25 de Abril - 25 anos depois
Saudade ou projecto ?__________________________
25 anos passaram sobre a madrugada libertadora do 25 de Abril, porta rasgada pelos capitães do Movimento das Forças Armadas, por onde irrompeu o Povo que se lhes aliou, num exaltante processo revolucionário. Dessas jornadas que transformaram profundamente o País resta hoje pouco mais do que as liberdades democráticas e direitos constantemente ameaçados pelos que mais tarde haveriam de tomar as rédeas do poder e impor uma política de direita, destruidora das conquistas fundamentais dos trabalhadores e do povo. Resta, porém, uma memória muito viva em todos os que, vindos da resistência ao fascismo ou aderindo a Abril nas primeiras horas, participaram nessas conquista e na sua defesa. E, já hoje, essa memória revive em muitos dos que, vindos depois, partilham os valores de Abril. Dessa memória se guarda certamente a saudade. Mais do que isso, certamente - continua vivo o projecto.
O "Avante!", a partir de hoje e nos próximos números, indagando junto de personalidades políticas, militares de Abril, sindicalistas, intelectuais, publica os seus depoimentos que confirmam uma esperança: Abril é uma saudade e é também um projecto por cumprir. Para cumprir._____
Talvez
outra coisa
Vítor Dias
Membro da Comissão Política do CC do PCP
A resposta
"politicamente correcta" talvez pudesse ser algo do
género "mas qual saudade, qual carapuça, projecto, muito
projecto !". E, no entanto, atrevo-me a pensar que ora aqui
está um dos muitos casos em que a escolha de um só termo deixa
muito de fora e em que a realidade tem mais densidade do que a
semântica.
É que, sobre a "saudade", apetece dizer que também
ela não deslustra humanamente ninguém e, mais do que isso, se
se aproximar do que poderíamos chamar a memória emocionada do
que vivemos, aprendemos, construímos e crescemos com a
revolução democrática, então é mesmo um valioso património
individual e colectivo, essencial para hoje e amanhã.
É que, sobre o "projecto", tememos que a expressão
indicie ou que está tudo por fazer ou que se trata de, pura e
simplesmente, o retomar na sua configuração histórica
original. Ora, o Programa do Partido caracteriza a revolução de
Abril como "uma revolução inacabada" mas não adianta
a ideia de que a grande tarefa próxima seria acabá-la. Antes
formula o projecto de uma "democracia avançada no limiar do
século XXI", em que entram como referências e valores
essenciais todo o património global de Abril - seja na parte
viva, seja na parte ameaçada, seja na parte perdida. O que nos
conduz não a uma ideia de retomada ou recuperação de um
projecto historicamente datado, mas de uma nova e adaptada
apropriação e recriação dos seus grandes valores, causas e
objectivos, à altura dos desafios do tempo que vivemos.
E, para este exigente empreendimento, é indispensável reter uma
lição maior de Abril: a lição do valor imenso, contra
alegadas inevitabilidades e impossibilidades, da confiança dos
trabalhadores e dos cidadãos na eficácia da sua vontade e da
sua luta.
Conquistas
de Abril
permanecem um guia
Vasco Gonçalves
General. Foi Primeiro-Ministro do II ao V Governos Provisórios. Destacado dirigente do Movimento das Forças Armadas
O governo fascista-colonialista foi
derrubado pelo Movimento das Forças Armadas mas, no próprio dia
25 de Abril de 1974, houve um espontâneo e vigoroso levantamento
popular e nacional, em que se destacaram a classe operária, e os
trabalhadores em geral, alguns estratos da pequena e da média
burguesia urbanas, suas organizações sociais e políticas.
As massas populares, arruinadas pela vontade de transformarem as
suas condições de vida, agora, que se podiam exprimir em
liberdade, ao exigirem um empenhamento político e social mais
alargado e profundo do que o inicialmente previsto pelo MFA,
imprimiram uma dimensão revolucionária ao golpe militar.
É ao dar resposta às solicitações quotidianas, persistentes e
legítimas, e ao sentir, ao pulsar do povo, que o MFA converge
com as aspirações populares e surgem a aliança Povo-MFA e as
conquistas democráticas de Abril.
Elas abriram perspectivas de progresso económico, de equidade,
de justiça social, de uma política de desenvolvimento
autocentrado e independente, a caminho de um socialismo de
características basicamente nacionais, no contexto mundial da
época.
Mas estas conquistas têm sido, em particular no domínio
económico e social, destruídas na sua maior parte ou seriamente
comprometidas pela política de direita e contra-revolucionária
dos sucessivos governos constitucionais.
Contudo, 25 anos passados, o momento não é de saudade pelo que
se conquistou e pelo que se tem perdido. Sem dúvida que será
para sempre grata para nós, a memória, a evocação que, pode
dizer-se, nos acompanha no dia a dia da nossa vida, daqueles
momentos em que se via um povo política e socialmente empenhado,
feliz nas ruas e nos campos do latifúndio, forjando com o MFA o
seu próprio destino.
Mas o decorrer da vida da nossa sociedade vem mostrando, cada vez
mais, que a política de dominação do poder económico sobre o
poder político, a globalização neoliberal e, agora, a
intervenção militar de Portugal na guerra injusta que os EUA e
G7, a NATO, fazem contra a Jugoslávia e, ao fim e ao cabo,
contra a Europa, só poderão ser revertidas a favor das mais
largas camadas da nossa população, trilhando os caminhos que as
portas de Abril abriram.
Por estas razões, não é com saudade mas com Abril no coração
e consciente da justeza das suas conquistas, que estas continuam
hoje, passados 25 anos, a ser um guia do projecto alternativo
para o futuro de Portugal, nas condições concretas e objectivas
da nossa situação e tendo em vista a luta por uma Europa dos
povos, de Estados solidários e independentes e não dominada
pelos EUA, seus aliados do G7 (EUA, Canadá, Japão, França,
Alemanha, Itália e Inglaterra) e pelo grande capital
transnacional.
Unidade democrática
Blasco Hugo Fernandes
Engenheiro Agrónomo. Presidente da «Intervenção Democrática»
Não se exclui naturalmente alguma saudade.
Da grande alegria e da unidade democrática dos portugueses que
encheram as avenidas, as ruas e os caminhos de Portugal.
Apoiando, reivindicando e contribuindo para transformar a acção
militar de derrubamento da ditadura numa revolução. Para
instaurar e aprofundar a democracia, usando as liberdades
fundamentais conquistadas e devolvidas ao povo português pelos
«Capitães de Abril».
Mas acima de tudo é um projecto para a permanente,
progressiva e progressista transformação da sociedade,
tornando-a mais justa, mais solidária e mais fraterna. Projecto
com o ponto de partida do Programa do MFA, que desde logo definiu
como objectivo o lançamento das bases de uma nova política
económica e social, ao serviço particularmente das camadas mais
desfavorecidas e em defesa dos interesses das classes
trabalhadoras. Projecto no essencial consagrado na
«Constituição de Abril» - a Constituição da República
Portuguesa apesar dos retrocessos que o seu texto original
sofreu ao longo das diversas revisões. Projecto, enfim,
cuja concretização, a partir da agora e no futuro imediato, se
desenrola no quadro da quarta revisão constitucional (1997), que
dá guarida à introdução de constantes aperfeiçoamentos, ao
combate contra as injustiças e as exclusões sociais, à
aplicação de medidas e a alterações estruturais
indispensáveis ao progresso social e, por último, à
configuração de políticas e de projectos alternativos para a
sociedade portuguesa. Num processo tanto quanto possível
inserido, e por isso reflexo, do movimento social, pela
consciência da importância da sua participação nas decisões
que dizem respeito ao presente e futuro do país. Tendo em conta
que somos parte integrante da União Europeia e que, por essa
razão, o projecto não pode deixar de incluir o esforço pela
construção de uma Europa (comunitária) de coesão económica e
social, de cooperação e co-desenvolvimento.
Projecto de futuro
Manuel Carvalho da Silva
Coordenador da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses - Intersindical NacionalCoordenador da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses - Intersindical Nacional
Saudade não, razão de comemoração sim,
projecto sempre.
Saudade não, porque o passado está presente.
Razão de comemoração porque, sendo memória de muitos anseios
reprimidos, de muitos desejos gorados, de muitas canções
caladas, de muitas palavras não ditas, das prisões e torturas,
é, sobretudo, memória das cumplicidades amigas, das
solidariedades expressas, das acções conjuntas que desaguaram
no abraço fraterno de um povo que se reencontrou consigo e com a
sua história, com, com a liberdade e com a dignidade, produzindo
profundas mudanças políticas, económicas, sociais e culturais
na nossa sociedade.
Mas é, sobretudo, projecto sempre renovado de um futuro mais
justo, alicerçado nas esperanças daquelas lutas, nos sonhos das
madrugadas sem sono.
Projecto sempre renovado de valorização do trabalho e dos
trabalhadores e das suas organizações de classe - os sindicatos
- enquanto forma contra-poder, veículos de instabilização das
consciências e promotores da participação dos trabalhadores, a
todos os níveis, e da sua transformação em sujeitos da
própria acção na construção de uma sociedade melhor.
Projecto sempre renovado de fazer mais e melhor, na incansável
tarefa de dar combate aos novos e velhos problemas: a injusta
distribuição da riqueza, os baixos salários, o desemprego e a
precarização laboral, os desumanos horários de trabalho, as
pensões de miséria, os salários em atraso, o trabalho
infantil.
Projecto sempre renovado para fortalecer a solidariedade entre os
«incluídos» e os «excluídos» do sistema, entre os
trabalhadores do activo e os reformados, entre os que têm
trabalho certo e os precários, entre os jovens e os velhos,
entre os empregados e os desempregados, entre os homens e as
mulheres.
Projecto sempre renovado com a esperança, confiança e
determinação da nossa luta por um mundo melhor, assente nos
valores e princípios do 25 de Abril e na utopia, sempre
necessária, do fim da exploração do homem pelo homem.
Projecto de um homem novo, de um tempo novo, de um mundo novo. 25
de Abril, projecto do futuro.
Continuar a luta !
João Torres
Coordenador da União dos Sindicatos do Porto e membro da Comissão Executiva da CGTP-IN
Foram tempos de grande participação. A
revolução estava aí e era necessário alterar tudo. E já!
Depois da mordaça de tantos anos não havia facilidades para
nada nem para ninguém. O tempo não contava. As decisões eram
tomadas em reuniões intermináveis! Alegria, entusiasmo e calor
humano estavam presentes nas intervenções, nas manifestações,
em tudo quanto se fazia em cada canto ou na rua deste país! Era
preciso garantir transformações que acabassem com a velha
ordem. O futuro estava já ali, ao virar da esquina, e era
preciso estar presente. E estávamos.
Pode haver saudades desse tempo em que dum só golpe se queria
construir uma sociedade de novo tipo, com novos alicerces, que a
todos, sobretudo aos trabalhadores e aos mais desfavorecidos,
trouxesse a felicidade a que se tem direito.
25 anos depois da Revolução, com os avanços e recuos
verificados, o 25 de Abril continua a ser um projecto em que vale
a pena gastar as nossas energias.
A divisão da riqueza que este povo produz retrocedeu para
níveis anteriores a Abril de 74; apareceram novos grupos
económicos e os velhos, sustentáculos do fascismo,
reconstituíram-se graças à política privatizadora dos
diversos governos de direita em que o PS se inclui; a
globalização e a integração europeia, a par do enfeudamento
ao grande capital nacional e transnacional, têm sido pretextos
para a tentativa de o Estado alienar as funções sociais que a
Revolução de Abril lhe atribuiu; a Segurança Social, conquista
histórica dos mais desfavorecidos e dos trabalhadores, que é
universal, solidária e redistributiva, querem transformar na
esmola dos pobrezinhos, sujeita à gula dos novos/velhos vampiros
da banca e das seguradoras; com os «números clausus» e os
estabelecimentos privados querem que o ensino volte a ser
exclusivo das elites; na saúde, há já muito que vendem a tese
de «quem quer saúde, que a pague!».
O mundo do trabalho reflecte o tipo de sociedade para que nos
querem empurrar. Não há democracia nas empresas; não há
liberdade sindical; há pressões, perseguições e
discriminações; os ritmos de trabalho são aceleradíssimos
porque a competitividade assim manda; a globalização da
economia e a deslocalização das empresas são ameaças
permanentes; e o desemprego também; os direitos não contam
porque o emprego já é um privilégio que é preciso preservar;
os salários são miseráveis em muitos sectores de actividade;
as novas tecnologias têm servido exclusivamente ao grande
capital para aumentar os lucros e o exército de mão-de-obra
disponível.
25 anos depois da Revolução dos Cravos, o governo do PS desfere
um violento ataque aos trabalhadores com o Pacote Laboral de que
destacamos pela negativa a intenção de reduzir o direito a
férias, de reduzir salários com alterações dos conceitos de
remuneração e de trabalho nocturno e de «repartir» o emprego
através da introdução do trabalho a tempo parcial! Tudo isto
à mistura com benefícios e mais benefícios para os patrões e
duma intencional descapitalização da Segurança Social!
A maioria dos nossos reformados vivem situações de verdadeira
pobreza, tal o nível das suas pensões de reforma; o desemprego
é tratado por alguns como um fenómeno inevitável, mas conduz a
sociedade portuguesa para a exclusão social crescente
acompanhada de níveis de insegurança alarmantes; a
toxicodependência e a prostituição, normalmente associadas ao
tráfico de drogas, são chagas que não podem ser iludidas.
Com este cenário é preciso concretizar o projecto do 25 de
Abril! Não foi para isto que a Revolução se fez!
Há que continuar a luta para transformar este país. É preciso
prosseguir Abril, pôr fim à exploração do homem pelo homem,
assumir a democracia e a liberdade participadas. É preciso
garantir e alargar direitos.
O socialismo não é uma miragem. É preciso acreditar que é
possível.
Um
projecto
que não pode morrer
Alfredo Flores
Músico. Presidente da Federação Portuguesa das Colkectividades de Cultura e Recreio
Quando naquela manhã de Abril, à porta da
Gulbenkian, ouvi o polícia, que durante a noite tinha feito um
«gratificado» na vigilância da sede daquela instituição,
vociferar contra as movimentações militares desencadeadas nessa
madrugada dizendo que isto devia ser alguma «revolução que se
resolvia com o chanfalho», não podia suspeitar, sequer, das
muitas e muitas portas que a partir de aí se haviam de abrir e
das profundas transformações operadas em todos os sectores da
vida portuguesa.
Como músico não posso deixar de recordar, com saudade, o
frenesim revolucionário que animava a vida musical portuguesa. O
momento em que os músicos das orquestras sinfónicas avançaram
para as fábricas e para as colectividades de cultura e recreio
tocando para trabalhadores que até então nunca tinham tido
qualquer contacto, ao vivo, com esta importante área da cultura,
mostrando aos operários e demais trabalhadores que as músicas
ali tocadas, fossem elas de Mozart, Beethoven, Lopes Graça,
Jorge Peixinho, etc., eram fruto do trabalho e do talento da sua
laia, de gente oriunda das classes sociais laboriosas, que soube,
por experiência vivida, o que era a miséria, de gente vítima
dos mesmos exploradores que usurpavam a riqueza criada nos
campos, nas fábricas, nas oficinas ou nas fainas da pesca.
Como associativista guardo na memória a autêntica explosão de
colectividades que então se criaram e que foram engrossar o
número daquelas que, durante a noite fascista, constituíram
autênticas trincheiras de resistência, onde as manifestações
de cultura popular eram, quase sempre, presenteadas com uma
guarda de honra da Pide.
Espaço de liberdade, de cultura, de resistência; escola de
democracia responsável pela formação de inúmeros quadros que
foram desempenhar funções de grande responsabilidade nos
sindicatos, nas auarquias, no poder central; parceiro activo e
entusiasta nas acções de dinamização cultural levadas a cabo
pela 5.ª Divisão do MFA, o Movimento Associativo de Raiz
Popular contribuiu de forma significativa para a Aliança
Povo/MFA.
Portanto, tenho saudades dos tempos em que ser português era
motivo de orgulho redobrado. Como projecto norteado pelos valores
humanistas que dignificam a condição humana, ele não pode
morrer.
Um projecto que ainda não se concretizou
Abílio Dias Fernandes
Pesidente da Câmara Municipal de Évora
25 anos depois da Revolução do 25 de Abril
ter libertado Portugal de um regime obsoleto e opressivo e
modificado profundamente as estruturas da nação portuguesa,
impõe-se uma reflexão profunda sobre o que foi feito neste
quarto de século mas, sobretudo, sobre o que ficou por fazer.
E quando se homenageia a coragem dos jovens capitães de Abril,
não podemos também esquecer o papel preponderante do PCP que,
informado do que se passava, foi capaz de mobilizar rapidamente a
população, cujo apoio foi imprescindível ao mais rápido
desenlace do movimento iniciado pelo MFA.
Paralelamente a estas homenagens, as comemorações deste quarto
de século de liberdade deverão constituir uma oportunidade para
reafirmar os ideais que, durante a longa ditadura salazarista,
alimentaram a luta dos democratas e do povo português.
Com efeito, este 25º aniversário corresponde ao ressurgimento
de ameaças que têm que ser contidas a todo o custo:
limitações dos direitos sociais conquistados, o acentuar de
desigualdades, os recuos face a uma Europa que, cada vez mais,
ameaça a nossa própria soberania, as operações de
branqueamento de um ditador agora reconvertido em
"anti-fascista", a desculpabilização crescente dos
homens que, durante anos, torturaram e mataram quem
se atrevesse a reclamar justiça.
Comemorar Abril é não deixar esquecer os milhares de mortos
portugueses, africanos e timorenses e saudar o estabelecimento de
um novo relacionamento com povos a quem nos ligam laços muito
particulares e que se exprimem na mesma língua de Camões,
Pessoa e Saramago.
A data que hoje celebramos marca o início de um processo onde
muito ainda se encontra por cumprir.
O Portugal real ainda está demasiado longe do que pretendemos
para ele: está ganha a liberdade, a conquista dos direitos
cívicos, a dignificação das mulheres e dos idosos. Mas a
solidariedade, a igualdade, a justiça ainda não se alargaram a
todos os portugueses.
Mais do que nunca, há que lutar pelo aprofundamento da
democracia, em todas as suas vertentes, pelo reforço do Poder
Local, pela tolerância, pelo desenvolvimento.
O Alentejo continua esquecido, apesar de se ter transformado,
neste momento, num lugar de passagem obrigatória de Ministros e
Secretários de Estado, que visam ganhar votos com estas
visitas-relâmpago, esquecendo que os alentejanos sempre souberam
ser coerentes consigo próprios.
O 25 de Abril abriu as portas ao futuro e, para que ele se
cumpra, há que ultrapassar os efeitos da aplicação, no nosso
país, das doutrinas neo-liberais que, com a sua reconhecida
incapacidade de resolver os problemas sociais, ameaçam os
direitos conquistas em áreas tão importantes como a saúde, o
ensino e a segurança social.
Para continuar Abril, há que lutar pela reposição dos valores
de uma verdadeira política de esquerda. Se queremos continuar
Abril, temos que dar esperança aos que a não têm, voz aos que
estão silenciosos, e defender o fim da guerra, que ameaça de
novo a Europa, lutando simultaneamente por uma solução
pacífica para a questão de Timor.
Abril
não foi.
Abril é !
Rui Godinho
Vereador do PCP e Presidente substituto da Câmara Municipal de Lisboa
Posta a questão: «25 de Abril, saudade ou
projecto?», respondo desde já que saudade não, memória sim.
Há que ter a memória para, pedra a pedra, ir edificando o
projecto do 25 de Abril, tanto o que cada um de nós tem dentro
de si, como o que globalmente representa para o povo português.
No vai e vem da História, nos avanços e recuos dos muitos
episódios do processo político, há aquisições que têm que
ser irreversíveis: a liberdade, a democracia, a cidadania.
Mas, 25 anos passados, há ainda muito Abril por cumprir. É
também por isso que é essencial ter memória e que ela não
seja curta e, fundamentalmente, que não seja deturpada ou
reescrita como alguns vão pretendendo fazer.
O 25 de Abril é, para mim, um projecto permanente, do dia a dia,
um projecto em construção, desde aquela madrugada que mudou a
vida de todos nós.
Exige um continuado esforço de cidadania, entendida como
participação activa e informada das populações no presente e
no futuro.
Implica, por isso, que se evolua de uma democracia representativa
para uma democracia cada vez mais avançada, onde a intervenção
dos cidadãos na resolução dos problemas locais, regionais e
nacionais se faça de uma forma qualitativamente mais elevada,
não se conformando, por isso, com o nível de representação
institucional.
Determina que, a par do aprofundamento democrático, da
resolução das carências e das distorções do desenvolvimento
e da descolonização que falta cumprir (Timor), se inscrevam nas
batalhas diárias, a luta pela falta de emprego, pelo direito ao
trabalho e pela justiça social, pela correcção das assimetrias
e desigualdades e o combate a todas as formas de exclusão.
Convoca-nos, a todos, para a rejeição da guerra e a
construção da paz e para enfrentarmos os grandes desafios do
futuro: a alternativa ao neoliberalismo e à globalização
devastadores do respeito pela condição humana, para a defesa do
ambiente e o estabelecimento dos caminhos do desenvolvimento
sustentável.
Abril é, portanto, um projecto quotidianamente renovado,
exigindo sempre novas respostas a velhos e novos problemas, quer
local quer globalmente.
Repito: saudade, não memória atenta e projecto sempre. Em
construção.
Momento mágico
Luiz Francisco Rebello
Dramaturgo. Presidente da Sociedade Portuguesa de Autores
Eu direi: Saudade e projecto.
Saudade de um momento histórico a que apeteceria chamar mágico
se não tivesse sido espantosamente real. De um tempo em que o
sonho se tornou realidade e andava à solta pelas ruas de uma
cidade (um país) enfim livres, fecundando o nosso quotidiano. Da
esperança acendida nos nossos corações, transformada em mãos
que construíam o futuro.
Saudade, sim. Mas não entendida como contemplação nostálgica
do passado. Saudade como memória desse futuro antevisto,
entrevisto, esboçado, adiado. Apenas adiado. Saudade portadora
de um projecto incumprido, da esperança de o cumprir.
E, desta vez, na sua plenitude.
Por uma «Vila Morena»
César Príncipe
Jornalista do "Jornal de Notícias"
Digo-vos, camaradas, companheiros e amigos,
que o 25 de Abril é o projecto da saudade. Da saudade porque há
25 anos estivemos mais perto do que nunca da transformação do
ideal em real e da saudade porque desde tempos seculares e
milenares que o Homem, que o melhor do Homem e os melhores da
Humanidade têm lutado por mais justiça, por mais liberdade, por
mais verdade. Digo-vos que o 25 de Abril perfez 25 anos e que o
PCP perfez 78 anos. Digo-vos que estou no PCP porque é a força
cívica que mais lealmente tem pugnado por um projecto
democrático, projecto que não exclui nem dispensa a
participação popular nem o alargamento da consciência às
multidões. Digo-vos que comemorar o 25 de Abril é defender os
seus valores estruturantes (constitucionais e sociais), é
defender a voz oculta dos oprimidos e dos explorados. Digo-vos
que ainda não se inventou na História outra saída senão o
socialismo para a libertação dos desfavorecidos. Digo-vos que o
25 de Abril como projecto é a razão maior de ser cidadão e
português, constantemente retomando as chaves que permitiram a
introdução dos seus princípios nas muralhas dos novos
bárbaros. O 25 de Abril, enquanto projecto, enquanto modelo de
poder das maiorias (poder efectivo), mantém premente
actualidade, já que a restauração do capitalismo, para além
da repartição táctica de algumas esmolas, não conseguiu nem
conseguirá instaurar uma comunidade fraterna e respeitadora do
desenvolvimento integral.
Digo-vos que é mais do que urgente cerrar fileiras contra os
cães de fila, que é mais do que imperioso denunciar todas as
expressões de legitimação dos senhores da riqueza e da guerra.
Digo-vos que apenas se assinalará correcta, condigna e
convictamente o 25 de Abril sentindo saudade dos seus dias
esplêndidos de povo nas ruas e de militares armados de flores.
Digo-vos que o 25 de Abril precisa de reconquistar posições
todos os meses, todos os dias. Todos os locais são postos de
resistência e de comando. Todas as bocas são necessárias para
levar e elevar os cânticos de Abril. Por isso, há que ter
saudade, a fim de recuperarmos a energia e a chama. Por isso, há
que manter inscritas na carta nacional de intenções as linhas
programáticas da Revolução dos Cravos.
Assim vos digo, até amanhã, camaradas, companheiros e amigos.
Sempre alguém engrossará a torrente dos protestos. Sempre
alguém temperará o aço da vontade nos combates que dão
carácter à vida e conforto à inteligência. O 25 de Abril,
para mim, é a prescrição do indeclinável dever de não
pactuar com os salteadores. É declarar presente nas
circunstâncias adversas. É ser «homem sem sono» até ao
derradeiro minuto, até que outros empunhem a mesma bandeira,
até que Portugal se torne uma «Vila Morena».
Um fado por cantar
Carlos do Carmo
Cantor
Embora fadista, a saudade não é o meu
ponto forte.
25 de Abril de 1974, saudade? Só se for do futuro; porque nunca
me recordo na minha existência de ter visto o meu Povo tão
feliz. Acredito que um dia o voltará a ser.
25 de Abril de 1974, um projecto? Para aí já me inclino, pois
não se sai de um atraso de décadas (sobretudo de mentalidades)
e qual varinha mágica aí tendes a pureza de Abril, toda
concretizada como se Portugal fosse o único país no mundo...
A nossa Constituição de uma forma muito clara contempla cada
cidadão nos seus direitos: à educação, à saúde, ao trabalho
e à habitação numa palavra à dignidade. Vinte e
cinco anos depois vivo com uma sensação que me inquieta: somos
pobres com mentalidade de ricos (lá está a mentalidade) e a
Constituição não se cumpre.
Naturalmente que já não existe uma polícia política, que
prendeu arbitrariamente, humilhou, torturou e destruiu vidas.
Também já não temos uns senhores que com os seus lápis de
censores agrediam a inteligência a cada minuto.
Portanto democratizámos.
Quanto ao desenvolvimento, tenho a sensação que a
governação destes anos tem navegado à vista, em contraste com
os grandes navegadores da nossa história.
A descolonização, que na minha opinião foi, com todas
as condicionantes e feridas que deixou, a possível na conjuntura
universal da época, deixa-nos a todos tristes porque
gostaríamos de ter visto os povos irmãos em paz e
desenvolvimento. Mas África é outra estória. É muito
sofrimento, muita felicidade adiada (quem sabe, daqui a cinquenta
anos) e muita incompreensão para uma civilização que,
infelizmente, não tem recebido o devido respeito.
Espero um dia morrer com saudade de um bom projecto realizado.
Que grande fado. Maior para ser cantado, esse!
Volta, 25 de Abril !
Urbano Tavares Rodrigues
Escritor. Professor jubilado da Faculdade de Letras de Lisboa.
Se o 25 de Abril para mim é saudade?
Decerto. A festa revolucionária, tão aberta, feliz e
espontânea, tal como foi, não volta mais. Será diferente o
triunfo do socialismo, quando se der, por entre os escombros do
capitalismo global, talvez em horas muito amargas. E essa
construção da democracia integral, sonho deste século não
cumprido, provavelmente já não o viverei.
O 25 de Abril como projecto? Sim. Estão lá em germe todas as
promessas que importa tornar em verdade prática: a da liberdade
e a da fraternidade, a da efectiva, autêntica igualdade de
direitos. A discussão na base, a vontade de cultura, primeiro
degrau para a emancipação dos dominados, dos pobres, dos
alienados, dos novos escravos que o neoliberalismo económico
está criando por toda a parte, ao mesmo tempo que multiplica
riquezas nas mão da hiper-burguesia que controla a finança e os
media. É essa pirâmide social que o 25 de Abril terá de
abater quando voltar.
Esperemos que não volte demasiado tarde. Porque as fontes da
vida, da verdadeira vida, estão a querer secar, no coração dos
homens e nas veias da natureza - florestas, toalhas de água,
jazidas de petróleo... Falo do mundo, onde crescem o desemprego,
a perda de regalias dos trabalhadores, e exclusão dos mais
fracos e dos diferentes, paralelamente à agonia das espaços
verdes, à uniformização das culturas nacionais, rtendidas à
mediocridade de valores do impèrio norte-americano.
Vem, 25 de Abril!, vem outra vez, sob outra forma, mas ainda
revolução sem sangue, chama acesa de dignidade, futuro em flor
vermelha, tal como foste para nós e para quantos, da Europa e do
Mundo, Abril conheceram.
O
direito do 25 de Abril
a autodeterminar-se
Oscar Mascarenhas
Redactor principal do "Diário de Notícias", Presidente do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas
Digam-me cá: um filho é uma saudade
ou um projecto de futuro?
Claro que é uma saudade, a saudade do que vimos nascer e crescer
nas nossas mãos. Saudade do tempo em que o mundo tinha de se
arredar, abrir alas, para deixar o nosso menino passar
gatinhando, amarinhando, sujando até que logo se
limparia. Mas isso é, essencialmente, saudade de tudo o que
sonhámos para ele. Tinha o horizonte do mundo completamente
rasgado à sua frente. O seu projecto de futuro não tinha
limites: no nosso sonho, para onde quer que apontasse, atingiria
a felicidade e o sublime.
Temos, pois, saudade do imenso projecto de futuro que foi o nosso
filho.
Depois, por condicionantes de fora e pelas suas próprias
escolhas, pelo seu trabalho ou pela sua preguiça, pelas bravuras
ou pelos medos, pelas certezas que teve e pelas hesitações em
que se enredou, enfim, pelo seu próprio carácter, o projecto de
futuro foi fechando o ângulo à sua frente, reduziu-se. No
fundo, apenas está mais bem focado no zoom, eliminou-se o
esbatido do sonho para deixar ver melhor os contornos do
possível.
Revoltamo-nos contra o filho que tem à sua frente um leque de
sonhos menor do que aquele que julgávamos Ter-lhe proporcionado?
Ná! Podemos rabujar e resmungar para dentro mas que ele
não oiça, para não se complexar... mas sacudimos logo a
tristeza e se o futuro é dele, só nos compete ajudá-lo,
à distância.
E um dia reparamos que, afinal, o futuro não era só dele, era
nosso também, que os passos que ele foi dando no seu futuro, nos
transformaram a nós. Nós, os criadores, transformados pela
cria! Damos por nós orgulhosos do que ele faz e é capaz,
sinceramente orgulhosos do que ele faz e é capaz, esquecidos do
que o julgávamos capaz de fazer. E nutrimo-nos desse seu
projecto de futuro, emprestamos-lhe alma e alento, um
empurrãozinho aqui, uma ajudazinha invisível acolá,
assumindo-nos como heróis cada vez mais secretos do seu destino.
Enquanto não renegar o essencial que lhe podemos exigir, o nosso
filho merece tudo! Nunca deixamos de ser os militantes número um
dos nossos filhos, porque será?
E se nos conformámos a aceitar que o nosso filho, a coisa mais
feita das nossas próprias entranhas, se autodeterminasse, como
não havíamos de o fazer a este nosso filho colectivo, fruto de
muitos sonhos desencontrados, a que demos o nome de 25 de Abril?
Temos muitas saudades do que quiséssemos que fosse, que o mesmo
é dizer apetece-nos saborear de novo os sonhos que sonhámos
para ele. Mas estaremos lá, a pé firme, a seu lado, a ajudá-lo
a dar o melhor rumo ao seu futuro. Rabujámos e resmungámos
muita vez nestes últimos 25 anos, mas nem por um minuto perdemos
a esperança nele, nem por um segundo o renegámos!