25 de Abril em Lisboa
Jantar reúne 2000 pessoas


Em Lisboa, a Direcção da Organização Regional do PCP, comemorou os 25 anos do 25 de Abril, na sexta-feira passada, na Gare Marítima de Stª Apolónia, com um jantar-volante que juntou cerca de 2000 pessoas, entre as quais se contavam o secretário-geral do PCP, Carlos Carvalhas, e Ilda Figueiredo, cabeça de lista da CDU às eleições para o Parlamento Europeu.

Era, porém, muito alargado o leque de participantes nesta comemoração. De facto, para além de muitas centenas de militantes e simpatizantes comunistas, o jantar teve a adesão de largas dezenas de personalidades (militares, intelectuais, autarcas e sindicalistas) de várias sensibilidades políticas e democratas dos mais diversos sectores profissionais. Alguns «capitães de Abril», impossibilitados de comparecer, justificaram a sua ausência e fizeram chegar à iniciativa as suas saudações.
Um pavilhão já completamente restaurado recebeu os convivas, a quem foram servidos, antes do jantar, alguns aperitivos na esplanada, de onde ao longo da muralha se podia vislumbrar toda a beleza do rio e da margem sul e cuja decoração se subordinava ao actual momento político.
Inicialmente previsto para cerca de 800 pessoas, o jantar teve uma adesão de tal maneira grande que se tornou difícil encontrar um local para a sua realização. Aliás, essa adesão massiva foi uma das razões por que, aqui ou ali, surgiram falhas no fornecimento de comida que, contudo, estiveram longe de ensombrar o clima de confraternização e espírito de Abril que nessa noite se viveu.
Quase no fim do jantar, que decorreu sempre num ambiente de alegria e confiança – ou não estivessem lá tantos jovens! -, Linda Silva subiu ao palco e recitou um poema , dando imediatamente lugar ao momento político.
O primeiro orador, António Andrez, membro da Comissão Política e responsável pela organização de Lisboa, numa curta intervenção sobre a efeméride, deu um particular destaque às 249 inscrições no PCP, verificadas desde o princípio do ano no distrito.
Ilda Figueiredo proferiu, depois, uma saudação a que se seguiu a intervenção de Carlos Carvalhas (extractos em separado) abordando as principais questões nacionais e internacionais que marcam o actual momento político.
E foi com o espectáculo «Guitarra Portuguesa ...Carlos Paredes» - com interpretações de Luísa Amaro na guitarra, João Courinha no saxo e João Bengala na viola - que terminou o jantar promovido pela ORL de comemoração do 25º aniversário do 25 de Abril.

Passava, porém, já da meia noite quando as pessoas começaram a abandonar o local... onde entretanto tinham sido retidas pela actuação da tuna de Agronomia de Lisboa.

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Carlos Carvalhas em Lisboa
Política neoliberal é contra ideais de Abril

No jantar realizado em Lisboa, Carlos Carvalhas, considerando que «mais do que uma discussão sobre o passado, o 25 de Abril é sobretudo uma afirmação do presente e uma referência essencial na luta para um futuro melhor, por um Portugal mais justo e mais fraterno», denunciou a desresponsabilização do Estado em áreas fundamentais como a saúde, o ensino e a habitação.

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Ao comemorarmos hoje o 25º aniversário do 25 de Abril, data maior da nossa história, em que alguns a pretexto do apaziguamento na sociedade o procuram deturpar ou tornar anódino como se ele não tivesse sido contra ninguém, as nossas primeiras palavras de homenagem vão para os corajosos capitães de Abril que naquela inesquecível madrugada, abriram decisivamente o caminho da liberdade e da democracia e que merecidamente ganharam um lugar no coração dos portugueses e das portuguesas.
Passados 25 anos queremos renovar também, neste jantar, a nossa homenagem e profunda gratidão a todos os patriotas, a todos os democratas e antifascistas, a todos os homens e mulheres que ao longo de décadas de um combate incerto e difícil empenharam as suas forças e energias, muitos sacrificando até as suas próprias vidas para que fosse posto fim a um ciclo negro e repressivo da nossa história.(...)


Timor e a hipocrisia internacional

Tragédias e sofrimentos que neste 25º aniversário atingem também os povos de Angola e Timor.
Timor é uma causa que sempre foi considerada nacional. Mas também por isso, não podemos deixar de sublinhar que o governo português que pede agora tudo à ONU, acerca de Timor objectivamente deu o seu apoio, na agressão à Jugoslávia, à marginalização da ONU e do direito internacional. E este apoio objectivo do Governo português à marginalização da ONU no caso da Jugoslávia, legitima as posições de dois pesos e duas medidas, que agora tanto "choca" o Primeiro-Ministro, e enfraquece a causa de Timor.
De facto como é que se compreende que o Governo português tenha envolvido Portugal numa agressão a um país soberano a pretexto da defesa do povo albanês do Kosovo que tem sido usado como carne para canhão e nunca tenha dito, por exemplo, uma palavra sequer em defesa do povo Kurdo massacrado pelo governo turco?
O Primeiro-Ministro só agora é que reparou na prática de dois pesos e duas medidas em relação a Timor. Nunca tinha dado conta da mesma postura em relação aos angolanos ou em relação aos Palestinianos... Deve ter andado noutro planeta. As resoluções da ONU em relação ao povo martirizado de Angola nunca foram cumpridas, nem a UNITA tem cumprido os acordos livremente celebrados.
E sobre tudo isto é feita vista grossa. É uma tremenda hipocrisia. O mesmo se passa em relação às resoluções da ONU em relação a Timor com a cumplicidade farisaica da chamada comunidade internacional". Ali Alatas disse há dois dias, que uma força de manutenção de paz em Timor, nem pensar. Só observadores para a consulta eleitoral. E agora o que é que faz Guterres – vai continuar a telefonar a Clinton enquanto prosseguem os assassinatos em Timor? Vai confirmar com o Clinton, se é verdade, que os americanos já no ano passado planeavam a invasão "humanitária" da Jugoslávia com 200 mil homens, como revela a imprensa internacional esta semana?
Nós reafirmamos que a posição que prestigiaria Portugal, e valorizaria a causa da paz e a causa de Timor era não a submissão aos EUA, mas a defesa na cena internacional do fim dos bombardeamentos à Jugoslávia, com a imediata retoma de negociações que assegurassem o retorno pacífico da população albanesa ao Kosovo, com a sua autonomia e com respeito pelas minorias nacionais e a soberania e integridade territorial da Jugoslávia.
Portugal poderia ter tido inclusivamente, um papel mediador importante conjuntamente com outros países.
E esta posição de "mediador" se tivesse um papel independente, deixando de ser um beligerante defendendo o fim dos bombardeamentos e a imediata negociação política e continuada eventualmente, por uma Conferência sobre os Balcãs, com o objectivo da estabilização e pacificação de toda a região é que servia a causa da paz, da Europa e de Timor.
O governo não deve nenhuma vinculação à NATO, na agressão a um país soberano à margem do direito internacional. O Governo deve-a sim ao povo português, à causa da paz, aos ideais do 25 de Abril, pelo que devia por fim ao envolvimento de Portugal nesta inqualificável agressão, que está a agravar todos os problemas.
E não se diga que a solução negociada ou que a vida em comum entre diversas etnias é impossível.
A convivência pacífica, os casamentos mistos, a cooperação multiétnica, não são uma abstracção idealista, existiam na Jugoslávia com toda a sua complexidade. O croata Tito costumava dizer, para mostrar o mosaico das diferenças que a Jugoslávia não era nada menos do que isto: duas escritas (latina e cirílica), três religiões (católica romana, ortodoxa e muçulmana) cinco línguas (esloveno, servo-croata, macedónio, húngaro, albanês) e seis repúblicas às quais se juntaram em 1974 os territórios autónomos do Kosovo e de Voivodine. E foi o seu desmembramento impulsionado, nomeadamente pela Alemanha, que soprou e impulsionou os conflitos étnicos e nacionalistas.
Os bombardeamentos estão a destruir um país soberano, a atiçar ódios e fracturas étnicas, religiosas e políticas em toda a região.
A agressão à Jugoslávia agravou todos os problemas e não atingiu os objectivos que proclamava querer resolver, inclusivamente o êxodo dos albaneses do Kosovo que se multiplicou.
Atingiu eventualmente aqueles objectivos que o império americano não explicitou publicamente: o reforço da hegemonia americana, nomeadamente sobre a Europa; a satisfação dos apetites lucrativos dos complexos militares industriais americanos; o afundamento e o desprestígio actual do "Euro" como moeda de reserva; a subordinação da União Europeia ao eixo Washington/Londres, o cerco militar à Rússia.
Esta guerra contra a Jugoslávia é uma vergonha e uma derrota para a Europa. Mas é também uma vergonha para o Governo português e uma ofensa à Revolução de Abril. O Governo português em vez de um posição autónoma continua a envolver ainda mais o país enviando mais homens e agora material de guerra, a pretexto de ajuda humanitária, quando o que se impõe é o regresso imediato das nossas Forças Armadas, cessando a colaboração e a cumplicidade nesta agressão inqualificável.
A exigência da paz nos Balcãs é uma exigência que se inscreve, no espírito, nos objectivos e nos ideais e esperanças de Abril.
Por isso neste 25º aniversário da Revolução que nos trouxe a paz, homens, mulheres e jovens têm gritado na rua "25 de Abril sempre, guerra nunca mais!" (...)


Continuar o combate
pelos ideais e esperança de Abril

A Revolução foi sonho e esperança, foi festa e liberdade, em que se inscrevem as grandes transformações políticas, económicas, sociais e culturais, foi a institucionalização do poder local democrático e a consagração de importantes direitos dos trabalhadores e dos cidadãos.
Foi a submissão do poder económico ao poder político e foi a reforma agrária nos campos do Alentejo e do Ribatejo com a dignificação dos que inspiraram o romance "Levantado do Chão".
Reforma tão sentida que hoje é também defendida pela igreja e mesmo por aqueles que a ajudaram a destruir, como o Partido Socialista, que agora até promete para o século XXI, uma reforma agrária para o Alentejo...
Mas, mais do que uma discussão sobre o passado, o 25 de Abril é sobretudo uma afirmação do presente e uma referência essencial na luta para um futuro melhor, por um Portugal mais justo e mais fraterno.
Por isso, comemorar Abril nos dias de hoje é continuar o combate à desresponsabilização do Estado em áreas fundamentais como a saúde, o ensino e a habitação, é combater a reconstituição das oligarquias financeiras, as exclusões sociais e a pobreza, é garantir às mulheres uma efectiva participação em igualdade e à juventude um emprego e uma escola de qualidade e democrática, é apoiar os deficientes e melhorar a vida dos reformados, pensionistas e idosos.
Creio camaradas, que foi justo termos exigido o cumprimento da segunda fase do aumento extraordinário dos pensionistas e reformados e termos defendido que esta deveria ter concretização no 25 de Abril e abrangendo um universo bem mais extenso do que o anterior. O governo resolveu anunciar em Abril o que já tinha anunciado o ano passado, isto é, fazer o aumento em Junho, mês de eleições para o Parlamento Europeu. Havia dinheiro para o fazer agora no 25 de Abril, e para abranger um número bem maior de reformados e pensionistas. O universo dos abrangidos é extremamente reduzido, pois as pensões mais baixas não foram contempladas.
Nós não desistiremos desta batalha e no próximo Orçamento levantaremos com determinação esta bandeira e com a força que os eleitores, nomeadamente os reformados nos conferirem.
É que ao comemorarmos os 25 anos do 25 de Abril não comemoramos somente a liberdade reconquistada, mas também a conquista dos direitos sociais, a conquista do direito ao trabalho, à segurança no emprego, a horários e salários mais justos e mais dignos, a mais tempo de férias e subsídio de férias, à segurança social, ao direito à contratação, à liberdade sindical, ao direito de manifestação, de reunião e de greve.
Hoje quando vemos a política de concentração de riqueza, a acentuação das desigualdades, os ataques à segurança social, o aumento da idade da reforma das mulheres de 62 para 65 anos, os privilégios concedidos aos grandes senhores do dinheiro e a apresentação na Assembleia da República de um pacote legislativo de autêntica regressão social, sobre o trabalho a tempo parcial, a alteração à lei das férias, o conceito de retribuição e dos contratos a prazo, temos que afirmar que esta política neoliberal é, não só contra os trabalhadores e a "arraia miúda", como o é também contra o projecto e os ideais de Abril.
Comemorar Abril nos dias de hoje é também, não esquecer a morosidade da justiça, os crimes de colarinho branco, e combater aqueles que querem arrastar para as calendas gregas, casos como os da JAE, Universidade Moderna e a EXPO 98, que só desprestigiam a democracia e as instituições. Quem não deve não teme. Se nos casos da JAE e da Moderna se fala em financiamento de Partidos, então que se investigue com celeridade tudo e até ao fim. O 25 de Abril e a dignidade da vida política assim o exigem.


Um novo rumo para a
construção europeia

Comemorar Abril nos dias de hoje, é não esquecer também, a luta dos povos oprimidos e a luta dos povos irmãos das ex-colónias, é manifestar a nossa solidariedade activa com o povo de Angola e de Timor, que vivem horas muito difíceis e lutar por um Portugal de progresso e justiça num a Europa de paz e cooperação.
E, numa época em que milhares de famílias ficam à margem do crescimento económico e em que a maioria dos nosso pescadores e agricultores são votados ao abandono é ainda nos valores de Abril que se pode encontrar um renovado impulso na luta por uma viragem à esquerda e por um novo rumo na construção europeia. Novo rumo cujos principais traços se encontram no "Apelo Comum" dirigido aos povos europeus e assinado por partidos comunistas, ecologistas, socialistas de esquerda e progressistas e na Declaração Programática que aprovámos no Encontro Nacional. (...)

Não celebramos o 25 de Abril como um acto de conformismo ou de lamentações sobre o que foi destruído e sobre as promessas não cumpridas. Celebramo-lo com o espírito inconformista, de luta e de responsabilidade, dos que não viram as costas às dificuldades e dos que se distinguem pelas medidas, propostas e projectos, pela sua coerência e por honrarem o seus compromissos.
Vinte e cinco anos depois, os portugueses não perderam a sua capacidade de indignação, de revolta e a sua vontade de transformação social.
O 25º aniversário do 25 de Abril, comemora-se nas instituições, na Assembleia da República, nas Forças Armadas, mas é nas comemorações populares que ele ganha o mais emotivo, o mais caloroso e o mais tocante significado. Os ideais da Revolução dos Cravos, da revolução da Grândola Vila Morena, encontram-se ancorados nos corações de muitos portugueses e portuguesas de diversas gerações, que lutam e aspiram por uma sociedade mais justa, mais fraterna e solidária onde o livre desenvolvimento de cada um seja a condição do livre desenvolvimento de todos. (...)

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Nódoas de Abril

As comemorações do 25 de Abril não foram festejadas da mesma forma calorosa em todos os pontos do país.
Em Oeiras, por exemplo, a Câmara Municipal, demonstrando mais uma vez «a forma centralizada como o PSD administra o município», optou por realizar praticamente todas as iniciativas dentro de auditórios, retirando às comemorações o carácter popular que caracterizou a Revolução.
As seis Juntas de Freguesia de maioria PSD - «seguramente por orientação partidária» - decidiram mesmo não realizar nem apoiar qualquer iniciativa, com o argumento de que se associavam às comemorações municipais.
A Comissão Concelhia de Oeiras do PCP, denunciando o facto, diz que este se torna tanto mais grave quanto se sabe que a Câmara recusou apoiar iniciativas com origem no movimento popular, como foi o caso da Comissão de Cidadãos e Instituições da freguesia de Algés, a quem foram recusados os apoios essenciais para realizar um interessante programa de comemorações com crianças dos infantários e jovens.
Na Marinha Grande, por sua vez, o Executivo do PS proibiu o PCP de colocar uma coroa de flores no interior dos cemitérios de «homenagem a todos os comunistas e outros democratas, já falecidos, que em vida souberam honrar os valores da democracia».
Contudo, a Marinha Grande foi e é «uma terra de gente lutadora que contribuiu para que fosse possível o 25 de Abril», diz a Comissão Concelhia do PCP, repudiando a «posição de desprezo pelos resistentes já falecidos» assumida pelo Executivo do PS. Por isso, a proibição de pouco serviu, já que os comunistas da Marinha Grande mantiveram a iniciativa e deslocaram-se, no passado domingo, ao exterior dos cemitérios, onde depositaram as coroas de flores.


«Avante!» Nº 1326 - 29.Abril.1999