Uruguai
Amnistia
à ditadura posta em causa
Dez anos depois de decidir em referendo amnistiar todos aqueles que estiveram envolvidos na ditadura, o Uruguai discute hoje se essa foi a melhor decisão.
Em Abril de 1989 a
Lei de Caducidade da Pretensão Punitiva do Estado foi aprovada
numa consulta popular com 55 por cento de votos a favor e 42 por
cento contra. Como consequência, nenhum responsável pelos
assassinatos, torturas e desaparecimentos ocorridas entre Junho
de 1973 e Março de 1985, ou seja, durante os 12 anos de
ditadura, foram punidos.
Esta será uma forma de garantir a estabilidade do país, como
defende entre outros o Presidente Julio María Sanguinetti, que
fala do referendo como uma saída «original e civilizada» da
ditadura, que afastou as «imensas paixões» que poderia pôr em
perigo a democracia e a economia do país. «Pudemos dedicar-nos
a outras coisas. O balanço não pode ser mais que positivo»,
afirma Sanguinetti, citado pelo jornal espanhol El País.
Mas há quem tenha uma opinião diferente e refira que, sem que
haja uma investigação sobre os crimes cometidos ou levado a
cabo qualquer processo de justiça, a reconciliação nacional
nunca será completa.
O El País cita María Condenanza presa durante cinco anos
por pertencer à organização da juventude do Partido Comunista.
Para esta mulher de 50 anos, os militares «têm de dizer que
nunca mais vão torturar, que nunca mais vão violar as
instituições, que vão respeitar a democracia para o resto da
sua vida». «Um arrependimento», pede Matilde Rodríguez,
presidente em 1989 da Comissão Nacional Pró Referendo.
O país com mais
presos políticos
De acordo com um
estudo da responsabilidade da associação humanitária Serviço
de Paz e Justiça (SERPAJ), o Uruguai é o país que teve o maior
número de presos políticos em relação à sua população: 31
em cada 10 mil habitantes.
Os crimes cometidos são tão graves como os do Chile ou da
Argentina, nações que hoje voltam a discutir o que fazer com os
militares envolvidos no regime. A única diferença é o número
dos casos de atrocidades, visto o Uruguai ser um país com poucos
habitantes. A população atinge apenas os três milhões de
pessoas.
Durante a ditadura, a tortura transformou-se num «acto
absolutamente generalizado, algo normal de que só se livravam
uns poucos casos excepcionais», sublinha o SERPAJ. «Com um
inimigo interno vale tudo», diz María Condenanza, detida em
1975 com o marido e um amigo.
«Depois de te deterem, com os olhos vendados, deixavam-te de pé
durante dias. Logo vinham os interrogatórios e no
interrogatório vinha a tortura. Uma vez por dia permitiam ir à
casa de banho. As mulheres tinham a menstruação e não nos
davam nada», conta María.
«Sentias o ódio. Porque há coisas que só com uma grande carga
de ódio é que as podes fazer. Porque a uma pessoa absolutamente
inerte, deitada num colchão ou no chão, às vezes despida,
atada, vendada, à qual se tortura... tem de haver uma grande
carga emocional da parte do torturador para poder fazer isso»,
diz.
María lança um apelo: «Que o juiz Baltazar Garzón (que pediu
a extradição para Espanha do antigo ditador chileno Augusto
Pinochet), o qual respeito e admiro tanto, possa ajudar o nosso
povo para que em algum momento se possa fazer alguma forma de
justiça».