Delegados
estrangeiros no Congresso da JCP
Dos
sonhos às lutas comuns - I
As diferenças são muitas, mas no essencial os jovens de todo o mundo partilham as mesmas dificuldades e as mesmas aspirações. Isso ficou bem claro no IV Congresso da JCP, realizado no último fim-de-semana de Março, e chegamos à mesma conclusão na série de entrevistas que realizámos com várias delegações internacionais, cuja publicação iniciamos hoje. Como afirma Iraklis Tsavdaridis, presidente da Federação Mundial da Juventude Democrática, «temos de alcançar bases e elementos comuns, porque os nossos sonhos são comuns, tal como os nossos inimigos».
Iraklis
Tsavdaridis,
presidente da Federação Mundial da Juventude
Democrática,
grego, 31 anos
«O
imperialismo não é todo-poderoso»
Avante! Fala-me da Federação, dos seus objectivos e das suas iniciativas.
Iraklis Tsavdaridis Como sabes, a Federação Mundial da Juventude Democrática (FMJD) faz 54 anos este ano. As nossas actividades e os nossos objectivos estão muito ligados à nossa história, à nossa identidade e à nossa natureza. Naturalmente, ajustamos as nossas acções às necessidades e às situações actuais. Na nossa última assembleia, que se realizou no Chipre em Janeiro, a federação reafirmou a sua identidade enquanto movimento de juventude de esquerda e a sua natureza claramente anti-imperialista. Isto quer dizer que a federação luta pelos direitos da juventude em todo o mundo, a nível regional, nacional e internacional, não só através das organizações que a compõem, mas também através das suas próprias iniciativas. Lutamos pelo melhoramento da situação dos jovens em todo o mundo, pela paz, pelo progresso social, pela justiça, por uma sociedade melhor.
Quais os grandes problemas com que a juventude mundial se debate hoje em dia e quais são as suas principais reivindicações?
Na
nossa última assembleia tivemos oportunidade de discutir os
principais problemas da juventude de todo o mundo e uma das
primeiras conclusões a que chegámos é que, apesar do grande
número de países e regiões, os problemas são muito
semelhantes e muito comuns.
Questões como a educação, o facto de ser paga, o acesso...
encontramos muitas semelhanças em todos os países, sempre com
base no ataque neo-liberal aos direitos dos jovens. Se olharmos
para o desemprego, vemos que os interesses dos capitalistas e as
empresas multinacionais estão em todo o lado e são os
principais inimigos da juventude e dos trabalhadores em geral.
Se nos virarmos para o problema da paz, percebemos que se
verificou recentemente uma escalada da violência com os
bombardeamentos da Nato sobre a Jugoslávia. Os países da Nato
dizem que fazem tudo em nome de causas humanitárias, mas para
nós é evidente que não pode haver uma paz genuína com a
agressão imperialista. O único interesse da Nato é aumentar as
suas zonas de influência.
Mas há muitos outros problemas, como a sida, a discriminação
sobre as mulheres, a saúde e a comunicação.
Existem grandes diferenças entre as juventudes de diferentes países?
- A grande maioria
dos jovens têm em comum sonhos, aspirações e direitos. Mas, é
claro, que o nível dos problemas não é o mesmo em todos os
países, embora as mesmas problemáticas estejam presentes em
todos eles. Devido ao colonialismo e ao imperialismo, alguns
países estão em situações mais graves do que outros, lidando
com questões como o analfabetismo e o subdesenvolvimento.
Contudo, ao mesmo tempo, nos países como os nossos, considerados
como desenvolvidos, os problemas dos jovens não param de
aumentar. Podemos encontrar em cada país do chamado «primeiro
mundo» um número crescente de jovens que lidam com o desemprego
e precariedade, por exemplo. Vi há pouco tempo estatísticas da
União Europeia que mostram que 29 por cento dos portugueses vive
abaixo do nível de pobreza e que Portugal é o país com uma
maior taxa de pobreza da Europa. A seguir surge o meu país, a
Grécia, com 24 por cento. Mesmo nos países da UE, a pobreza é
um problema que está a aumentar e, desse ponto de vista, há
muitas semelhanças.
Por outro lado, com a diversidade de problemas temos de alcançar
bases e elementos comuns, porque os nossos sonhos são comuns,
tal como os nossos inimigos. Temos de coordenar as nossas
acções.
Qual a importância de uma organização deste género, isto é, qual é a importância dos jovens de vários países se juntarem?
As
razões que presidiram ao estabelecimento da federação em 1945
continuam actuais. Dou-te um exemplo: se lermos a Carta das
Nações Unidas para a Juventude, que foi ratificada em 1985, nem
10 por cento dos direitos foram implementados. Nós não lutamos
apenas por isto, mas a questão aqui é que nem sequer as
decisões da ONU são válidas por causa das pressões e do poder
das forças imperialistas.
A FMJD tem muito trabalho pela frente para unir as forças de
juventude progressistas de todo o mundo, apontar todos os seus
inimigos e tentar criar uma frente internacional contra o
imperialismo. Temos tantas ocasiões para mostrar que a FMJD é a
única plataforma internacional de jovens verdadeiramente
activa... O último Festival da Juventude, realizado em Cuba há
dois anos, e todas as outras iniciativas que se lhe seguiram
mostram que todos os nossos membros estão a trabalhar nos seus
países para o sucesso desses eventos.
Por onde passam as soluções dos problemas dos jovens?
Essa
é uma pergunta difícil. Os problemas não podem ser resolvidos
apenas ao nível da juventude. Mesmo se a FMJD tivesse mais
força, não poderia resolver os problemas sozinha. As soluções
têm de ser encontradas com a ajuda de movimentos das
populações, sejam sindicatos ou outras organizações. Apesar
de constituírem uma importante componente, os movimentos de
juventude, por si só, não conseguem resolver os problemas.
Podemos pressionar, planear as acções em cada país
conjuntamente com outros movimentos. Portanto, não temos
ilusões sobre podermos resolver todas as questões sozinhos, mas
sabemos que temos a capacidade de agir.
O imperialismo não é todo-poderoso. Poder parecer que é, mas
não é. O poder das populações e dos jovens pode provar isso
mesmo.
Como vês o futuro de um rapaz ou de uma rapariga que tenha hoje 20 anos?
Primeiro,
diria que os jovens têm de ter auto-confiança e acreditar no
poder dos povos. Os sonhos individuais só podem ser
concretizados no âmbito da implementação de sonhos colectivos.
Cada rapariga ou rapaz tem de lutar ao lado dos seus
companheiros, colegas, amigos nas escolas e nos locais de
trabalho. Sozinho, ninguém consegue resolver os problemas.
O capitalismo diz-nos para olharmos apenas para os nossos
interesses pessoais, para resolvermos só os nossos problemas,
sem nos preocuparmos com os outros. Não somos uma organização
humanitária ou religiosa, mas acreditamos fortemente na solução,
no poder colectivo e nas soluções colectivas dos problemas. É
assim que vemos a realização dos sonhos dos jovens em geral.
_____
Niurka
Duménigo García,
representante da União da Juventude de Cuba,
31 anos, presidente da Organização de Pioneiros José Martin
«Cada
vez que saio de Cuba, agarro-me mais ao meu país»
Avante! Quais são as grandes dificuldades que a juventude cubana tem de enfrentar devido ao bloqueio dos EUA?
Niurka
Duménigo García Cuba está submetida a
um brutal bloqueio há quase 40 anos e são os jovens e as
crianças que sofrem as principais consequências, por ser as
idades em que mais precisam de uma boa alimentação, de
serviços médicos e de material escolar.
Quando eu era adolescente, a situação era diferente. Agora
temos um período especial em Cuba. O bloqueio impede que
organizações amigas nos mandem medicamentos, equipas médicas
ou alimentos. Amigos de Cuba negociaram com o país durante
muitos anos, mas a lei norte-americana Helms-Burton impede-os de
enviarem barcos. O que recebemos é por pura solidariedade.
Existem muitas pessoas que através de organizações entregam
materiais, medicamentos e alimentos. Mas foi uma etapa muito
difícil da Revolução, especialmente para os jovens.
Não existe a tentação de cair no erro de pensar que a culpa da situação económica e do bloqueio é do comunismo?
Para
nós é bem claro o papel do imperialismo norte-americano. A
juventude cubana confia plenamente na sua revolução. Somos
muito críticos connosco próprios. Não te posso dizer que não
somos uma juventude rebelde, que não estamos numa permanente
auto-análise para nos aperfeiçoarmos. A população de Cuba
sabe que a solução desta etapa difícil está na condução do
Partido Comunista.
Os jovens e as crianças cresceram na Revolução e sabemos como
é o capitalismo através dos nossos pais, da História, daquilo
que conta quem vai estudar ao estrangeiro. Para mim, por exemplo,
que estou agora em Portugal, é muito fácil perceber as
diferenças entre um país capitalista e um país socialista,
onde há igualdade de educação e saúde, onde tudo isso é
gratuito, onde não tens de pagar assistência médica, a escola
ou a universidade, onde tens um trabalho seguro logo que saias da
faculdade.
Actualmente, como é a situação económica em Cuba?
Estamos
a assistir a um melhoramento da situação económica, com
investimentos estrangeiros. Lentamente, vêem-se melhorias mesmo
ao nível da vida da população. O turismo passou a ser a nossa
principal fonte de emprego e há muita gente interessada em fazer
turismo em Cuba, não apenas pessoas da América Latina.
A cana de açúcar, outra fonte de capital, está muito melhor
este ano do que o ano passado. Há melhores resultados na
agricultura e na indústria, há mais transportes, há mais e
melhores alimentos, a televisão está a funcionar durante mais
horas. A tecnologia e a indústria médica equiparam-se ao
primeiro mundo, embora nós façamos parte do terceiro mundo.
Quais são as perspectivas para o fim do bloqueio?
Não convém nada aos Estados Unidos haver uma amostra para o mundo do que é uma revolução. E como não lhes convém... Eu não vejo perto o fim do bloqueio. O capitalismo também está em crise, por isso tínhamos de ver como é que agirão as forças política no futuro. Cuba é das melhores maneiras de entender que é possível uma sociedade justa.
Quando olhamos para um mapa, é impressionante comparar o tamanho dos Estados Unidos e de Cuba e ainda mais impressionante é quando pensamos em todos estes anos de resistência do povo cubano...
Há
agora algumas campanhas propagandísticas no estrangeiro em
relação a algumas leis que introduzimos no código penal para
sancionar com mais severidade delitos que ponham em perigo o
país, leis de protecção da economia cubana à semelhança do
que acontece em qualquer país. Qualquer país do mundo tem leis
sobre a protecção da sua soberania e não acontece nada. Mas
quando Cuba aprova uma lei deste tipo, toda a gente diz que vai
contra os direitos. A lei é exactamente o contrário, defende os
direitos dos cidadãos.
Comentava uma amiga minha da Catalunha (Espanha) como as
informações chegam completamente distorcidas ao seu país. Em
Cuba há problemas, não há nenhuma sociedade perfeita, mas
falta objectividade e justiça para falar deles.
Foi muito bom para nós o Festival Mundial da Juventude, porque
jovens de todo o mundo viveram nas nossas casas e viram como o
país é de facto. Chegam a apresentar-nos muitas vezes como uma
ditadura! Nada mais falso!
Temos direitos garantidos, saúde, educação, segurança social.
Vivemos sem sobressaltos de violência, de matanças... E isto
aconteceu com um único partido: o Partido Comunista. Não temos
por que mudar, se nos saímos bem. E nesta realidade cresci eu e,
cada vez que saio de Cuba, agarro-me mais ao meu país.
_____
Jens Kirkegaard,
da Juventude Comunista da Dinamarca
23 anos, trabalhador da construção civil
«Queremos
fazer algo diferente, mostrar
que há outras maneiras de resolver os problemas»
Avante! Podes comentar a situação social e política na Dinamarca?
Jens
Kirkegaard A situação social e política
na Dinamarca é muito semelhante à de outros países da Europa.
Assistimos às mesmas perdas de direitos sociais em todos os
governos, especialmente os que dizem respeito aos jovens e aos
estudantes. Há grandes retrocessos na saúde, na educação e
para os desempregados.
As pessoas estão-se a afastar da social-democracia, porque
elegeram pessoas que não cumpriram as suas promessas. Há um
espaço político que nós, os comunistas, ocupamos e de que nos
servimos para dizer às pessoas que queremos algo diferente das
opiniões assépticas. Queremos dizer algo diferente, fazer algo
diferente, mostrar-lhes que há outras maneiras de resolver os
problemas do país. Em vez de reduzir, devia-se cobrar àqueles
que enriqueceram nos últimos anos.
Quais são os principais problemas e as principais reivindicações da juventude dinamarquesa?
Há um
grande número de jovens que não se preocupam com as coisas, que
pensam que não conseguem mudar o estado das coisas e que por
isso não vale a pena se interessarem por nada. Não se envolvem
e esperam que os outros decidam por eles. Este é um grande
problema na Dinamarca. Tentamos torná-los activos, de forma a
assumirem a responsabilidade pelo seu futuro, dar-lhes uma
opinião sobre as coisas.
Mas é óbvio que todos conseguem ver que algo está mal e se
sentem frustrados de muitos pontos de vista. Há muitas pessoas
que se mostraram promissoras, que foram bons alunos na escola, a
quem foi oferecida grandes possibilidades educativas e que
falharam.
Actualmente, temos as maiores manifestações estudantis dos
últimos anos, com 10 mil alunos nas ruas, o que é muito na
Dinamarca.
Mas há outros problemas, como o desemprego...
- Sim, claro, e esse é bem grave, em particular porque existe uma regra especial que obriga a trabalhar todos os desempregados com menos de 25 anos. A única coisa que pagam são os subsídios de desemprego. As pessoas não escolhem o que fazem, não têm quaisquer direitos, não podem negociar ou decidir nada, não podem fazer greve. E estas regras estão-se a tornar cada vez mais apertadas.
No sul da Europa é muito comum pensar que o sistema educativo e a segurança social na Dinamarca são melhores que os nossos. Essa ideia corresponde à verdade?
- Nós temos este
modelo que os sociais-democratas consideram perfeito, um sistema
económico que é um misto de capitalismo e socialismo. Mas a
verdade é que agora se verificam um grande número de cortes.
Já não temos um bom sistema educativo. Dizem que a educação
é gratuita, mas os estudantes têm de comprar todos os livros e
todo o outro material necessário. E isso é uma quantia muito
elevada, especialmente se não tens dinheiro para isso.
Há, por um lado, aqueles que têm possibilidades económicas,
que vêm de famílias abastadas, e, por outro, aqueles que não
têm o apoio dos pais. Ou seja, aqueles que têm oportunidade de
ter uma boa educação e de seguir uma carreira e aqueles que
não têm.
Qual é a implantação dos jovens comunistas na Dinamarca?
- A maior dos jovens comunistas são trabalhadores, pelo que temos grande influência nos sindicatos. Tivemos um papel muito activo no movimento contra o tratado da União Europeia. Nem sequer vamos participar nas próximas eleições para o Parlamento Europeu.
Como vêem um estreitamento das relações entre as juventudes comunistas e progressistas da União Europeia?
Bem, é complicado economicamente... Mas devia haver uma maior troca de opiniões e de experiências, devíamos fazer algo juntos. Muitos dos problemas de Portugal são os mesmos da Dinamarca. Vocês têm grandes manifestações de estudantes e isso é uma coisa recente na Dinamarca. Isso é uma das coisas que devemos aprender entre nós.