25 de Abril - 25 anos depois
Saudade ou projecto ?

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Imensa alegria

António Galhoras
Médico. Destacado dirigente do MDP/CDE durante e após
a Revolução de Abril, foi deputado à Assembleia da República

Naturalmente, a primeira sensação que se tem, quando se recordam os acontecimentos, as palavras, a música que acompanharam o desencadeamento da madrugada do 25 de Abril de 1974, é a recordação muito forte de uma imensa alegria, a alegria de um momento esperado ansiosamente por anos e anos de luta, sofrimento e desespero. Naturalmente que nessa altura e por um momento há um misto de variados sentimentos, em que a saudade do que então e no preciso momento se viveu, também tem um lugar forte nos sentimentos e nas sensações. É a saudade de uma euforia vivida, num momento único e determinado da vida, que nos marca para todo o sempre.
Logo a seguir, como quando nasce um filho, o sentimento, por intenso que seja, dá lugar imediato à razão que nos abre os olhos para a vida e para todo um projecto que vai rapidamente desabrochar na construção de uma vida nova, de um sonho da sociedade que se deseja e se antevê.
O início do projecto de uma sociedade nova, há muito pensada e desejada, confunde-se com o início da euforia e do entusiasmo com que se começa a construir esse projecto do «homem novo da nova sociedade».
Foi o início e a concretização de uma luta árdua e dura, feita agora com a determinação e a alegria de se estar a construir o futuro, de se avançar sempre no presente de cada dia e já não a resistência constante e dura contra uma sociedade que se pretendia destruir e modificar. Destrói-se, para se construir de novo. Construir uma sociedade mais justa, pacífica e democrática com novos valores culturais e sociais na relação entre os homens, que os tornam cada vez mais livres de toda a opressão.
Passado este quarto de século, rico de muitos e muitos acontecimentos e ambições, houve um longo e profundo caminhar na direcção do futuro, mas não se negam entraves de vária ordem e até recuos que é preciso neutralizar.
Feito o balanço, há muito para fazer, o projecto constrói-se todos os dias, encerra contradições e hesitações, mas o resultado é franca e indiscutivelmente positivo. Ele vai continuar, não voltaremos atrás, a determinação de todos e de cada um dos democratas assim o exige.
O projecto terá que florescer, crescer e continuar na direcção da justiça social cada vez maior, da paz, da liberdade e da democracia social, política e cultural, tal como era desejado no primeiro comunicado e no primeiro gesto e grito de liberdade na madrugada do 25 de Abril.


Tenho é saudade do futuro

Paulo Trindade
Coordenador da Frente Comum de Sindicatos
da Administração Pública e dirigente da Federação Nacional dos Sindicatos
da Função Pública

Não sinto nem associo o 25 de Abril ao sentimento de saudade. É que saudade é uma recordação face a algo ou alguém que se perdeu.
O 25 de Abril é, porém, um sentimento que está presente no dia-a-dia de quem vive e luta por mais justiça social, pela defesa dos serviços públicos, pelo trabalho com direitos, pela dignificação dos trabalhadores, contra a precarização do emprego e a desregulamentação das relações laborais.
É evidente que recordo com emoção o acto libertador do 25 de Abril e que não fico indiferente quando na minha memória, permanentemente, estão presentes os tempos em que os trabalhadores e as Forças Armadas deram passos significativos não só para o fim do regime fascista mas também para a consolidação de uma verdadeira democracia a caminho do socialismo. Os tempos em que os trabalhadores da Função Pública criaram os seus sindicatos, em que importantes conquistas foram alcançadas pelas classes trabalhadoras.
Porém, é o facto de essas emoções, de toda essa vivência permanecer viva no meu consciente, é o facto de nas lutas políticas e sindicais sentir as novas gerações a lutar pelos ideais de Abril, por uma democracia política, económica, social e cultural, numa perspectiva do socialismo, que nos momentos de algum desgaste - quem os não tem? - me dá forças redobradas para prosseguir a luta.
Passaram vinte e cinco anos. Vertiginosamente.
O que tenho vivido após Abril é a luta por um projecto de uma sociedade justa sem exploradores nem explorados. Com avanços e recuos, com contradições, mas com uma inabalável confiança na força organizada dos trabalhadores.
Por isso, face à dicotomia «25 de Abril: saudade ou projecto?», assumo a ambição de que o que sinto é saudade do futuro que, mais tarde ou mais cedo, será construído pelos trabalhadores portugueses. Abril é, pois, um projecto em construção.


Primavera de um projecto:
Revolução

Manuel Duran Clemente
Capitão de Abril. Assessor Autárquico
e Administrador da CDR/Agência
de Desenvolvimento Regional de Setúbal

Saudade ou projecto? O 25 de Abril é tanto... que na sua imensidão cabem saudade e projecto.
O fascismo até a saudade colonizou.
Hoje, cidadãos livres, a saudade é a «portuguesa nostalgia» do que se deseja rever, tornar a sentir, reviver... e é nessa convicção que poderemos reflectir.
Se for a saudade da construção de uma luta. Se for a saudade da solidariedade para intervir.
Se for a saudade da coragem e lucidez no aproveitar das condições criadas pelos resistentes antifascistas para a revolta. Se for a saudade da participação, espontânea e viva, de querermos ser gente maior. Se for a saudade da alegria de irmos finalmente juntos e mais conscientes construir um país novo «nascido do ventre duma chaimite».
Se for esta saudade (e sabemos bem que o é) ela é «o 25 de Abril»!
Saibamos transmiti-lo aos jovens tão indispensáveis ao projecto e ao futuro.
Porque é como projecto que o 25 de Abril tem uma génese, um nascimento e uma vida que perdurará. Cresce, desenvolve-se e ergue-se como base da construção dos «amanhãs» que se querem e queremos, mais libertadores, em todas as «vilas morenas e suas fraternidades» do novo Portugal.
O programa do MFA que traduzia no essencial os anseios do Povo Português, quis ser a coluna vertebral desse projecto, nas vertentes Democratizar, Descolonizar e Desenvolver.
Haverá ainda alguma dúvida que este programa e este projecto beberam nas fontes ideológicas para a construção duma sociedade mais participada e mais justa, mais consciente e por isso mais solidária?!
Mais solidária para acabar com as desigualdades e injustiças. Mais consciente para construirmos uma Democracia melhor: mais humana e à altura dos sonhos que nos apontaram a caminho da libertação e do erguer duma nova cidadania
Porque se é sonhando que o caminho se vislumbra, é caminhando que o caminho se faz... consolidando as conquistas democráticas já alcançadas nomeadamente nos Direitos e Liberdades fundamentais, no Poder Local e nos Movimentos Sindical e Associativo.
E se para o caminho de Abril as lições do passado foram traçadas com a coragem, o sacrifício e o sangue dos Heróis (e deste Povo Herói), depois de Abril soltou-se a Liberdade, iluminou-se a Esperança, perscrutou-se o Futuro criando a Primavera dum projecto: Revolução. Projecto por cumprir, mas que realizaremos... honrando Abril e todos os que por ele lutaram e até morreram.
Nesse propósito continuaremos lutando. E porque a saudade também é memória, nunca se cumprirá um projecto, sem as memórias da experiência dos avanços e dos recuos. Venceremos.


Hipóteses a considerar

João Isidro
Presidente do Sindicato dos Jornalistas

Convida-me o Avante! para escrever umas 30 linhas sobre o 25 de Abril. Será recordação ou projecto? Respondo às duas questões: uma recordação, porque ter 24 anos sem barriga só mesmo naqueles tempos, mas sem dúvida quero um projecto para este 25 de Abril e anos próximos.
Para começar, a recordação. Tinha seis meses de jornalismo profissional no Expresso, tenho um filho nascido em 8 de Janeiro de 1974, andava suspenso preventivamente da Faculdade de Direito de Lisboa, só muito poucos sabiam que tinha trabalho num jornal porque, ao que se receava, era procurado por uns cavalheiros da corporação que contava, entre os seus mais distintos sobreviventes, com a actual estrela televisiva mais na moda, o inspector Abílio Pires, autor de umas carícias inesquecíveis nos meus queixos (27/28 de Maio de 1968), um humanista insigne da PIDE/DGS. Mais tarde, em 12 de Outubro de 1972, vi assassinar à minha frente, a menos de um metro, o meu amigo e camarada Ribeiro Santos, por outra estrela que espera TV a dar-lhe imagem, voz e destaque: o agente Gomes da Rocha.
A imposição popular de uma situação revolucionária detonada por um golpe de Estado, com a caça aos pides (esta foi a originalidade... única!), obriga, também nestes dias, à liberdade de denunciar, 27 anos depois, que era a NATO que financiava os gorilas instalados na Faculdade de Direito de Lisboa pelo ministro de serviço em quase todos os governos e qualquer regime, o Veiga Simão. Aqui, esclareça-se, regime não significa dieta. É essa a NATO que agora assume uma guerra não-declarada (no Estatuto de Nuremberga, coisas assim não foram louvadas, mas foi antes de eu nascer) em que Portugal entra, como quem não quer a coisa.
Tiro o chapéu ao império: ganhou a guerra fria, impediu no Iraque a subida do preço do barril de petróleo, entregou o Leste às mafias, fez a cama aos "tigres" do Oriente, passou daí a meter na ordem o quintal das traseiras que acreditou no Mercosur, com a imposição da falência brasileira e, quando na Europa comunitária se decretou o Euro, arranjou-se uma guerra nos Balcãs, muito a propósito
Não é como presidente do Sindicato dos Jornalistas que dou este depoimento. É como cidadão indignado. As recordações estão vivas, claro! A pena é que os novos projectos estejam ancorados a ideias antigas. Pode nem ser mau, afinal: que tal uma Europa "do Atlântico aos Urais", como propunha o general De Gaulle, que eu e os fulanos como eu tanto criticámos, aos 18 aninhos? E uma Europa dos trabalhadores, já agora, que dava tanto jeito? São hipóteses a considerar, presumo.


Projecto mobilizador de um povo

Manuel Dias
Jornalista do Jornal de Notícias.
Escritor

Saudades?... Quem não tem saudades desse radioso Dia de Abril em que um povo, liberto de amarras, festejou apoteoticamente a queda do Estado Novo, do regime fascista, que durante quase meio século sujeitou os portugueses ao «quero, posso e mando» do salazarismo/marcelismo? Quem pode esquecer «o povo unido jamais será vencido» entoado, em coro, de Norte a Sul, pelas multidões que cantavam o renascer da esperança em, finalmente, usufruir de condições de vida compatíveis com um país onde o desenvolvimento e o progresso a todos contemplasse num plano de igualdade sob o signo da solidariedade e da fraternidade?
Mas, o «25 de Abril», para além de um Hino à Liberdade, foi um desafio à determinação, à vontade dos portugueses de se entregarem à ingente tarefa de construir um país onde fossem banidas as assimetrias e eliminadas a marginalização e as exclusões sociais. Um projecto cuja execução deve caber, por inteiro, a todos e a cada um de nós. Longo e difícil caminho haverá, ainda, a percorrer. É que não se afigura fácil recuperar do atraso de décadas durante as quais um alegado «a bem da Nação» teve como beneficiários exclusivos os oligarcas sentados à mesa ocupada pelos donos do Poder. E se, após Abril, deixamos de estar «orgulhosamente sós», daí resultou, também, o rasgar de amplos horizontes e a consequente abertura de espaços que permitam alicerçar «sonhos que comandam a vida».
O «25 de Abril» - saudade ou projecto?
Direi que ambas as «coisas»... O reencontro com a Liberdade foi uma festa que projectou no tempo outras conquistas!


Arquitectos fomos todos

Manuel Brandão
Presidente da Câmara de Coruche

Abril é tempo de Primavera, promessa de flores e frutos, ninho de sonhos e voos para o futuro.
País transformou-se numa grande assembleia e arquitectos fomos todos. Desenhámos com amor e com luta a casa comum de lume aceso e pão sobre a mesa, juntos fizemos os alicerces e hoje, determinados e resistentes, continuamos apostados em levantar as paredes de uma sociedade justa e fraterna.
Abril foi partida, projecto de homens livres, caminho aberto para os que não desistem. Continuaremos.
Mas, às vezes, tenho saudades! Dos cravos, dos gritos, dos punhos erguidos... que hão-de renascer um dia qualquer.


Lembrança e esperança

Orlando da Costa
Escritor

Eu diria antes saudade e projecto – palavras do cidadão-poeta e poeta-cidadão. Porque ter saudades de coisas boas é saudável, tal como sonhar com coisas boas também o é. Lembro que pouco depois do início da Revolução dos Cravos escrevi com serenidade um poema com o título «Onde Fica Abril», que assim começava... e terminava:
Tempo e lugar de lembrança/Tempo recanto de esperança (...) Abril fica hoje nosso tempo dia a dia/Aqui fica e além nosso espaço e morada.
Para quem viveu o «25 de Abril» como coisa boa e desejada, tal como eu vivi e, antes, por ele me bati, não é por acaso nem por facilidade que Lembrança e Esperança ainda hoje rimam, pois numa e noutra assentam o presente e o futuro - e o futuro de que falo é sempre um projecto. Um projecto realizável a pensar como eu penso no 25 de Abril.


Menos saudade e mais memória

Rogério Rodrigues
Jornalista. Director do GrandAmadora

Abril tem passado e é projecto. E continua a ser um projecto, porque Abril ainda não está cumprido.
Em Abril, não há espaço para a saudade, mas para a memória.
E um projecto e a sua assunção alimentam-se de memória e de futuro.
Não se tem saudades do que ainda continua sendo. Incompleto, em movimento e em contradições.
Não se tem saudades do que ainda falta conquistar, mas não se deve perder a memória do que já se conquistou e do que, estando conquistado, se perdeu depois.
A memória não é imobilista. A saudade é ora revivalista, ora conformista.
Porque os tempos que se seguem, à semelhança dos tempos que se seguiram, é de luta.
(Em Abril houve um movimento militar, em Maio um movimento popular, há ainda uma Revolução a haver.)
Porque não há projectos sem luta.
E a luta pode não ser grandiloquente, mediática, visível.
A luta pode e deve ser quotidiana, permanente, discreta e mesmo anónima, se necessário for.
Abril cumpre-se tanto mais quanto nós nos cumprirmos como cidadãos, individual e colectivamente. Não há, pois, que ter saudades de Abril. Há que transformar Abril num projecto permanente.
Os tempos não são de felicidade, tão-somente de procura de justiça.
Onde é que termina um projecto senão no futuro? E onde é que termina o futuro? Saudades? Só do futuro...


«Avante!» Nº 1327 - 6.Maio.1999