A luta de um povo
erguida em monumento

_______________________________

Os 25 anos do 25 de Abril foram assinalados no Couço com um monumento que gravou na forma e na pedra os passos mais representativos da luta ímpar de um povo que ao longo dos anos soube sempre o que quis e de que lado estava.

Na antiga Praça de Jorna, a multidão juntava-se aos poucos. Faltava pouco mais de meia hora para o meio dia, a hora marcada para a inauguração. Recolhidas sob as franjas de sombra das árvores do pequeno jardim (que outrora deu assento a uma igreja, demolida no entusiasmo da revolução com a pitoresca ajuda de duas freiras), as pessoas aguardavam de cravo vermelho nas lapelas, trocando cumprimentos e conversas de ocasião.
Defronte, ao lado do monumento que atraia com regularidade a curiosidade de alguns, estava um palco munido de potentes colunas de som de onde saía a música de José Afonso, conferindo ao recinto um inegável tom de festa que a atitude calma dos presentes parecia contrariar.

Mas eis que se ouve um burburinho e as cabeças viram-se para um grupo de pessoas que caminhava em direcção ao monumento, enchendo toda a largura da rua. Entre elas, uma destacava-se em particular e foi ao seu encontro que vários homens e mulheres se dirigiram, dizendo entre si: «olha, ali está ele».
«Ele» era Álvaro Cunhal, o dirigente histórico do PCP, a quem muitos populares fizeram questão de cumprimentar com amplos sorrisos nas faces, sentidos abraços e lágrimas de comoção que brotam nos reencontros de camaradas de longa data.
De repente, a praça ficou cheia. A bandeira foi descerrada e os pombos foram largados enchendo por momentos o espaço com um bater de asas que depressa se dissolveu no céu. O monumento, ao povo do Couço e à sua luta, como referiu Diamantino Ramalho, presidente da Junta de Freguesia, estava inaugurado.
Álvaro Cunhal, chamado a intervir, fez questão de lembrar que a conquista da liberdade foi alguma coisa mais do que a acção heróica dos capitães de Abril. Foi uma luta persistente de muitas gerações que em vários pontos do país se opuseram e resistiram ao regime fascista e pugnaram pela liberdade e instauração de um regime democrático, disse, salientando em particular o exemplo do povo do Couço.
O dirigente comunista considerou ainda que esta «longa história precisa de ser bem contada» e criticou os que não só deturpam os acontecimentos subsequentes ao 25 de Abril, como tentam branquear a própria ditadura fascista. Álvaro Cunhal lembrou que não foram os generais que acabaram com a PIDE e libertaram os presos políticos, mas foi o povo juntamente com militares revolucionários que levou a cabo essas acções, desafiando as ordens dos generais da Junta de Salvação.

A propósito do processo revolucionário, no qual o povo português teve um papel decisivo, Álvaro Cunhal recordou a Constituição de 1976, aprovada pela esmagadora maioria dos 259 deputados das diferentes forças políticas, com excepção do CDS, sublinhando que, nesse texto, «está, artigo por artigo, o que foi a revolução de Abril».
O fim do domínio e da exploração dos trabalhadores pelo grande capital e dos grandes latifundiários, a construção do socialismo em Portugal, a nacionalização dos sectores chave da economia, a realização de uma reforma agrária – são objectivos que foram inscritos na Constituição e que surgem igualmente em programas partidários nomeadamente do Partido Socialista e do PPD.
«Das duas uma, ou estavam convencidos e depois se arrependeram ou já estavam a enganar o povo», observou Álvaro Cunhal, lembrando que esses partidos iniciaram logo a partir do primeiro Governo Constitucional o processo contra-revolucionário que tem durado até hoje.
As últimas alterações à Constituição e os constantes ataques aos direitos laborais foram ainda alvo da crítica do dirigente comunista que considerou estarmos a caminhar para uma democracia degradada, em que dois partidos sem grandes diferenças entre si aplicam alternadamente a mesma política contrária aos interesses dos trabalhadores.

Álvaro Cunhal concluiu com uma referência à guerra contra o Kosovo, em que lamentavelmente Portugal se vê envolvido e contra a qual já antes se tinha pronunciado Rui Feiteira, em nome dos jovens da freguesia.
«É uma guerra injusta de agressão contra um país soberano decidida pela NATO», disse o dirigente comunista, acrescentando que não se trata apenas de um conflito regional mas de um conluio das forças do grande capital para dominar todo o mundo e arrasar todos os que se lhe oponham.


«Avante!» Nº 1326 - 29.Abril.1999