Ruas e
avenidas, parques e jardins, o coração do povo
Lugares
da festa de Maio
Este ano, em Lisboa, a CGTP volta a comemorar o Primeiro de Maio na Alameda Afonso Henriques, depois do desfile subir a Avenida Almirante Reis, desde o Largo do Martim Moniz. Tinha sido em 1995 a última vez que o Dia do Trabalhador fora festejado neste local. Nos três anos seguintes, o desfile foi feito do Campo Pequeno para a Alameda da Cidade Universitária.
O Dia do Trabalhador de 1974, inesquecível festa de consagração popular da revolução, teve lugar no estádio 1.º de Maio, que até aí tinha o nome da FNAT, o instituto criado pelo fascismo para tentar domesticar os tempos livres dos trabalhadores. Até 1978, o estádio albergou as comemorações da CGTP. Já nesses anos a Alameda Afonso Henriques estava ligada ao festejos, servindo de local de partida do desfile.
Em 1979 a administração do Inatel recusou a utilização do estádio pela Intersindical Nacional, a pretexto de que também a UGT solicitara as instalações. E o 1.º de Maio da Grande Lisboa mudou-se para os relvados entre o Técnico e a Fonte Luminosa.
Pedimos a José Ernesto Cartaxo que recordasse alguns outros locais por onde Maio tenha andado. Sem dificuldade, contou como, em 1964, viveu o Dia do Trabalhador na baixa lisboeta: «Na altura, mais do que três pessoas já era um ajuntamento, proibido, e o pessoal foi-se encostando às paredes, aos candeeiros, ali pelo Rossio. Havia uns olhares comprometidos, não se sabia quem estava ali para o 1.º de Maio e quem estaria ali por outros motivos, para espiar, para desestabilizar. A dada altura, alguém arrancou com a palavra de ordem, "juntemo-nos, juntemo-nos", e gerou-se ali um movimento bastante forte. Não sei de onde, surgiram papéis pelo ar, panfletos contra a carestia, contra a guerra colonial... Depois veio a Polícia de Intervenção, que tratou logo de reprimir e desfazer a manifestação.»
Ulisses Garrido, por
seu turno, relatou que, ainda miúdo, na década de 60, «ia
com o meu pai, metalúrgico de Castelo Branco,
à festa do Dia de São José Operário, a 1
de Maio. A pretexto do São José, os trabalhadores faziam uns
piqueniques, onde havia sempre alguém que, a dada altura,
juntava o pessoal todo e lá fazia o discurso sindical, sobre o
1.º de Maio. As pessoas trabalhavam, iam chegando à mata à
medida que acabavam o trabalho nas empresas. Havia metalúrgicos,
havia tipógrafos, o meu avô ia com outros sapateiros e
artesãos».
E nem quer lembrar um Maio «particularmente difícil»: «Não
sei já o ano, mas sei que choveu imenso, eu olhava lá de cima
do palco, na Alameda Afonso Henriques, e
não via ninguém para o comício. Sem se perceber como, a chuva
de repente parou, até veio ainda um bocado de sol, o terreno
estava todo enlameado mas as pessoas avançaram e ainda acabou
por ser uma boa jornada, com bom ambiente e muita participação.»
Não tanto pelo local, mas por não menores motivos de interesse,
José Ernesto Cartaxo conta ainda como a revolução se veio
cruzar com a preparação do Maio de 1974. Na altura, Cartaxo
estava impedido de exercer direitos políticos, depois de ter
sido preso pelas suas actividades como sindicalista e comunista.
Mas, mesmo sem cargos de direcção, fazia parte de um grupo de
trabalho do sindicato dos Metalúrgicos. «Na noite de 24
para 25 de Abril, eu e alguns camaradas com
responsabilidades sindicais tínhamos tido uma reunião no
Sindicato dos Metalúrgicos, uma reunião muito alargada, onde se
discutiram os conflitos e lutas laborais que então estavam a
decorrer e onde se preparou o 1.º de Maio, que era já na semana
seguinte. Saímos dali todos com uma carrada de propaganda para o
1.º de Maio. Discutiu-se um problema interessantíssimo, que era
a greve de 24 e 25 de Abril na Mague, uma empresa de ponta e que
tinha na altura 2700 trabalhadores.»
Nessa noite, saiu também dos quartéis o Movimento das Forças
Armadas. Poucos dias depois, como noutras localidades, em Vila
Franca de Xira «tivemos conhecimento de que existia, na
Câmara Municipal e no Governo Civil, uma lista de nomes ligados
à preparação do 1.º de Maio». Se não fosse a revolução,
muitos destes nomes iriam juntar àqueles que incluem a
prisão entre os locais onde já comemoraram o Dia do
Trabalhador.