Imagine-se que...
Sim, imagine-se que, nestes dias sombrios da
infame guerra contra a Jugoslávia em que alguns querem
transformar as consequências em causas, desatávamos a escrever
que ora aí está a nova ordem internacional. Em que as grandes
potências desrespeitam a seu bel-prazer o Direito Internacional.
Em que todos os países, sobretudo os grandes, passaram a
imiscuir-se nos assuntos internos dos outros, sobretudo os
pequenos. Em que passou a praticar-se o princípio da
desigualdade dos Estados soberanos. Em que os países ricos e
poderosos substituíram a sua anterior renúncia ao uso da força
pela afirmação orgulhosa do direito de intervenção militar
fora dos casos de legítima defesa, e mesmo que não haja contra
eles nenhuma agressão ou ameaça iminente de agressão. Em que
as operações militares feitas em nome da comunidade
internacional deixaram de ser confiadas aos capacetes azuis da
ONU, passando a ser executadas pelos exércitos regulares de
algumas das grandes potências. Em que a NATO deixou de ser uma
organização defensiva para se transformar em força de
intervenção punitiva, que actua sem qualquer cobertura nos
textos jurídicos vigentes. E em que os Estados Unidos arrogam-se
o direito de actuar, pela força das armas ou mediante sanções
económicas, como se fossem o governo do mundo, com uma polícia
e um exército às suas ordens.
Escrevêssemos nós isto, e logo saltaria um qualquer sargento
mediático do «partido da guerra» - tipo director do
«Público» - a retorquir que estes comunistas ainda vivem
noutro tempo, têm é saudades do passado e são incapazes de
entender os verdadeiros desafios e exigências do mundo actual.
Imagine-se ainda que, de seguida, nos
atrevíamos a opinar que esta espantosa e (perigosa) evolução
teve várias causas (entre as quais a arrogância imperial dos
Estados Unidos, convertidos de repente na única hiperpotência
mundial) e várias consequências, entre as quais os governos
europeus passarem a usar a força das armas para agredir Estados
soberanos, se o pretexto for uma causa humanitária. E que os
resultados desta evolução estão à vista: são moralmente
condenáveis, são humanitariamente ineficazes, e politicamente
comportam consequências de alto risco. E ainda que nos
decidíamos a perguntar como pode a comunidade internacional
tolerar, sem um protesto firme, a agressão não provocada à
Sérvia por uma aliança dita defensiva, a NATO, da qual nenhum
foi atacado ou estava na iminência de o ser ? E, finalmente, que
nos atrevíamos a manifestar o nosso desgosto diante do facto de
que os principais países europeus tenham passado a alinhar -
calados uns, envergonhados outros, mas todos cúmplices - como o
militarismo agressivo e descontrolado da actual liderança
norte-americana.
Escrevêssemos nós isto, e lá saltariam um Nuno Rogeiro ou uma
Teresa de Sousa a clamar que isto é rançoso anti-americanismo e
o vingativo ajuste de contas dos comunistas com os bondosos
socialistas que governam a Europa.
Mas os cabos mediáticos da guerra a sério
que não se esfalfem, não se enervem nem mergulhem no desdém do
costume.
Porque o que acontece é que, tirando as entradas e
insignificantes adaptações formais, tudo o que de substantivo
aqui se escreveu são citações de um artigo, publicado na
última «Visão», e assinado por... Freitas do Amaral. Vítor
Dias