Aritmética para fazer política
E outras coisas da política

Por Sérgio Ribeiro


A comunicação social tem apresentado "balanços" da actividade dos deputados portugueses no Parlamento Europeu. Iniciativa natural em quem deve informar e que vem ao encontro do que defendemos (e praticamos!): a prestação de contas. Não sendo por isso surpresa, já pode surpreender quem ao longo do mandato foi vendo, ouvindo e lendo coisas sobre protagonismos e vedetismos no PE e, de vez em quando, aqui e ali, sabia que existiam os deputados comunistas, embora houvesse a preocupação de lhes chamar discretos (porque não alimentam casos?), apagados (porque ia sendo apagada a informação devida ao trabalho que iam fazendo?!), contraditórios (porquê?, se sempre defenderam em Bruxelas e Estrasburgo o que defendem por todo o País que percorrem de ponta a ponta!). Agora, esses números, esses dados objectivos que uns jornalistas (honra lhes seja!) colheram e transmitiram vieram pôr coisas no lugar.

Trata-se de aritmética (no dicionário: "ciência dos números, das suas propriedades e combinações"), e quase de aritmética pura.
Foram colhidos, através de um sistema de informações do PE chamado Epoque, os números relativos às intervenções que podem ser atribuídas à actividade individual dos deputados. As intervenções com que participaram em debates no plenário, os relatórios que assinaram, as perguntas que fizeram à Comissão e ao Conselho. E foram apresentados sem valorações subjectivas.
É evidente que as intervenções em plenário são de diferente importância segundo os debates, que há relatórios de fundo e relatórios de parecer, que há uns relatórios de fundo mais relevantes que outros, que há alguns relatórios de parecer que valem mais do que alguns relatórios de fundo, que há perguntas que se fazem por fazer e nem beliscam a epiderme comunitária e que há outras que incomodam verdadeiramente instâncias comunitárias e de poder nacionais, centrais e locais. Mas o que foi apresentado foi... a aritmética, a quantificação possível do trabalho individual dos deputados em fim de mandato.
Essa apresentação não é, no entanto, aritmeticamente pura. Para nós, que já vínhamos a trabalhar esses dados, não é justo que se considere da mesma forma um deputado que cumpriu o mandato todo, de 5 anos, e um deputado que, por ter entrado a substituir outro, só está no parlamento há alguns meses. E fazemo-lo com toda a objectividade até porque os deputados comunistas cumpriram praticamente todo o mandato (Honório Novo substituiu Luís Sá logo no início da legislatura) mas já C. Coelho, C. Cardona, E. Damião (um de cada partido, veja-se a nossa isenção...) só entraram recentemente para o PE pelo que não é justo pôr os seus números ao lado dos de quem está lá há 5 anos.

Números e apenas números... mas muito significativos!

Então... como conseguir a objectividade que a aritmética possibilita? De uma forma que corresponde nossa maneira de estar na política. Não há que personalizar, que individualizar. Cada deputado participa no cumprimento de um mandato para que se candidatou numa lista, por um projecto, por um programa (ao menos para o mandato). Em 1994, foram 3 os mandatos atribuídos à CDU pelos eleitores e foram 4 os comunistas que os cumpriram (Luís Sá, Joaquim Miranda, Sérgio Ribeiro e Honório Novo), assim como foram 10 os mandatos do PS e 13 os deputados que os cumpriram, 9 os mandatos do PSD e 11 os deputados a cumpri-los, 3 os mandatos do PP e 5 os deputados a cumpri-los.
Assim, a aritmética diz-nos que os comunistas que cumpriram os 3 mandatos CDU fizeram 649 intervenções, soma - segundo dados das informações de Epoque - de debates, relatórios e perguntas, em confronto com 778 intervenções dos deputados que cumpriram os 10 mandatos do PS, 609 dos deputados que cumpriram os 9 mandatos do PSD e 282 dos deputados que cumpriram os 3 mandatos do PP. Quer dizer, por mandato, os deputados comunistas fizeram 216 intervenções, os "socialistas" - que até são, por acaso, sociais-democratas...- fizeram 78 intervenções, os "sociais-democratas" - que, por acaso, até são democratas-cristãos...- fizeram 66 intervenções, os "populares" 94 intervenções.
Quando fazíamos estes cálculos ainda Paulo Portas não tinha ido à SIC e à PJ, ainda Marcelo não passara a certidão de óbito à AD e não se demitira, e, sempre sem sair da aritmética, juntámos as "prestações" dos 12 mandatos AD, o que dá 74 intervenções por mandato, ao mesmo nível (quantitativo) das "prestações" dos deputados que cumpriram os mandatos PS.
Assim sendo, continuámos as contas, até porque aritmética também são combinações com números... E chegámos à conclusão (numérica) que a diferença entre um mandato comunista e um mandato não comunista é, no período de quase toda a legislatura, de 140 intervenções. Logo, se os eleitores portugueses se distraírem e se "deixarem levar" por cabeças de lista e outras manigâncias e, para 1999-2004, viesse a haver menos um deputado comunista e mais um dos outros, haveria uma significativa quebra das intervenções portuguesas, independentemente do que defendessem. Noutra perspectiva - nossa mas que depende de nós, do nosso trabalho no Partido e para fora dele! - mais um mandato comunista (ou CDU) corresponderá, a exemplo do que foi em 94-99, a mais 140 intervenções em defesa dos interesses que defendemos, isto é, de Portugal, do povo português, dos trabalhadores!
Sem falar de outras consequências. Que muitas outras são!

Outras coisas... que também são política.

Poderá parecer estranha a disponibilidade para aritméticas e para se estar, aparentemente, a "brincar com números" quando se passam tantas coisas politicamente importantes. Não se refuta tal reacção com a real importância do que deixámos atrás, de tal modo a relevância do que tem ocorrido na segunda metade de Março torna este período num verdadeiro "momento histórico".
A 15 de Março, uns "sábios" entregaram um relatório aos presidentes do PE e da Comissão, do que resultou a queda desta (que retardada estava desde Janeiro). A "cimeira" de Berlim indigitou Prodi para substituir Santer e a situação é de enorme confusão institucional porque tudo se passa no quadro vigente (Maastricht) mas já se pretendem aplicar regras ainda por ratificar (Amsterdam). Acresce que as eleições para o PE se aproximam vertiginosamente e baralham tudo porque representam outro corte, e nada daquilo em que a actual composição do PE participe como decisão até ao fim do ano ou para a nova Comissão a partir de Janeiro representa obrigação ou compromisso institucional (em termos de Estado de direito no que não um Estado...) para o novo parlamento a eleger a 13 de Junho!
Entretanto, rebentou uma guerra. Após preparação/intoxicação da "opinião pública", os EUA, levando atrás a União Europeia pela trela do Reino Unido, usaram a NATO para atacar um País numa acção inédita mas com antecedentes de ingerência intolerável em termos de direito e ética de relações internacionais. Ensaiam-se armas, o complexo industrial-militar exulta, o dólar sobe e o euro cai ainda mais. Uma bola de neve (ou de fogo) foi posta a rolar e o mundo periga com a ganância desumana e a desumana irresponsabilidade próprias de um sistema desumano.
A mesma "cimeira" ainda conseguiu aprovar a Agenda 2000 e o primeiro ministro português, que bíblico fora em Madrid, foi futebolístico em Berlim e gritou golo para ser ouvido em Lisboa. Na verdade, este governo caracteriza-se por nos preparar para o pior, por negociar mal e por gerir bem as expectativas. Para nos convencer que é uma grande vitória não ter acontecido a anunciada derrota por goleada. De qualquer modo, há novos condicionalismos, há contas por fazer, há uma negociação que continua. É pelo menos prematuro cantar vitória e é de mau negociador declarar-se satisfeito com os resultados de uma fase negocial.
Como se tanto não bastasse, desfez-se a AD, demitiu-se o presidente do PSD, logo apareceu um substituto, reafirmou-se o presidente do PP como tal, começou a reformulação das listas para o PE. O comentário mínimo é de que por uns tempos, que se espera que ultrapassem as eleições, estará muito prejudicada a perigosa bipolarização que apela ao voto útil, que é inútil e bem pior por nada mudar do que tem de ser mudado.
Há que parar, por segundos que seja, para respirar fundo. Exercícios aritméticos que sirvam para nos ajudar a melhor fazer política são, também, uma forma de respirar fundo.


«Avante!» Nº 1322 - 1.Abril.1999