25 anos de Abril em Lisboa
A festa maior

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A ciência não há-de atraiçoar tantas memórias que, durante o desfile de domingo, navegaram do Marquês de Pombal até à beira Tejo, num mar de gente como há muitos anos não se via na Avenida da Liberdade. As memórias confessavam e a ciência, certamente, se encarregará de confirmar e detalhar: a festa dos 25 anos foi grandiosa, enorme, cheia e longa, foi a maior comemoração da revolução em todo o tempo em que comemorar começou a significar também resistir. Mas estas memórias, com muitas festas de Abril já vividas, têm a sua margem de erro: é que, apesar de serem memórias, navegam com rumo ao futuro.

Não passava muito das marcadas 15.30, quando o chaimite carregado de jovens e crianças atravessou a rua Alexandre Herculano, avenida abaixo, dando o sinal de partida para o desfile popular que, em Lisboa, constituiu o ponto mais alto das comemorações dos 25 anos da Revolução de Abril. Atrás do blindado – este ano, verdadeiro, com matrícula MX e fumegando como se já tivesse 25 anos em 1974 -, tocava a fanfarra da Filarmónica Verdi, seguida a uma vintena de passos por umas dezenas de crianças da associação Pioneiros de Portugal, cantando «Parabéns a você» ao 25 de Abril. Num quadrado de faixas vermelhas, vinham então os membros da comissão promotora das comemorações populares - dirigentes e representantes de associações e colectividades, partidos políticos, estruturas sindicais - e diversas outras personalidades que subscreveram o apelo à participação no desfile.

Atrás vinha uma multidão, que antes tínhamos visitado, nas artérias que confluem para a Praça Marquês de Pombal, ainda na azáfama de preparar faixas e estandartes. Mas à frente também já estava uma avenida cheia de povo, passeando a alegria de encontrar amigos e camaradas, ou aguardando na berma do passeio a passagem do desfile, para aplaudir e saudar as figuras mais conhecidas, as palavras de ordem mais certeiras, os ranchos folclóricos, os grupos de manifestantes mais queridos. Só lá para as seis e meia é que chegariam ao Terreiro do Paço os últimos carros alegóricos, acompanhados por umas centenas de moradores do concelho do Seixal. Entre eles e o chaimite que encabeçava o desfile passaram milhares de jovens e idosos, homens e mulheres, netos e avós, rostos conhecidos do público e íntimos anónimos que Abril vem juntando. Chegaram à avenida vindos de Alfama ou da Apelação, de Almada, de Odivelas, de Carnide, da Graça ou da Charneca, da Brandoa, da Buraca, de Rio de Mouro, Oeiras ou Cascais... Nas faixas e nas palavras de ordem transportavam aspirações e exigências que continuam a ser de Abril, da democracia, da paz, da solidariedade, do trabalho, da dignidade, da justiça, da liberdade, do futuro em construção. Para além dos cravos omnipresentes, o vermelho surgia nas camisolas, nas calças e nos casacos, pisando bem tratar-se ali da festa da revolução; e reinava nas bandeiras, apenas vermelhas ou com símbolos do PCP, da JCP; o rosto de Che Guevara aparecia até nas t-shirts da JS/Lisboa, levadas por uma dezena de rapazes e raparigas. Também pelo exotismo, mas ainda mais pelo ruído dos motores, sobressaía logo atrás, um grupo de motards.

Vivamente aplaudidos, muitas dezenas de timorenses levaram para o desfile capacetes azuis (daqueles que a ONU devia usar para suster a besta indonésia). O protesto contra as bombas da Nato na Jugoslávia esteve presente em todo o desfile e a exigência de paz foi das palavras de ordem mais repetidas neste 25 de Abril, em que participaram delegações da Galiza e do País Basco.

A pensar noutra grande festa, já no próximo domingo, estavam os milhares de sindicalistas e trabalhadores de dezenas de empresas, sectores e estruturas gritaram no 25 de Abril que não estão dispostos a ceder importantes direitos conquistados antes e depois da revolução de 1974 e que, com o pacote laboral do Governo PS, estão gravemente ameaçados. Na festa maior de Abril, ficou o apelo forte às lutas de Maio que agora se seguem.


«Avante!» Nº 1326 - 29.Abril.1999