Pobreza e exclusão social
Futuro do País está a ser hipotecado


«A pobreza não é uma fatalidade» foi uma das ideias que mais sobressaíu das intervenções proferidas no debate sobre «Pobreza e Exclusão Social - Causas e Soluções», que a Organização Regional de Lisboa realizou, na terça-feira, no salão da Junta de Freguesia de S. João, com a presença do Secretário-geral do PCP, Carlos Carvalhas.

O salário mínimo todos os anos se degrada, afirmou a primeira oradora, Maria do Carmo Tavares, dirigente da CGTP-IN. E quanto mais coisas tiver agrupadas mais o salário mínimo irá cair.
A provar a afirmação, Maria do Carmo Tavares refere o facto de 49% das pessoas que recebem o Rendimento Mínimo Garantido terem rendimentos do trabalho.
«Ao criar-se o Rendimento Mínimo, alguém pensava encontrar um panorama desta natureza?», pergunta. Esperar-se-ia que fossem os reformados a camada mais abrangida por esta medida. Mas não, a maior faixa pertence a trabalhadores entre os 19 e os 44 anos, ou seja, é a população activa que está a descair para os limiares da pobreza.
Destes, as mulheres - 64% dos titulares do Rendimento Mínimo - surgem como as mais vulneráveis. Aliás, com o trabalho ao domicílio, o trabalho a tempo parcial e outras novas formas de emprego precário que estão surgir, as mulheres vão ser, sem dúvida, as grandes vítimas da pobreza.
Mas nos casos de pessoas isoladas, das que se encontram em total estado de pobreza, sem qualquer tipo de rendimento, a maioria são homens.
Maria do Carmo alerta, ainda, para o alastramento da mancha de pobreza que se avizinha com o recurso crescente à flexibilização e às reformas antecipadas, particularmente para os trabalhadores com mais baixos salários e curtos períodos contributivos.
Outro problema preocupante é a elevada percentagem - 30% - de insucesso escolar no ensino obrigatório. «Está-se a hipotecar o futuro deste país», diz esta dirigente sindical. «Sem formação de qualquer tipo, precocemente atirados para o mercado de trabalho, os nossos jovens vão ser os novos pobres da sociedade».

Exploração «negra»

À intervenção de Maria do Carmo Tavares, seguiram-se as de Edgar Silva e Inês Fontinha que, generalizando a discussão, levaram a assistência, constituída por mais de uma centena de participantes, a apresentar os mais diversos problemas.
A situação dos deficientes - excluídos entre os excluídos -, as dificuldades com que se debatem as instituições de apoio aos idosos e a «exploração negra» a que estão sujeitos os imigrantes de países de língua oficial portuguesa foram algumas das questões levantadas, para as quais foi pedida uma maior sensibilização dos presentes.
Um dirigente dos têxteis alertou para a necessidade de sindicatos fortes e de um Partido Comunista igualmente forte como forma de fazer frente ao alastramento da pobreza que, à partida, radica nos baixos salários que se praticam.
A título de exemplo, refere o facto de os trabalhadores dos têxteis do Sul auferirem um salário que é o dobro do dos trabalhadores do Norte. Estes, todavia, representam 70 a 80 por cento do total dos trabalhadores deste sector, lembra, justificando o facto com a existência no Sul de sindicatos fortes e actuantes.
Dois membros de Juntas de Freguesia alertaram para a «pobreza encoberta» e os cerca de 30 por cento de portugueses que vivem abaixo do limiar da pobreza.
Um representante da Associação de Promoção dos Direitos Humanos, recentemente constituída por os seus associados não se reverem nas associações congéneres, diz que os direitos económicos e sociais são tão importantes como os direitos civis e políticos. Razão por que uma das primeiras acções desta associação foi pedir ao Governo a ratificação da Carta Social Europeia Revista que, entre outras cláusulas, prevê a protecção contra a pobreza e contra o despedimento.
Maria Amélia Guerra, da Comissão do PCP para as questões da toxicodependência e narcotráfico, por seu turno, chamou a atenção para os cem mil toxicodependentes que hoje existem (número que tende a crescer), sublinhando que em Portugal morre diariamente um ou mais jovens por overdose ou outras questões ligadas à droga. Um importante grupo de pobres e excluídos que importa, pois, não esquecer.
Por fim, a jovem Susana falou da incerteza e insegurança que hoje faz parte da realidade dos jovens e do emprego juvenil.
Um debate intenso que o Secretário-geral do PCP, na sua intervenção de encerramento, valorizou, garantindo que as questões e as sugestões apresentadas irão ser motivo da reflexão do PCP.


A exploração maior

Na sua intervenção, Edgar Silva, do PCP/Madeira, defensor activo dos direitos das crianças, falou da exploração de que são vítimas as crianças e, particularmente, do problema da prostituição infantil que, não sendo uma fatalidade, é ainda a «verdadeira filha da exploração» e uma das sua formas mais violentas.
A mendicidade, as crianças de rua e a sua exploração sexual, o trabalho infantil são, indubitavelmente, «um sinal» muito importante da injustiça da actual estrutura social e do actual sistema de relações sociais.
«Este lado mais distante da pirâmide da pobreza - as crianças - obriga-nos a questionar as opções e modelos de desenvolvimento» que se estão a seguir e nos quais radicam os fenómenos referidos.
«Não sendo a pobreza uma realidade estática, decorrendo de um processo cujas origens são sociais, económicas e políticas», faz todo o sentido «constituirem-se mediações competentes para promover uma continuada avaliação e diagnóstico das situações de pobreza e exclusão social, a identificação dos meios de resposta, a análise dos progressos e retrocessos alcançados e a clarificação de problemas e linhas de acção que exijam especial atenção».
Mas - alerta - «para intervir na erradicação das causas geradoras da pobreza» é fundamental que, para além das necessárias estratégias específicas contra a pobreza, as medidas que se tomem «sejam confrontadas com o alcance sobre os grupos e os cidadãos mais vulneráveis».

Vidas «fáceis»

Para Inês Fontinha, dirigente da Associação «O Ninho», se é verdade que a prostituição infantil não é uma fatalidade, também a «prostituição de adultos» não o é, ainda que constitua um fenómeno de massas, ou seja, afecte um número significativo de pessoas.
Mas falar sobre prostituição implica reflectir sobre um conjunto de fenómenos que lhe estão directa ou indirectamente ligados. É que o recurso à prática da prostituição, hetero ou homosexual, a troco de remuneração e dentro de um sistema organizado, não se reduz a uma acção pessoal. Em cada oito/nove de dez casos, intervém uma terceira personagem, o organizador e explorador do mercado - o proxeneta -, já que a prostituição funciona, tal como o mercado, segundo a lei da oferta e da procura. E tendo, naturalmente, como principal ponto de partida a miséria económica.
Origem social pobre, filha de trabalhadores rurais, da construção civil ou desempregados, oriunda de famílias geralmente numerosas, com pai ou mãe ausentes, vítima muitas vezes de violação, incesto ou de maus tratos, com relações sexuais ou gravidezes precoces, a servir em casa alheia e sem qualquer qualificação profissional, eis o perfil mais frequente da mulher que se prostitui ou é alvo de recrutamento de proxenetas mais ou menos organizados.
É a estas mulheres, isoladas e acossadas, com uma autoestima seriamente comprometida por culpas interiorizadas e uma imagem desvalorizada, que se chama «mulheres de vida fácil». Mulheres «alegres», de «altos ganhos», que «livremente» optaram escolheram o seu caminho!!!
Inês Fontinha terminou a sua intervenção com cinco propostas no sentido de impedir o alastramento da prostituição, uma das quais a da criação de um movimento de opinião pública contra as redes que lucram com esta forma maior de exploração.

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No seio da Europa rica
prosperam os predadores

— denuncia Carlos Carvalhas

Devido ao adiantado da hora, o Secretário-geral do PCP limitou a sua intervenção a um curto balanço dos trabalhos, adiantando, porém, que «à beira do século XXI, o desenvolvimento das forças produtivas que já foi alcançado permitia erradicar a fome e a ignorância no Planeta».

Contudo, no mesmo seio dos países ricos, coexiste «a miséria do terceiro mundo» e «prosperam os predadores».

Temos, assim, um contraste «chocante»: de um lado «avanços fulgurantes do espírito humano em todos os domínios da ciência e da técnica, do outro a regressão social».
As principais causas da pobreza em Portugal estão, contudo, há muito identificadas: «reformas de miséria, baixos salários, emprego sem direitos e a termo, desagregação familiar... uma chocante distribuição do Rendimento Nacional».
O PCP considera, entretanto, que o Governo está em condições de cumprir a 2ª fase do aumento extraordinário dos refomados, ainda este mês. Isso contribuiria para que os reformados pudessem comemorar o 25 de Abril «de uma forma digna», diz Carlos Carvalhas.

A chamada reforma da segurança social é uma outra questão que preocupa profundamente o PCP. «É uma vergonha» que os direitos que a Constituição consagra «venham cada vez mais a ser substituídos pelo recurso à caridadezinha».
Como consequência da política neoliberal, aparece, pois, a acentuação das desigualdades e das injustiças, a generalização da insegurança social, a violência, a insegurança, a prostituição, o racismo e a xenofobia. O «remédio» é, depois, «tolerância zero» para os pequenos delitos e o endurecimento da repressão para aqueles que, produto do capitalismo, são empurrados para a delinquência pela miséria e pela necessidade de sobrevivência.
A solução, sublinha o Secretário-geral do PCP, está, assim, num novo rumo para a construção europeia e numa «urgente viragem à esquerda na política nacional».


«Avante!» Nº 1323 - 8.Abril.1999