participação na manifestação convocada pelo Conselho Português para a Paz e Cooperação (CPPC), que na passada segunda-feira reuniu mais de duas mil pessoas junto à embaixada dos EUA em Lisboa.

O PCP reafirma a sua firme condenação aos bombardeamentos contra a Jugoslávia, considerando-os da maior gravidade para a paz nos Balcãs e na Europa.
Estamos firmemente convencidos que as reservas ou a oposição a este ataque militar da NATO contra a República da Jugoslávia, e ao respectivo envolvimento de Portugal, não conhecem fronteiras partidárias.
E estamos sobretudo firmemente convencidos que muitos portugueses que se identificam com o PS sentirão uma grande mágoa e indignação perante o tristíssimo facto de ser, por decisão e responsabilidade de um governo do PS que, 25 anos depois do 25 de Abril que nos trouxe a paz, militares portugueses são directamente envolvidos na agressão armada a um país soberano do nosso continente.
Ao contrário do que todo o comportamento do Governo indicou, não é uma pequena coisa que, 54 anos decorridos sobre o fim da II Guerra Mundial, os Estados Unidos e um conjunto de Estados europeus desencadeiem, em solo europeu, acções de guerra contra um Estado soberano.
E, ao contrário do que também todo o comportamento do Governo testemunhou, não é um simples assunto de administração corrente a grave decisão de envolver Portugal e as suas Forças Armadas numa operação de indiscutível agressão militar que, sem contestação possível, faz tábua rasa de elementares princípios do direito internacional e representa uma descarada ultrapassagem e marginalização da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização Europeia de Cooperação e Segurança (OSCE).
O primeiro-ministro deve explicações públicas ao País e não se pode refugiar em actos pios ou em expressões jesuíticas. Deve explicar porque é que Portugal, País soberano – e o facto de ser membro da NATO não o obrigava – alinhou nesta agressão, à margem da ONU e do direito internacional, porque é que a Assembleia da República não foi chamada a debater e a tomar uma posição, e em que é que a chamada «tragédia humanitária» do Kosovo é mais grave do que a «tragédia humanitária» dos curdos na Turquia, dos timorenses em Timor, dos irlandeses na Irlanda, dos angolanos em Angola, dos palestinianos na Palestina.
Pela nossa parte, reiteramos a nossa forte reclamação do fim imediato dos bombardeamentos da Jugoslávia que, além do mais, não oferecem qualquer perspectiva de solução dos problemas políticos efectivamente existentes, e só podem desestabilizar perigosamente toda a região balcânica, causar escusados sofrimentos às populações e pôr em causa uma solução política.
Mas nesta hora, o que sobretudo queremos é dirigir um premente apelo ao Presidente da República, para que proceda a uma urgentíssima reponderação da posição assumida por Portugal, retirando-se desta criminosa agressão, e para que, juntamente com o primeiro-ministro, empenhe os seus esforços nas instâncias internacionais, designadamente na NATO e na União Europeia, no sentido de se pôr fim aos bombardeamentos e regressar a uma negociação política séria.
Os compromissos maiores e mais sagrados de Portugal têm de ser com o que é mais justo e humano, ou seja, com a necessidade de pôr fim ao inútil mas trágico derramamento de sangue e perda de vidas, e de salvar a paz numa conturbada região da Europa.
Portugal não se prestigia com uma postura subserviente e de cego alinhamento face aos ditames dos Estados Unidos.
E aqueles que na União Europeia tanto aspiram a que esta tenha uma voz forte e autónoma na cena mundial deviam reflectir sobre o vexame de, no próprio dia em que os chefes de Estado e de governo se reuniam em Berlim, fora dos seus países, os Estados Unidos tenham imposto os bombardeamentos a um país soberano.
A nova atitude que hoje reclamamos do Presidente da República e do primeiro-ministro prestigiaria Portugal, aos olhos dos próprios portugueses e de milhões de outros cidadãos europeus, que seguem os dramáticos acontecimentos em curso com profunda preocupação e angústia.
E, finalmente, dirigimos também um forte apelo a todas as organizações de massas e a todos os cidadãos, independentemente das suas simpatias partidárias e opções ideológicas, para que, no exercício das liberdades conquistadas com o 25 de Abril, intervenham com a sua própria voz e iniciativa, pelo fim dos actos de guerra contra a Jugoslávia, pelo fim da participação portuguesa na agressão em curso, pela paz e pela pacífica convivência entre os povos dos Balcãs.


Protestos em todo o mundo

A intoxicação da opinião pública levada a cabo de forma sistemática pela generalidade dos órgãos de informação no período que precedeu o desencadear da guerra contra a Jugoslávia criou a ideia de que a «comunidade internacional» estava de alma e coração com a «necessidade» de «dar uma lição» a Milosevic para o forçar a aceitar a «paz» no Kosovo.
Uma semana de ataques contra território jugoslavo veio afinal demonstrar que, longe do pretendido consenso, muitas e diversificadas são as vozes que estão contra esta nova e perigosa aventura belicista no coração da Europa.

A opinião pública e a comunidade internacional - as propriamente ditas e não as fabricadas ao sabor das conveniências - reagiram com manifestações de protesto contra os EUA e a NATO um pouco por todo o mundo. O silenciamento dessas iniciativas ou as tentativas de as desvalorizar, atribuindo-as a «agitadores sérvios» ou «aos suspeitos do costume» (forças de esquerda, movimentos pacifistas...), provam apenas que a «guerra» mediática é cada vez mais um factor determinante para o sucesso das políticas que se pretendem impor.
Mas o facto é que a oposição à guerra contra a Jugoslávia existe, quer a nível de massas quer de responsáveis políticos, e atravessa todos os sectores da sociedade.
Manifestações pelo fim dos bombardeamentos e por uma solução pacífica para o Kosovo trouxeram à rua milhares de pesssoas na Grécia, Macedónia, Itália, França, Rússia, Portugal, Estados Unidos, Bélgica, Espanha, entre outros países. O envolvimento de alguns deles na guerra sem que os respectivos parlamentos nacionais fossem ouvidos está a provocar, por outro lado, crises políticas internas de consequências imprevisíveis.
Em França, o ministro do Interior, Jean Pierre Chevenement, manifestou-se contra a participação francesa nos ataques, decidida pelo presidente Jacques Chirac com o apoio do primeiro-ministro socialista Lionel Jospin.
Em Itália, Marco Bertolini, comandante da NATO na Macedónia, pôs em causa os bombardeamentos contra a Jugoslávia, recordando os exemplos do Vietname, Afeganistão e Iraque, onde os ataques aéreos se revelaram inúteis para alterar as situações no terreno.
O director-geral da UNESCO, Federico Mayor, teceu severas críticas aos países da NATO pela marginalização do Conselho de Segurança da ONU em todo este processo. «Lamento que se tenha criado este precedente de consequências imprevisíveis», disse Mayor. «Hoje, mais uma vez se fazem ouvir as armas. As vidas de homens e mulheres estão em perigo porque outros não foram capazes ou não quiseram dialogar e encontrar uma solução pacífica para os seus problemas», sublinhou o responsável da UNESCO, que apelou para uma solução política do conflito. «A força da razão deve prevalecer sempre sobre a razão da força», disse Mayor.

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Trabalhistas e torys contra Blair

Em Inglaterra o ataque contra a Jugoslávia está longe de ser pacífico. Na passada quinta-feira, uma agitada sessão da Câmara dos Comuns mostrou que tanto do lado dos Trabalhistas como dos Torys se condena a guerra. Figuras importantes da política britânica, incluindo antigos ministros da Defesa e dos Negócios Estrangeiros, manifestam sérias reservas à opção belicista de Tony Blair.
Ao lado das críticas do veterano trabalhista Tony Benn esteve, surpreendentemente, Lord Carrington (ex-ministro dos Negócios Estrangeiros e antigo secretário geral da NATO), bem como o antigo ministro da Defesa, Alan Clark, e o ex-responsável da mesma pasta no Partido Trabalhista, Dennis Healey.
Segundo Clark, «muitos britânicos vêem o UÇK (Exército de Libertação do Kosovo, que apoia os ataques da NATO) como um bando de assassinos profundamente envolvidos no tráfico de drogas». Para Lord Carrington, que resignou do seu cargo aquando da guerra das Malvinas e dirigiu a Aliança Atlântica entre 1984 e 1988, a política que levou à ctual situação de guerra «é simultaneamente errada e mal concebida», pelo que manifesta «o mais profundo receio pelo curso dos acontecimentos». «Não sei onde isto vai parar. Não sei como vai acabar e não sei o que é que o governo fará se os bombardeamentos não atingirem os seus objectivos», disse.
Por seu turno, Dennis Healey lembrou que o governo britânico foi muitas vezes criticado «pela sua acção na Irlanda do Norte contra o IRA», e deixou no ar a pergunta que continua sem resposta: «Se se ataca a Jugoslávia por causa do Kosovo, porque não se ataca a Rússia por causa da Chechenia? Ou porque não se ataca a Turquia por causa da sua guerra contra os curdos?».
A Irlanda, Finlândia e Áustria, que mantém uma posição neutral neste conflito, apelaram igualmente a uma solução pacífica. Em Espanha, os socialistas criticaram o envolvimento do país sem consulta ao parlamento. Em Itália, o PCDI ameaça retirar os seus três ministros do governo se o país participar em ataques contra a Jugoslávia.
Contra a guerra nos Balçãs pronunciaram-se igualmente, de forma vigorosa, os governos da China, Índia e Indonésia, que representam, é bom não esquecer, mais de um terço da população mundial.
Os meios de informação, e em particular as televisões, ignoram estas tomadas de posição contra a opção de guerra da NATO, mas lá que elas existem, existem.

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Esquerda Unitária exige
Debate de urgência no PE

O Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia - Esquerda Verde Nórdica (GUE/NGL), em que se integram os eurodeputados comunistas no Parlamento Europeu, exige um debate de urgência no PE, com a participação do Conselho Europeu, sobre a agressão da NATO à Jugoslávia. A exigência consta de uma declaração divulgada sexta-feira em Bruxelas, em que o Grupo condena os bombardeamentos e apela aos Quinze para que suspendam a participação nesta operação militar.
O GUE/NGL faz notar que, «apesar do poder instalado em Belgrado ter fortes responsabilidades no dramático desenvolvimento da situação no Kosovo, bem como na radicalização da vertente independentista daí resultante», os ataques em curso não podem deixar de afectar a população civil, tanto sérvia como kosovar, pelo que «pretender que as operações militares e um tal aparato resultam de uma acção humanitária é totalmente irresponsável».
Considerando que a agressão da NATO não pode deixar de exacerbar ainda mais os nacionalismos e reforçar os extremistas, o GUE/NGL apela ao fim imediato dos bombardeamentos e ao empenhamento numasolução política negociada que abra caminho para a «coabitação pacífica e a cooperação entre as diferentes componentes das populações jugoslavas».
Idêntica posição tomou o Grupo da Esquerda Unitária Europeia no Conselho da Europa.


«Avante!» Nº 1322 - 1.Abril.1999