TV pumba!
A criminosa agressão dos EUA a um país
soberano, com os aliados da NATO levados pela trela, vem
transformando o chamado horário nobre de todas as televisões
num infame estendal de informação e contra-informação, com
frequência relegando para segundo plano assuntos da vida
política nacional e internacional que parece terem perdido, de
um dia para o outro, relevância informativa.
Por pudor e respeito, não nos detenhamos, por a gora, na
miserável encenação e manipulação à volta do sofrimento
humano de milhares de refugiados de todas as etnias e de todos
os ataques agora transformados num alibi sem
princípios e protagonistas involuntários de um espectáculo
tão obsceno quanto capaz de ir até à ignomínia da
exploração dos planos aproximados e dos grandes planos, numa
gramática de sinais visuais e auditivos que jamais foram objecto
de um tão obcessivo chorrilho de mentiras ou meias-verdades e,
portanto, atingiram um tão elevado grau de demagogia,
deturpação e confusionismo.
Mantenhamo-nos, se possível, num outro aspecto essencial e não
menos sinistro de toda esta triste, dramática e preocupante
realidade informativa que vimos vivendo, tendo por base a
investigação (o mais fria e distanciada possível) que, de um
ponto de vista meramente profissional, um crítico de televisão
não pode deixar de fazer neste domínio.
E, num momento em que é possível ter amplo e continuado acesso,
através do satélite ou do cabo, às grandes centrais de
informação internacionais, é preciso dizer-se que essa
experiência é altamente esclarecedora do estado a que chegou a
tradução do chamado «pensamento único» para a esfera da
informação audiovisual.
Uma informação agora transformada, através de uma prática
concreta e comprovável, na imposição, a um tempo massiva e
fragmentada, de um tipo de análise e visão generalizada e
esmagadora, também ela de sentido único, e consciente ou
inconscientemente servida por profissionais que (salvo
raríssimas e honrosas excepções) se mostram incapazes de
minimamente pôr em causa a lógica tentacular dessa estratégia
de lavagem ao cérebro.
Neste sentido, os chamados briefings todos os dias levados
a cabo a meio da tarde pelo Quartel General da Nato em
Bruxelas e transmitidos na íntegra e em directo pela
cadeia CNN, com sucessivas e diferidas repetições dos
excertos mais «convenientes» em todas as outras cadeias
noticiosas são paradigmáticos da postura ética e moral
daqueles que são levados a «explicar» a dezenas e dezenas de
jornalistas a estratégia do agressor e os alibis para essa
estratégia forjados com base nas mais descaradas falácias, como
se se estivesse a tentar convencer, a nível planetário,
milhões e milhões de atrasados mentais!
Transformada num sinistro espectáculo audiovisual, com
projecções de vídeos a pretenderem justificar a «bondade»
das acções punitivas de agressão, os alegados e «decisivos»
estragos na «máquina de guerra» jugoslava e, por esta via, a
«esclarecer» o confusionismo sequencial das várias «fases»
dessa agressão, não pode deixar de se considerar perversa e
lamentável a encenação que nos é dado a ver.
São dois os figurantes principais dessas conferências de
imprensa: para que a esmagadora presença americana em toda esta
operação possa ficar um pouco disfarçada e diluída, é o air
commodore David Dwilby da RAF britânica que,
geralmente, começa por descrever, as operações militares nos
ares da Jugoslávia e do Kosovo.
Depois, entra em acção o «controleiro» político do commodore
- o porta-voz da NATO Jamie Shea, naturalmente
norte-americano! - cuja indispensável presença serve para
colmatar as interpretações «políticas» que estão vedadas ao
militar, quando não para corrigir (sem sequer cuidar de
disfarçar as suas intervenções intempestivas) as
escorregadelas ou as indefinições ou as reticências que o dito
militar é incapaz de evitar, sobretudo no que toca a matérias
consideradas como «classificadas».
Segue-se, finalmente, o período de «perguntas e respostas» -
ou seja, para quem costuma seguir de perto estas operações de
propaganda, um prolongado exercício de completa hipocrisia
no qual, à partida, se percebem as conivências espúrias
entretidas entre os principais correspondentes «especializados»
junto deste tipo de instâncias e seus porta-vozes, quantas vezes
demonstrando a desvergonha da combinação prévia de tais ou
tais perguntas em função de tais ou tais respostas que é
conveniente dar para «esclarecer» situações mais delicadas ou
difíceis de explicar.
E quando este ou aquele correspondente dá mostras de não estar
pelos ajustes ou contrapõe observações e questões
«incómodas» pela sua lógica implacável face ao interlocutor
ou adianta, mesmo, outro tipo de informações (quantas vezes
qualitatitativamente baseadas em factos, declarações, tomadas
de posição de sinal contrário ou, mesmo, dados quantitativos
objectivos) que contradizem ou são estranhos ao esquema
pré-definido, logo entra em acção o implacável Jamie Shea
para pôr o dito correspondente na ordem, desviando a questão
com um frio e seco «I cannot comment on that!» e logo
escolhendo, a dedo, outro parceiro mais conveniente. Esclarecedor
não é?
Já há muito vínhamos sofrendo as agruras da TV pimba. Agora,
desde há quase duas semanas para cá, as coisas ficaram mais
entremeadas. Chegou a TV pumba! Assim vão estes tempos. Francisco
Costa