A
VII Legislatura
(3ª parte)
Por João Amaral
O ano decorrido entre Setembro de 1996 e Setembro de 1997 constitui o verdadeiro miolo da VII Legislatura, quer pela importância estruturante das matérias discutidas, quer pela forma como elas condicionaram a vida do país e os próprios trabalhos da Assembleia da República no período seguinte, até ao momento.
Analisando os temas
mais importantes, votados no decurso desses doze meses, desde a
política económica e financeira até a revisão constitucional
e passando pela política europeia, pode afirmar-se o seguinte: o
miolo da VII Legislatura assenta no Bloco Central PS/PSD com a
ajuda e incentivo do PP.
Este miolo e a sua característica fundamental é a
consequência lógica dos dois períodos anteriores desta VII
Legislatura da Assembleia da República, analisados em dois
artigos anteriores.
Numa primeira fase, foram sendo feitas várias opções que
conduzem à convergência do PS com o PP de Manuel Monteiro.
Apesar da sua autoproclamada oposição à política europeia em
curso (que lhe valeu muitos votos nas eleições!), Monteiro
apoia o PS no momento decisivo do Orçamento de Estado, apesar de
ele consubstanciar a aceitação das imposições do Tratado de
Maastricht. Para o PCP, essas imposições constituíam um
garrote económico e social, incompatível com a necessária
política de desenvolvimento e de melhoria das condições de
vida dos trabalhadores e do povo em geral. Por isso, o PCP só
podia votar contra o Orçamento.
Até à votação do Orçamento (Março de 1996), o Governo
distribuiu apoios e concessões, procurando cativar qualquer dos
outros partidos. Nesse período, foi possível aprovar várias
leis positivas, como se descreveu no primeiro artigo desta
série. Mas, a opção estratégica do Governo (Maastricht e
Moeda Única) não podia ser sustentada pelo PCP.
Numa segunda fase, entre Março e Setembro de 1996, o PS e o
Governo fecharam o campo de convergência com o PCP. Como se
demonstrou no artigo anterior, a regionalização tornou-se no
paradigma desse comportamento. O facto é que PC e PCP tinham
todas as oportunidades de avançar com o processo, com recurso ao
referendo orgânico (consulta às Assembleias Municipais, de
carácter vinculativo), tal como estava previsto na
Constituição da República, antes da revisão. Mas, o PS não
quis avançar com o processo com o PCP. Cedeu ao PSD e ao PP,
aceitando suspender o processo e aguardar a revisão
constitucional, que introduzisse o referendo pessoal como
condicionante da instituição em concreto das regiões.
A terceira fase que agora se analisa consubstancia o conteúdo
essencial das opções que o PS quis fazer para a VII
Legislatura. Em três planos: no plano da política europeia; no
plano orçamental; e no plano da revisão constitucional.
No plano da política europeia, esse conteúdo transparece em
dois momentos essenciais, em que o Plenário da Assembleia da
República toma decisões sobre questões estruturantes.
Trata-se, em primeiro lugar, do debate sob a terceira fase da
União Económica e Monetária, isto é, a passagem à Moeda
Única. Nesse debate, PS e PSD submetem à votação da
Assembleia um projecto comum, subscrito pelos dois partidos, que
afirma "sem reservas" a sua vontade de aderir à Moeda
Única.
O segundo momento significativo quanto à política europeia
traduziu-se na votação de resoluções relativas à
Conferência Intergovernamental que tinha em preparação o que
viria a ser o Tratado de Amesterdão. Também aqui, embora sem o
despudor de apresentar um único projecto de resolução, PS e
PSD convergem em afastar do âmbito de actividade da CIG as
questões da União Económica e Financeira, designadamente os
critérios de Maastricht, o Pacto de Estabilidade e a Moeda
Única. Desta vez, nesta opção foram acompanhados pelo PP que,
mantendo um inflamado discurso antifederalista, não questionou a
UEM, aceitando-a como definitivamente decidida.
No plano da política orçamental, que integra as opções de
política económica e financeira, o PSD converge igualmente com
o PS. Ao contrário do voto contra que usou na votação do
Orçamento para 1996, no Orçamento de 1997 o PSD opta pela
abstenção na generalidade e na votação final global. Mantendo
um discurso de oposição ao Orçamento o PSD viabiliza-o, como
peça e instrumento da política de Maastricht, a caminho da
moeda única. O tom crítico do PSD não passa de papel de
embrulho. No essencial, está o seu apoio (e por isso a
viabilização do orçamento) às políticas económica e
financeira do Governo.
Quanto ao PP, vota contra o Orçamento para 1997 na generalidade.
Mas, depois de algumas pequenas alterações em sede de
especialidade, opta pela abstenção em votação final global,
repetindo o voto de 1996. Junta-se assim ao bloco
pró-maastrichtiano...
O terceiro grande tema da convergência PS/PSD é a revisão
constitucional. Depois de meses e meses de trabalho na Comissão
Eventual, a Revisão Constitucional acabou por ser decidida à
margem da Assembleia, pelos Estados-Maiores do PS e do PSD, que
elaboraram, aprovaram e subscreveram um acordo de revisão, que
condicionou todo o trabalho parlamentar. A grande vítima desse
acordo foi o princípio da representação proporcional,
ameaçado nas eleições para a Assembleia da República, bem
como a composição democrática e plural das Câmaras
Municipais, e ainda a genuinidade da eleição do Presidente da
República, atingida pelo alargamento do voto dos não residentes
no território nacional. Tudo isto para além dos seus feitos
quanto à regionalização, unidade nacional, etc..
A revisão constitucional marcou profundamente a Legislatura. Ela
representou uma forma de capitulação do PS perante as teses do
PSD. Os protestos dentro e fora da Assembleia foram muitos. Na
bancada do PS não faltaram vozes críticas. Mas as
consequências dessas críticas não tiveram praticamente
repercussão no conteúdo da revisão. As repercussões foram no
plano pessoal, com o então Presidente do Grupo Parlamentar do PS
feito responsável único do que muitos na Direcção socialista
negociaram e subscreveram.
Com estes traços caracterizadores, não espanta que o PS tenha
atravessado todo este período em situação de confronto e
conflito com o PCP.
A única convergência de alcance, sobre a questão do aborto,
terminou com a derrota dos projectos do PCP e do PS (e a passagem
do projecto de Strecht Monteiro).
As restantes convergências foram sobre temas menores
(Observatório dos Mercados Agrícolas, Museu do Douro, etc.), ou
sobre algumas consequências negativas das decisões da União
Europeia em matéria agrícola e da indústria têxtil
(resoluções condenatórias que o PS aproveita para se dissociar
das consequências nacionais da política europeia que defende).
Talvez mais do que nenhum outro debate, o que marca este período
é o voto do PS contra o projecto do PCP que pretendia resolver a
favor dos trabalhadores as dúvidas sobre a questão das pausas
no horário de 40 horas.
Neste ano, o debate sobre o Estado da Nação não se realizou,
apesar de ser obrigatório face ao Regimento da Assembleia da
República. Não espanta. Para o PS o estado da Nação era
baço. Apesar de "êxitos" como o resultado eleitoral
nos Açores, a descrença era grande. Guterres chegou mesmo a
afirmar que o PS só fazia asneiras!
Quanto ao PSD, que viveu este período de braço dado com o PS, a
crítica não era oportuna nem necessária.
Em Setembro de 1997, com o fim deste período, o PSD sentir-se-à
então pronto para fazer o barulho a que chama oposição.
O clima da Assembleia vai mudar, no último período da
Assembleia, que se estende até hoje.