Rendimento
Mínimo
Na hora do
balanço
Por Edgar Correia
Membro da Comissão Política
Com a
"preocupação pelo social" transformada num tema
recorrente dos discursos do poder e de uma ideologia
"descritiva" de natureza essencialmente conformista, a
discussão e a acção em torno dos problemas sociais vê-se
confrontada com a necessidade de um aprofundado trabalho
crítico.
Trabalho que
precisa, evidentemente, de utilizar o material informativo
fornecido por relatórios e outros trabalhos de tipo descritivo,
ressalvados padrões mínimos de objectividade e de rigor. Mas
que carece ,sobretudo, de estar orientado para o estabelecimento
de nexos entre os problemas sociais e os factores económicos,
políticos e culturais , e para o conhecimento da génese e a
compreensão das causas das situações.
Uma área particularmente opaca para a realização deste
esforço de compreensão é a das questões da exclusão social e
da pobreza, apesar dos indiscutíveis progressos registados nos
últimos anos no domínio da sua abordagem analítica .
Este facto tem reconhecidamente a ver com os constrangimentos e
as dificuldades com que ainda se confronta a análise das causas
das desigualdades nas sociedades humanas e com a ideologia
dominante acerca da sua inevitabilidade. Ou seja e por outras
palavras: com a configuração contemporânea e em condições
muito alteradas da velha questão da pobreza e da sua relação
com a riqueza, e da consciência da possibilidade de construção
de uma sociedade liberta desse flagelo e da exploração do homem
pelo homem em que assenta.
Caminhamos para uma situação paradoxal.
Os fenómenos da exclusão social e da pobreza, o seu
alastramento, a complexidade e o carácter multidimensional dos
problemas, são objecto de um conhecimento cada vez mais completo
e rigoroso. Ao nível do poder político multiplicam-se as
referências "preocupadas" e o anúncio de "
iniciativas" para os enfrentar. Mas uma acção governativa
confinada a medidas de carácter paliativo, tentando minorar
consequências sem intervir ao nível das causas, não permite
alterar a situação. E as mesmas e inalteradas causas não só
reproduzem incessantemente como agravam o quadro existente de
desigualdades e de assimetrias, e vão tornando ainda mais
gritante e intolerável a profunda fractura social que atravessa
a nossa sociedade.
A pobreza mais extrema
O relatório que o
Instituto para o Desenvolvimento Económico e Social divulgou à
poucos dias contendo uma informação sobre a concretização do
Rendimento Mínimo Garantido (RMG) quando já está decorrido um
ano e meio desde o início da sua generalização, possibilita a
realização de dois tipos de análises : a visualização do
universo da exclusão social e de pobreza mais extremas (
que são as únicas abrangidas pelo RMG); e uma primeira
avaliação política da execução deste novo direito social.
Quanto ao panorama das situações de exclusão social e de
pobreza mais extremas existentes na sociedade portuguesa
interessa destacar, em particular, os seguintes aspectos:
A população RMG abrange actualmente (Dezembro de 1998) 338 mil
beneficiários, ou seja, 3.4% do total da população residente
no país. Este número que não inclui os 39 mil que deixaram
entretanto de ser abrangidos pela medida por alteração de
rendimentos e as 7 mil pessoas que têm a sua prestação
suspensa.
O tipo de família que predomina na população RMG é a nuclear
com filhos (38%), a monoparental feminina (20% - percentagem
quase 3 vezes superior à existente nos agregados familiares
nacionais) e a constituída por mulheres a viverem sozinhas
(14%).
A população RMG é sobretudo constituída por jovens( 44% do
total dos beneficiários têm idade igual ou inferior a 18 anos)
e por pessoas em idade activa (50% do total dos beneficiários
situam-se entre os 19 anos de idade e os 65 anos, sendo que
destes mais de metade se encontram entre os 25 anos e os 44
anos).
Três em cada quatro agregados familiares RMG têm um rendimento
relativamente fixo, sendo esse rendimento obtido pelo trabalho
(49% dos casos) e por pensões(32%). Um em cada quatro agregados
familiares RMG (cerca de 26 mil) não tem rendimento.
Estes elementos permitem um primeiro e expressivo retrato-robot
dos portugueses que se encontram numa situação de extrema
pobreza e que auferem RMG e dos seus principais problemas: são
em número de um por cada trinta residentes no país; na sua
grande maioria são trabalhadores em idade activa, que enfrentam
situações de desemprego, em muitos casos de longa duração, ou
de trabalho precário e mal remunerado; as mulheres são mais
vulneráveis às situações de carência ( o que não é
contraditório como uma maior iniciativa feminina, que se
verifica, na procura de apoio social); cinco por cento da
população juvenil residente, com menos de 18 anos, encontra-se
nesta grave situação.
Execução da medida
A lei que criou o
Rendimento Mínimo Garantido instituiu um novo direito social, um
direito não substitutivo, mas aditivo, em relação aos que já
se encontravam consagrados na Constituição.
Este novo direito integra ,como se sabe, a) uma prestação do
regime não contributivo da Segurança Social e b) um programa de
inserção social, "por forma a assegurar aos indivíduos e
seus agregados familiares recursos que contribuam para a
satisfação das suas necessidades mínimas e para o
favorecimento de uma progressiva inserção social e
profissional".
Se em relação à atribuição da prestação pecuniária do RMG
a concretização da lei , de uma forma geral, tem decorrido
normalmente, já o balanço apresentado pelo Instituto para o
Desenvolvimento Social em à inserção social dos beneficiários
revela profundas insuficências e aspectos muito
insatisfatórios.
Atente-se , em especial, nos seguintes elementos:
Relativamente a um universo de 304 mil pessoas com processos
deferidos, o número de beneficiários envolvidos em acções de
inserção, em Dezembro, é apenas de 73 mil, o que constitui um
valor globalmente muito baixo, mesmo tendo em conta que o número
de beneficiários dispensados de inserção profissional ascende
a 61 mil .
Além disso e quanto às acções de inserção, para além da
sua contabilização assentar em critérios pouco claros , é de
sublinhar muito negativamente o facto delas só terem abrangido 4
mil beneficiários na área da formação profissional e da
colocação em mercado de trabalho não ter excedido os 5 mil
beneficiários.
Isto mostra como no domínio da inserção social e profissional,
tão justamente valorizadas na lei como caminho fundamental para
a decisiva superação de situações de exclusão e de pobreza,
muito pouco foi realizado.
Intervir
A extensão dos
fenómenos da exclusão social e da pobreza e o aprofundamento do
seu carácter multidimensional constituem um dos traços mais
preocupantes das alterações que se vêm registando nos últimos
anos na sociedade portuguesa.
O Rendimento Mínimo Garantido, pela sua natureza, é uma medida
que não intervém ao nível das causas das crescentes
desigualdades que estão na origem dos problemas da pobreza e da
exclusão social, e os seus objectivos estão claramente
limitados aos efeitos mais extremos da degradação da situação
social .
Apesar dessa natureza e do alcance limitado do RMG, o PCP
valoriza este novo direito social e é activo defensor da sua
correcta concretização. E associa esta intervenção à sua
luta mais geral contra as orientações neo-liberais e a
política de direita, e pela concretização de uma nova
política, uma política de esquerda para Portugal.