VI Congresso da JCP
«Queremos cravos, rosas não!»

Por Isabel Araújo Branco*


Durante o fim-de-semana, a JCP esteve reunida em congresso, na cidade de Almada, numa iniciativa onde que se discutiram os problemas que afectam os jovens e as propostas para os solucionar. Das muitas intervenções, uma conclusão salta à vista: vale a pena lutar, apesar de todas as dificuldades. De cravos e bandeiras na mão, os jovens comunistas prometeram intensificar a luta por um futuro melhor e revolucionar a sociedade.

A Escola António da Costa foi palco de dois dias de intenso debate sobre os temas que mais afectam a juventude portuguesa. Os 687 delegados que representaram os militantes da JCP estiveram reunidos no seu IV Congresso, marcado por intervenções combativas, num ambiente de festa, convívio e boa disposição que, no entanto, não fez esquecer os problemas com que os jovens têm de lidar no seu dia-a-dia: o ensino, o desemprego e a precariedade do trabalho, a habitação, a toxicodependência, a educação sexual, o racismo.
Como disse Mário Peixoto, «o que se passa não passa ao lado dos comunistas». E talvez o grande problema que os jovens têm de enfrentar, para além de questões concretas em várias áreas, é a falta de perspectivas de futuro. É difícil estudar, é difícil arranjar emprego e receber um salário de acordo com o nível de vida, é difícil sair de casa dos pais e ter uma casa própria.
Mas, se não se avistam facilidades, aproximam-se grandes batalhas pela melhoria da situação. Apesar das dificuldades, vale a pena lutar: este foi o mote da maioria das intervenções.
Contando com a presença do secretário-geral comunista Carlos Carvalhas, José Casanova, Luísa Araújo (ambos membros da Comissão Política) e Ilda Figueiredo, cabeça de lista da CDU às eleições europeias, o congresso transformou o pavilhão daquela escola almadense num espaço de reflexão e discussão, mas também de convívio e divertimento. As mãos ora pegavam em bandeiras ora serviam para mostrar um punho cerrado; as bocas ora gritavam palavras de ordem ora apresentavam largos sorrisos.
Apesar da organização que uma iniciativa como esta tem de respeitar, a irreverência não faltou tal como outros atributos próprios da juventude que quase todos perdem com a idade, mas que muitos têm pena de abandonar. E isso encontrava-se no congresso quando um jovem mais tímido sorria envergonhado se os delegados interrompiam a sua intervenção para aplaudir. Ou quando, no final do congresso, os cravos - até ali tão bem guardados - foram atirados euforicamente para os outros camaradas.
O congresso mostrou a cumplicidade entre os jovens comunistas e, acima de tudo, que eles não têm dúvidas em relação ao rumo que o mundo tem de tomar: para que a sociedade se torne mais justa e igualitária há que implantar o ideal comunista.

A necessidade de mudar o mundo

Acompanhámos o congresso com Pedro Rodrigues, um delegado do Porto de 21 anos, estudante do ensino superior. As suas ideias vão ao encontro das concepções de todos os outros congressistas, mostrando que as preocupações dos jovens em geral e dos jovens comunistas em particular são tão reais que afectam todos.
Pedro Rodrigues, eleito para a nova Direcção Nacional, aderiu à JCP há quatro anos. «Entrei porque procurava um espaço onde pudesse discutir ideias, onde pudesse fazer algum trabalho válido para melhorar não só a minha vida, mas também o mundo que me rodeia, o espaço onde vivo. Desde aí esse objectivo nunca foi posto em causa. Aliás, essa é a grande razão por que, quatro anos depois, continuo aqui», explica.
«Não me lembro bem qual foi a razão que me levou a chegar ao Centro de Trabalho da Boavista e dizer que queria militar na Juventude Comunista. Passou muito pela necessidade de fazer qualquer coisa, complementada pela leitura das propostas teóricas do PCP, que me pareciam poder ser um bom guia de acção para o pessoal poder intervir na sociedade com coerência e consequência. Foi a partir daí que aquilo me pareceu fascinante e que podia ser um ponto de partida para coisas muito boas e muito positivas – foi isso que me atraiu.» Esta mesma vontade levou também mil outros jovens a seguir o caminho de Pedro Rodrigues e a inscrever-se na JCP nos últimos meses.
A JCP é, de facto, um projecto de futuro. O seu campo de acção é alargado, porque os problemas que se colocam não são sectoriais, mas conjunturais. «Se conseguirmos reintroduzir os pressupostos essenciais para que o caminho de edificação de uma sociedade mais justa seja alcançado, podemos chegar a fórmulas muito interessantes de desenvolvimento social. Temos em nosso poder aquilo que é essencial para reintroduzirmos as variáveis correctas no processo de transformação social e, com elas, ocuparmos o nosso espaço e chegarmos às pessoas, mostrando-lhes todas as nossas propostas», refere Pedro Rodrigues.
«Perceber o comunismo é perceber como as pessoas se devem relacionar com o seu meio de um modo racional, e nunca de uma maneira desigual e injusta como é feito agora. Essa é a única solução de futuro, e não dizerem-nos que a única hipótese é remendar todos os buracos que aparecem no edifício social. Isso é errado e os comunistas sabem que uma sociedade onde haja lugar para toda a gente tem de ser construída de base - o que significa perceber da maneira mais completa possível que todas as necessidades e todas as equações económicas e sociais têm de ser tomadas em conta para transformar o mundo de uma forma radical e democrática. Esse é o sentimento da JCP e não no sentido retórico, mas prático.»

«Queremos cravos, rosas não!»

O congresso vai nesta direcção e para que tal aconteça é preciso consciencializar toda a juventude e fazer evoluir as mentalidades. Como afirmou Osvalo Marta, membro da nova Direcção Nacional, é preciso afastar legislações como o novo pacote laboral e realidades como o trabalho a tempo parcial, a precarização do emprego e a discriminação salarial. É preciso pôr fim aos numerus clausus no ensino superior, à sua lei de financiamento e ao regime de estudante elegível. É preciso uma educação criativa e participada. É preciso implementar a educação sexual nas escolas e combater a toxicodependência.
«Queremos cravos, rosas não!», gritaram várias vezes em coro os jovens comunistas, lembrando os direitos conquistados pelo 25 de Abril e reafirmando a necessidade de lutar contra as leis neoliberais do Governo PS.
O congresso encerrou em grande com os bombos do grupo «Tocá Rufar» e a intervenção do secretário-geral do PCP. Carlos Carvalhas sublinhou o trabalho feito pelos eleitos comunistas na Assembleia da República em propostas relacionadas com os jovens. «O PCP é a esquerda que faz a diferença e a diferença que faz a esquerda», afirmou o líder comunista (ver discurso nas páginas seguintes).
Também Ilda Figueiredo interveio no congresso, respondendo a um pedido dos delegados. A candidata comunista ao Parlamento Europeu afirmou que os jovens da JCP constituem o exemplo «de que é lutando no presente que se constrói o futuro».
Chegou então a hora de o congresso sair à rua, ainda não para pôr em prática as decisões tomadas, mas para partilhar a alegria e as palavras de ordem com quem passava. E, de Almada a Cacilhas, foram muitos os que receberam cravos e ouviram os jovens comunistas, os que acenaram e levantaram os braços. No desfile não faltaram os membros das delegações internacionais, de bandeiras na mão, caminhando em direcção ao Tejo, representando todos aqueles que pelo mundo fora partilham os mesmos ideais com os portugueses e que acreditam na construção de um futuro melhor. Porque «o povo unido jamais será vencido!»

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Orientações de luta

O congresso elegeu a nova Direcção Nacional da JCP no domingo de manhã, altura em que foi escolhida a nova Comissão Política e o Secretariado da Comissão Política.
Foram aprovadas duas resoluções que analisam a realidade política e social no plano nacional e internacional e que apontam orientações para a luta contra o desemprego e a precaridade no trabalho, o novo diploma de gestão das escolas, os numerus clausus e a lei de financiamento do ensino superior, bem como para as acções a favor da regulamentação da lei das associações de estudantes, da educação sexual nas escolas e da despenalização da interrupção voluntária de gravidez.
Os delegados aprovaram por unanimidade moções sobre o ataque da Nato à Jugoslávia (ver caixa), a luta contra o pacote laboral e as comemorações do 25 de Abril.
Esta última refere que com a revolução se abriram «as portas a novos sonhos, novas conquistas de liberdade e democracia». «O PCP foi o único partido que desde sempre combateu a podridão da expressão selvagem e brutal do capitalismo, capitalismo esse que ainda hoje resiste como sistema e oprime cada vez mais o nosso povo! A luta, no entanto, continua e são ainda os comunistas os únicos que lutam hoje pela liberdade e pela igualdade, não as que reclama a democracia liberal- burguesa, mas a do socialismo.»
«Falta cumprir Abril, no seu projecto de uma sociedade nova e justa». E o PCP e a JCP a batem-se em todas as frentes por esse objectivo. «A revolução pode tardar, mas é inevitável! Lutar é preciso e sem recuos», lê-se no documento.
Dos 687 delegados presentes, 449 eram do sexo masculino e 236 do sexo feminino. No total, 38 por cento pertencem ao ensino secundário, 34 por cento ao ensino superior, 18 por cento trabalham e 10 por cento são trabalhadores-estudantes. A média etária rondava os 19 anos.

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Internacionalização da luta pelo socialismo

No congresso participaram diversas delegações internacionais, entre elas da Federação Mundial da Juventude Democrática, da União de Juventudes Comunistas de Espanha e de colectivos de jovens da Catalunha, da Liga da Juventude Comunista dos Estados Unidos, do Movimento dos Jovens Comunistas de França, da Juventude do Partido dos Trabalhadores (Irlanda), da Juventude de Esquerda da Suécia, da Juventude Comunista da Dinamarca, da União da Juventude de Cuba, da Juventude Comunista Grega (KNE), da Juventude Comunista Cipriota (EDON), da União da Juventude Socialista (Brasil), da Frente de Libertação Nacional do Curdistão e da União da Juventude Comunista Ho Chi Min (Vietname).

Como referiu o presidente da Federação Mundial da Juventude Democrática na sua intervenção, os jovens de todo o mundo deparam-se com problemas semelhantes. «O desemprego e a precaridade no emprego estão a aumentar e a atingir uma taxa alarmante. Ressurgem formas de extremismo e não apenas religioso. Os problemas de analfabetismo e insucesso escolar permanecem insolúveis. A vida torna-se cada vez mais dura para a maioria dos jovens. O desenvolvimento humano e o ambiente estão a sofrer graves recuos. A globalização económica tornou-se, dia após dia, um instrumento sem precedentes de controlo e exploração dos povos pelo capital internacional e políticas nacionais. A segurança global continua em jogo. Os conflitos aumentam e o fosso entre países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento, entre ricos e pobres atinge uma escala assustadora», afirmou Iraklis Tsavdaridis.
A luta pelo socialismo é o caminho apontado para modificar a sociedade, numa real alternativa ao capitalismo. «Somos a favor de uma outra globalização da civilização mundial em benefício da humanidade. Desejamos e lutamos por um mundo em que as relações sociais permitam a cada indivíduo desenvolver o seu próprio potencial e capacidade. Sonhamos com isso, porque o conhecimento humano e a riqueza e tecnologia existentes atingiram um nível que o torna possível. O futuro da Juventude não pode ser o capitalismo. Tem de ser uma nova sociedade de justiça social e igualdade, livre da exploração do homem pelo homem, uma sociedade de solidariedade, paz e progresso social», defendeu Iraklis Tsavdaridis.

Ataque da Nato condenado

O ataque da Nato à Jugoslávia foi condenado por todos os congressistas e todas as delegações internacionais. No domingo, foi aprovada uma moção que considera que a intervenção militar «constitui um grave precedente que permitirá de agora em diante que qualquer país com elevado potencial militar possa, em nome da sua concepção política, moral ou meramente utilitarista, agredir um país soberano, à revelia da comunidade internacional».
O documento reprova igualmente «o apoio de Portugal a esta ofensiva, que, longe de se tornar um motivo de orgulho, demonstra uma vez mais a vassalagem prestada pelo Governo do PS ao imperialismo americano».
Libero della Piana, secretário internacional da Liga dos Jovens Comunistas dos Estados Unidos, lembrou que «as acções do governo norte-americano não são de todo o reflexo da vontade do povo. O bombardeamento da Jugoslávia pela Nato é revelador deste facto. O presidente Clinton esperou pela férias de Primavera das universidade de todo o país para ordenar o ataque. Mesmo assim, quando eu deixei o meu país, havia protestos de pessoas de todas as idades contra a guerra, pedindo que Clinton se virasse para questões como a pobreza, o racismo e a crise da educação dos EUA».
Na segunda e terça-feira, a JCP organizou ainda uma reunião internacional de jovens sobre educação e emprego.

* Com Marta Fernandes


«Avante!» Nº 1322 - 1.Abril.1999