As sementes da Revolução


Abril encheu as ruas de festa e de luta. E fê-lo como nunca antes o fizera, não só no que respeita ao número de presenças mas também, e talvez essencialmente, no significado e no conteúdo dessas presenças. Os ideais de Abril - a justiça social, a liberdade, a paz, a solidariedade, a fraternidade - confirmaram a sua actualidade e confirmaram que ocupam lugar permanente nas memórias, nos anseios, nos sonhos, nos objectivos dos trabalhadores e do povo. Comemorou-se Abril lembrando o passado - o que de bom e de mau houve no passado - mas com os pés bem assentes na realidade presente e mantendo vivas as perspectivas de retomar todos os caminhos de Abril e de, assim, conquistar o futuro que há 25 anos foi possível entrever. Por tudo isto, as comemorações foram a festa, foram a alegria mas foram igualmente a preocupação face aos ataques de que Abril continua a ser alvo - e foram, portanto, clara afirmação colectiva de disponibilidade para a luta. Assim, Abril encheu as ruas de festa e de luta, projectando Maio e o seu primeiro dia, o dia dos trabalhadores.

Justo é que, no momento em que comemoramos e vivemos mais um 1º de Maio - o 25º depois do 25 de Abril - busquemos nas memórias os primeiros de maio de outros tempos: os primeiros de maio das cargas policiais, da repressão, das prisões, dos assassinatos; os primeiros de maio erguidos a pulso, conquistados ao fascismo pela coragem, pela determinação, pela consciência política da classe operária e dos trabalhadores. E justo é, nessa medida, que recordemos de forma muito especial o longínquo 1º de Maio de 1962 - marco histórico na luta da classe operária, impressionante demonstração concreta da força organizada dos trabalhadores e do papel de vanguarda do seu Partido, poderosa manifestação de massas que mostrou que o «impossível» era possível, que impôs o dia dos trabalhadores como dia nacional da resistência antifascista e que, por tudo isso, fez tremer o fascismo e foi importante semente da Revolução.

No próximo 1º de Maio, os trabalhadores, respondendo ao apelo da CGTP, virão para a rua comemorar o seu dia e, como aconteceu no passado 25 de Abril, essa será uma jornada de festa e de luta. Com efeito, muitas são as razões para a festa e muitas mais, ainda, as que impõem a continuação e a intensificação da luta. Num tempo em que o governo do PS, quer no plano interno quer no plano externo, leva por diante uma política que ofende e afronta os ideais de Abril, lutar é o caminho. Lutar contra a política que serve fielmente os interesses dos grandes grupos económicos e financeiros e se submete servilmente às ordens do imperialismo norte-americano, e que, por isso, é frontalmente contrária aos interesses dos trabalhadores, do povo e do país; lutar contra as consequências imediatas dessa política e, complementar e simultaneamente, procurar derrotá-la e substituí-la por uma política de esquerda, que respeite os ideais de Abril - são as tarefas essenciais que hoje se colocam à imensa maioria dos portugueses e portuguesas. Só através da luta será possível travar e derrotar o pacote laboral que o governo de Guterres quer oferecer ao grande capital; só através da luta será possível impedir o agravamento das injustiças sociais e prosseguir, nessa matéria, o revolucionário caminho que Abril abriu; só através da luta será possível reconquistar o prestígio internacional de Portugal, humilhado e ofendido pelas posições do governo do PS nomeadamente em relação à Jugoslávia.

Lutamos e vivemos Maio num momento em que o imperialismo norte-americano dá perigosos passos em frente no seu sinistro objectivo de dominar o Mundo e é apoiado nesse objectivo pelos governos da União Europeia - governo do PS incluído. A Nato, já dominada, de facto, pelos EUA, está em vias de passar a exercer a sua criminosa actividade no quadro de uma «legalidade» imposta pelo imperialismo e aplaudida, nomeadamente, pelo governo português. Entretanto, toneladas de bombas destroem um país e massacram um povo em benefício dos interesses dos EUA, numa situação que nos traz à memória os trágicos acontecimentos de há seis décadas atrás. Ofendendo e negando Abril, o governo do PS e o PS e o PSD - e, lamentavelmente, o próprio Presidente da República - posicionam-se ao lado da guerra e contra a paz, ao lado dos agressores e contra os agredidos - e envolvem novamente Portugal numa guerra que não resolve antes agrava todos os problemas. No 1º de Maio a luta pela paz terá certamente lugar de destaque: o dia dos trabalhadores deixará claro que é imperioso e urgente devolver a Abril a paz que Abril nos trouxe.
No 1º de Maio estará também presente a solidariedade dos trabalhadores portugueses para com o povo mártir de Timor Leste e a sua repulsa pela acção criminosa da Indonésia. E não poderá deixar de assinalar-se e criticar-se a posição do governo português face a esta situação, com uma intervenção limitada a uns telefonemas de Guterres para Clinton e de Jaime Gama para Madeleine Albright - enquanto as milícias, transportadas por helicópteros das forças armadas indonésias, continuam a sua missão assassina e, assim, contribuem «para a estabilidade e segurança do povo timorense» que Guterres diz defender... E tudo isto teorizado pelo Primeiro Ministro para justificar o envolvimento de Portugal na agressão a um país soberano, no género troca por troca: toma lá certezas em relação aos bombardeamentos da Jugoslávia, dá cá uma declaração de boas intenções em relação a Timor Leste.

As comemorações do 25º aniversário do 25 de Abril mostraram iniludíveis sinais de vontade de mudança e de disponibilidade para lutar por essa mudança. O 1º de Maio confirmará e sublinhará esses sinais e constituirá, tudo o indica, um novo ponto de partida para mais e mais fortes lutas. Por Abril e pelos seus ideais que constituem a mais sólida plataforma da luta pela conquista do futuro. De facto, «A Revolução deixou sementes e está viva» - como observou o General Vasco Gonçalves comentando a força e a grandiosidade das comemorações de Abril; de facto, Abril semeou sementes que, com a luta, hão-de florir e dar frutos nos maios do nosso futuro colectivo.


«Avante!» Nº 1326 - 29.Abril.1999