O castigo da diferença


Não resistimos ao impulso de felicitar o «Público» por mais um notável período em que voltou a exibir a inexcedível atenção com que acompanha as actividades e tomadas de posição do PCP e a forma insuperável como propicia aos seus leitores uma informação equilibrada e pluralista sobre as diversas forças políticas nacionais.
Com efeito, neste domínio o «Público» não estará sozinho mas está imbatível.
Se não vejamos: na sexta-feira, declaração especial de Carlos Carvalhas sobre a guerra contra a Jugoslávia com um apelo ao Presidente da República para uma rectificação da posição portuguesa. No «Público» de sábado, zero!
Também na sexta-feira, comunicado do PCP sobre os resultados da Agenda 2000. No «Público» de sábado, zero!
No sábado, primeiro dia dos trabalhos do Congresso da JCP, acontecimento que muito deveria interessar e excitar um jornal sempre tão atento aos cabelos grisalhos e brancos nas iniciativas do PCP. No «Público» de domingo, zero !
Ainda no sábado, declarações de Carlos Carvalhas na visita à Ovibeja. No «Público» de domingo, zero!
No domingo, encerramento do Congresso da JCP com intervenção de Carlos Carvalhas. No «Público» de segunda-feira, palmas por que não foi zero, antes foram umas linhas sobre a guerra pelo meio de uma peça sobre o tema (finalmente, com muitos dias de atraso, o «Público» descobriu que o PCP condena o ataque da NATO).

Sinceramente, seria tudo mais transparente, mais decente e mais sério se o «Público» passasse a incluir todos os dias na sua primeira página uma barra onde avisasse os leitores de que «A DIRECÇÃO DESTE JORNAL GOSTARIA QUE O QUADRO PARTIDÁRIO SE RESUMISSE AO PS, AO PSD E AO CDS-PP. E, SEMPRE QUE PODE, AGE EM CONFORMIDADE.»
É claro que, se bem calculamos, a explicação que alguns adiantarão é que tudo isto foi o inevitável resultado do casamento dos famosos «critérios jornalísticos» com «os dias alucinantes» de que veio falar Prado Coelho no «Público» de segunda-feira, a respeito do que chamaríamos a morte matada da AD.

O pior é que temos boas razões para desconfiar que «os dias alucinantes» não só têm as costas largas como se arriscam a ter semeado duradouras alucinações.
Só isso é que pode explicar que magotes de comentadores e jornalistas começassem logo a qualificar Durão Barroso como o novo «líder da oposição» (?!!!), assim repetindo tontamente a mais rematada parvoíce e falsidade política dos anos 90 em Portugal.
E só as alucinações é que podem também explicar que quem estava apostado na grande (mas falsa) dramatização do «confronto PS-AD», tivesse rapidamente feito a agulha para o facto consumado, inventando que, agora sim, é que vai haver um autêntico duelo ao pôr do sol entre PS e PSD.
Quando a verdade é que, pura e simplesmente, tendo perdido o cão com que, até Outubro, queriam caçar na coutada da pretensa «bipolarização», agora não têm outro remédio senão caçar com gato.

Tudo visto, o que sobra é a evidência de que, em dias alucinantes e de alucinação, ai dos que têm juízo. São os primeiros a ser castigados. Porque fazem demasiada diferença. — Vítor Dias


«Avante!» Nº 1322 - 1.Abril.1999