AS VÍTIMAS
da NATO


Fez no passado domingo 50 anos que doze "democracias ocidentais", entre as quais a ditadura fascista de Salazar, criaram a NATO. A pretexto duma "ameaça" do campo socialista da Europa de Leste. Mas uma década após a derrocada dessa comunidade, a NATO comemora o aniversário com duas iniciativas indissociáveis: o seu alargamento a três novos países do Leste europeu (12 de Março) e o desencadeamento duma guerra de agressão nessa região (24 de Março). Para que fique claro que a NATO é uma estrutura ofensiva, de imposição da vontade imperial dos EUA ao mundo. A todo o mundo.

É indiscutível que a Jugoslávia é um país soberano, reconhecido internacionalmente nas suas actuais fronteiras, mesmo pelos seus agressores; que a Jugoslávia não cometeu qualquer acto de agressão contra outro país, nem ameaçou a paz mundial; que apenas actos desse tipo poderiam justificar, à luz do direito internacional, o recurso a acções de força por parte da comunidade internacional; e que, mesmo assim, só por decisão do Conselho de Segurança da ONU. Nada disto se passou. A guerra contra a Jugoslávia é um acto ilegal, de agressão. A paz no Mundo, o direito internacional e todo o sistema das Nações Unidas são vítimas da NATO.

Vinte e cinco anos após o 25 de Abril, que acabou com a guerra e com o Ministro Veiga Simão, ambos estão de volta, pela mão do PS/Guterres. Portugal está em guerra. Mas o Artigo 135 da nossa Constituição diz que "compete ao Presidente da República (...) declarar a guerra em caso de agressão efectiva ou iminente e fazer a paz, sob proposta do Governo, ouvido o Conselho de Estado e mediante autorização da Assembleia da República". Nada disto foi cumprido. A Constituição está a ser grosseiramente violada. A soberania e a Constituição portuguesas (e de outros países da NATO) são também vítimas da agressão da NATO.

Vítimas da guerra são igualmente os kossovares. Cujo êxodo massivo passou a constituir o ponto único dos discursos "justificativos" da guerra. Desse êxodo se estão a dizer muitas verdades e muitas mentiras. A NATO anunciou oficialmente execuções de dirigentes kossovares que mais tarde aparecem não só vivos, como a pedir o fim dos seus bombardeamentos. Mas o êxodo dos kossovares não é a causa da intervenção da NATO; é sim uma das suas consequências directas. Não havia dezenas de milhares de refugiados kossovares nas fronteiras sérvias antes do início dos bombardeamentos da NATO. A vergonha maior é que, como diz o jornalista do Independent (30.3.99), Robert Fisk, "os frutos da guerra tornaram-se agora na justificação da sua escalada". Usam-se as imagens do sofrimento para preparar a invasão terrestre da Jugoslávia. A tragédia dos refugiados é a folha de parra atrás da qual se escondem os responsáveis pelos crimes que ocorrem diariamente na Jugoslávia. Entre os quais, os dirigentes da Internacional Socialista. Que governam na maioria dos países da UE. Mas que, na melhor das hipóteses, governam de cócoras. A NATO está-se totalmente nas tintas para refugiados. A Turquia é membro (importante!) da NATO, e pratica desde há muitos anos uma política de genocídio e limpeza étnica da sua população curda. Como reage a NATO? Vende-lhe milhões de dólares de armamentos para a repressão; ilegaliza e reprime as actividades do PKK (Alemanha); fecha as portas (Itália) e participa no rapto do dirigente curdo Oçalan no Quénia e sua posterior entrega aos turcos (CIA); encerra uma estação de televisão curda (Inglaterra). E o genocídio do povo timorense? O ditador Suharto foi armado pelo Reino Unido e os EUA até ao dia da sua queda... Vários países da NATO têm responsabilidades directas no fracasso do processo de paz em Angola. Onde está o drama das centenas de milhar de refugiados angolanos nos telejornais mundiais? E Israel, que não cumpre qualquer dos acordos que assina, que ataca onde e como quer, mas que tem sempre o fiel amigo americano a defendê-lo? E o genocídio do povo iraquiano resultante do bloqueio anglo-americano? Os exemplos históricos de genocídios dos EUA são, aliás, intermináveis (Vietname, Hiroxima, Guatemala). A própria existência da nação americana se baseia na limpeza étnica dos índios...

É naturalmente o povo da Jugoslávia a primeira vítima da agressão da NATO. A sua resistência é da maior importância para todos os povos do mundo. Mas essa resistência precisa da nossa solidariedade. É tarefa urgente multiplicar as acções exigindo o fim da guerra; a NATO fora da Jugoslávia; e Portugal fora da NATO. — Jorge Cadima


«Avante!» Nº 1323 - 8.Abril.1999