Alvos
Pode não se gostar de Milosevic, mas
importa lembrar que o dirigente sérvio foi eleito (em eleições
bem mais participadas do que as que levaram Clinton à Casa
Branca), o seu governo é reconhecido internacionalmente e, o que
é ainda mais importante, a Jugoslávia, país soberano, não
atacou ninguém nem em qualquer momento se perfilou como uma
ameaça à NATO ou a qualquer outro país.
O problema do Kosovo, parte integrante do território jugoslavo
habitado por uma maioria de origem albanesa que é uma minoria em
termos nacionais, é manifestamente um problema interno da
Jugoslávia. Acresce que o Kosovo é para os sérvios uma
questão de identidade, o berço da sua nacionalidade. Mesmo que
quisesse, Milosevic não podia abrir mão desta parte do
território jugoslavo; teria os sérvios - a maioria da
população - todos contra si, perderia a poder e seria muito
provavelmente substituído por alguém muito mais radical e
nacionalista.
Não se percebe por isso, à luz dos argumentos invocados, a
política da NATO, ou seja, dos EUA.
A justificar-se uma intervenção internacional para dirrimir
este problema interno, pelas alegadas razões humanitárias,
nunca deveria ser pela via da guerra.
Ao atacarem a Jugoslávia e ao apoiarem (e armarem) os
separatistas do Kosovo, Clinton e os seus boys conseguiram
o impensável: reforçar Milosevic, que classificam de ditador, e
juntar os sérvios, que estão longe de ser uma massa homogénea,
em torno da única coisa que provavelmente os une, o seu forte
sentimento nacional.
Ao atacarem os sérvios, atacando a Jugoslávia, os EUA e seus
apêndices conseguiram ainda a proeza de acordar as velhas
divergências religiosas que subsistem entre o Ocidente e o
Oriente europeus. O apoio da Igreja Ortodoxa grega e
cipriota-grega aos seus «irmãos ortodoxos sérvios» e a
inequívoca condenação dos ataques da NATO aí estão para o
provar. Na Grécia, o arcebispo Christodoulos falou das «forças
cristãs do Ocidente» que bombardeiam «mosteiros ortodoxos», e
afirmou que o fazem «porque nós, os ortodoxos, não somos
fáceis de submeter a vontades impostas por outrém». Em Chipre,
por seu lado, os dignatários religiosos ainda não esqueceram
que o Ocidente não mecheu um dedo para proteger os cipriotas
gregos quando a Turquia invadiu o norte da ilha, em 1974, apesar
dos massacres que então se registaram. E aquela parte do
território continua sob ocupação turca.
A política de guerra contra a Jugoslávia faz no entanto todo o
sentido quando extirpada das vestes humanistas que a propaganda
norte-americana lhe arranjou. Ao violar o próprio Tratado que a
instituiu - nenhum dos seus Estados-membros foi, directa ou
indirectamente, ameaçado pela Jugoslávia - a NATO mais não fez
do que confirmar o seu carácter agressivo e, sobretudo, a sua
natureza como instrumento dos interesses estratégicos
norte-americanos. O facto é que os EUA, com o seu imenso poderio
militar e avanço tecnológico, são hoje a única potência
mundial, e não hesitam em lançar mão a todos os meios para
impor as suas posições.
Os EUA querem a NATO nos Balcãs, essa zona no coração da
Europa cujo delicado equilíbrio, mantido pacificamente durante
mais de meio século, começaram a destruir com a guerra na
Bósnia e o desmembramento da antiga Jugoslávia. O objectivo é
ir mais longe, é derrubar todas as barreiras que ainda subsistem
ao seu poderio, e para isso reacendem velhos conflitos e ateiam
novos ódios.
É a paz na Europa que está hoje em causa, mas é um projecto de
domínio mundial que está em curso. A tragédia que se vive no
Kosovo diz-nos respeito a todos. Quem pode dizer qual será o
próximo alvo da mira norte-americana? Anabela Fino