Apesar da chuva, contra ventos e marés
Maio deixou bem clara
determinação de lutar


Na Alameda Afonso Henriques o sol mostrou-se, dia 1 de Maio, apenas por alguns minutos, quando Carvalho da Silva falava da necessidade de acabar com os bombardeamentos e devolver a paz aos Balcãs. Mas a chuva não impediu que milhares de trabalhadores viessem para as ruas de Portugal reafirmar que estão prontos a defender os seus direitos e lutar pela vida melhor a que têm direito.

O coordenador da CGTP começou a sua intervenção considerando que «somos uns sortudos», apesar do mau tempo que encharcava sapatos, camisolas e bonés, desde que o desfile partira do Largo do Martim Moniz. E lembrou que «hoje há milhares de trabalhadores em Timor que são massacrados e reprimidos», situação que se repete em muitos outros cantos do Mundo.

«Continuar o projecto de Abril» foi o objectivo que marcou o discurso de Carvalho da Silva, no comício dos 25 anos do 1.º de Maio em liberdade. O dirigente da Intersindical Nacional apontou, em vários aspectos, a actualidade da revolução de Abril e a importância do Dia do Trabalhador de 1974, quando «os trabalhadores portugueses, beneficiando da experiência da organização clandestina na Intersindical, desde 1970, entraram determinados pelas portas da liberdade, para afirmar a dimensão da democracia», e conquistaram «a liberdade sindical e os direitos sindicais, o direito de reunião e de manifestação, o direito à greve, o direito à negociação colectiva, o direito à constituição das comissões de trabalhadores, o direito à intervenção organizada dos trabalhadores ao nível das empresas, a garantia de participação nos órgãos e organismos do Estado». E «foi a partir dessa força expressa no 1.º de Maio que se avançou para a institucionalização do salário mínimo nacional, para a generalização do pagamento do 13.º mês, para o direito a um mês de férias e respectivo subsídio, para o direito universal à Segurança Social e à saúde, a um ensino público e gratuito para todas as crianças e jovens, que se avançou para a proibição do despedimento sem justa causa, para a conquista do subsídio de desemprego».
Valorizando o empenho dos trabalhadores portugueses na vida e acção dos seus sindicatos, Carvalho da Silva salientou os resultados dos combates travados ao longo do último ano - «apesar de todas as pressões impostas pela precariedade do trabalho e apesar da repressão que aumenta nas empresas» - em defesa do emprego, pela redução dos horários de trabalho, na denúncia do pacote laboral, na defesa da Segurança Social, por salários e condições de trabalho melhores.
O projecto de Abril mantém particular actualidade, notou o sindicalista, «quando vivemos uma situação de ameaças à paz e às liberdades, não apenas em algumas regiões localizadas, mas também numa dimensão que começa a ter contornos globais». «O 25 de Abril foi também feito para que o povo de Timor tivesse direito à liberdade, tivesse direito à paz e pudesse construir, em democracia, o seu futuro», disse Carvalho da Silva, saudando a numerosa delegação de timorenses que participou no 1.º de Maio da CGTP. Considerou «extremamente grave» que a Europa esteja a ser «vítima dos interesses belicistas do grande capital» e que a Nato se tenha tornado «uma força universal agressora, sem qualquer respeito pelas instâncias políticas internacionais» e «uma ameaça à estabilidade, não apenas na Europa, mas também em todo o Mundo».
No «projecto sempre renovado do 25 de Abril», a CGTP inclui a luta «contra as profundas injustiças que se mantêm» na sociedade, quanto à distribuição da riqueza e ao baixo nível salarial dos trabalhadores portugueses, quanto a um modelo de desenvolvido que tem por marca o desemprego e o emprego desqualificado, quanto ao aumento da precarização. Entre os «novos e velhos problemas» a que «é preciso dar combate», Carvalho da Silva apontou ainda a não redução dos horários de trabalho, as baixas pensões de reforma e o escândalo das pensões dos sinistrados do trabalho, a exploração de mão-de-obra infantil. É, assim, necessário «lutar pela solidariedade, pela formação de novas solidariedades contra a exploração e contra novas fronteiras que este sistema capitalista, na sua expressão actual, procura cavar entre os trabalhadores e os povos».
Assume particular gravidade, neste contexto, o pacote laboral do Governo e do patronato mais retrógrado. Referindo-se às propostas de lei sobre o conceito de retribuição, férias e trabalho a tempo parcial, o coordenador da CGTP repudiou que, «para além das situações já escandalosas de aumento da precariedade, se pretenda empurrar mulheres para fora do trabalho valorizado, eliminar o descanso cada vez mais necessário dos trabalhadores e esvaziar os futuros sistemas públicos e universais de Segurança Social».
Os dois actos eleitorais que vão ter lugar em Junho e em Outubro levaram Carvalho da Silva a lembrar que os trabalhadores devem pedir aos partidos contas das promessas feitas e compromissos quanto ao futuro. Lembrou que ainda está por concretizar a aproximação dos salários portugueses à média europeia; por outro lado, o Governo responde aos compromissos que Guterres assumiu com o patronato, em 1995, e abandona as promessas feitas aos trabalhadores.
Nos próximos tempos, «vamos continuar a lutar com confiança e determinação, chamando os trabalhadores a mais participação, a mais mobilização, dando continuidade e aumentando as reivindicações que hoje se manifestam em muitas empresas e sectores», afirmou o dirigente da Inter, anunciando que «entre 17 e 26 de Maio vamos dar expressão forte ao descontentamento dos trabalhadores e às suas propostas e justas reivindicações, realizando iniciativas sectoriais e regionais que façam convergir todas as lutas em curso».


«Avante!» Nº 1327 - 6.Maio.1999