1º de Maio na Alemanha
Lafontaine condena
política alemã e da NATO nos Balcãs


Aplaudido entusiasticamente por cerca de 12000 pessoas nas celebrações do 1º de Maio organizadas pela DGB em Saarbrücken, Oskar Lafontaine condenou, perante centenas de jornalistas vindos de toda a Alemanha, os bombardeamentos contra a Jugoslávia e toda a política até agora seguida pela Alemanha e pela NATO nos Balcãs. À mesma hora, em Ludwigshafen, e apesar de falar para um auditório de convidados, o ministro da Defesa, Scharping, muito protegido pela polícia, era recebido aos gritos de «Assassino! Assassino!».

Lafontaine, que de toda a evidência, entre outros motivos, se terá demitido inesperadamente de ministro das Finanças e de dirigente do partido para não ficar na história como o primeiro presidente da social-democracia alemã a desencadear uma guerra, criticou abertamente a política belicista do governo Schröder ao afirmar que «se o objectivo das operações militares era proteger o povo do Kosovo, a actual situação não faz sentido».
Analisando a política da Alemanha e da NATO nos Balcãs e o seu papel no desmantelamento da Jugoslávia, o ex-líder social-democrata afirmou que «o reconhecimento dos Estados que faziam parte da Jugoslávia foi um erro» cometido pela manipulação «dos conceitos de liberdade e de autodeterminação». «Liberdade e autodeterminação não tem nada a ver com exclusão e divisões entre povos e etnias. Aqui reside o erro desta política... Por isso foi um erro forçar o reconhecimento de tantos pequenos Estados só por se tratarem de povos e de etnias diferentes». Aliás, Lafontaine não o disse, mas o desmantelamento da União Soviética levado a cabo por Ieltsin resulta da mesma estratégia, com o apoio dos Estados Unidos e da Alemanha, a qual chegou a exigir a criação de uma «República do Volga» só para os cidadãos de sangue ariano descendentes de alemães que habitam o território da antiga URSS. Foi neste contexto que o neofascista Manfred Rhoder pôde ainda recentemente proferir uma conferência na Academia de Bundeswehr sobre «a ajuda humanitária aos alemães de Könningsberga (Kalininegrad) e da Prússia Oriental». Dividir para reinar é a táctica do imperialismo.

Bombardear significa
assassinar e matar

«Também foi um erro ter-se apoiado a expulsão dos sérvios da Krajina pelos croatas com a ajuda dos bombardeamentos da NATO», prosseguiu Lafontaine. «Seria falso fazer crer que só determinados povos na Jugoslávia têm sido vítimas de expulsões territoriais. Os sérvios também têm sido expulsos das regiões que habitavam». E, respondendo àqueles que exigem guerra total, Lafontaine pergunta: «ouço com frequência que a NATO tem de salvar a cara; o que significa salvar a cara perante a miséria dos que sofrem com esta guerra? Não posso compreender que a morte de mulheres e crianças seja designada pela linguagem oficial como ‘danos colaterais’. Quem utiliza esse tipo de linguagem tem de tomar consciência. Se as suas próprias mulheres e crianças fossem mortas deste modo também falariam de ‘danos colaterais’? Ainda não há muito tempo dizia-se "bombardeamos posições sérvias". E eu pergunto: quem é que se encontrava nessas posições? E porque é que vocês se recusam a chamar as coisas pelo nome e a dizer que bombardear significa assassinar e matar pessoas?»
Na Segunda parte da sua intervenção Lafontaine acusa a «ideologia do neoliberalismo» e o seu «papaguear por parte de muitos social-democratas e dirigentes sindicais» de ser responsável pelo desemprego e a miséria que se vive na Europa e no mundo. Por se tratar da crítica mais exaustiva feita até hoje por um social-democrata à orientação defendida pro Schröder e a chamada ‘terceira via’ blairista, dedicar-lh-emos num dos próximos números do «Avante!» uma análise mais detalhada.
Mas não foi só em Saarbrücken. Por toda a Alemanha e em quase todas as grandes cidades as manifestações do 1º de Maio constituíram uma demonstração indesmentível de que os trabalhadores e o povo alemão, apesar da propaganda americana, rejeitam não só cada vez mais a guerra da NATO contra a Jugoslávia (segundo as últimas sondagens 55 a 60 por cento são pelo fim dos bombardeamentos), mas também a guerra do capital contra o emprego e o direito dos povos a uma vida condigna. Em Berlim, onde 40.000 pessoas participaram em várias manifestações simultâneas (DGB, PDS, Autónomos e curdos), o presidente do sindicato IG Medien, Detlef Hensche, exigiu igualmente o fim dos bombardeamentos. O mesmo foi feito em Potsdam pelo ministro-presidente do Brandeburgo, Manfred Stolpe (SPD), o qual conta com o apoio de outros chefes de governo dos Lander de maioria social-democrata. — Rui Paz

Defender à bomba
os direitos humanos

O presidente do IG Metal de Dresden, Ralf Konstanz, constatava que «depois de seis semanas de bombardeamentos está claro que com a guerra não se protegem nem os direitos humanos nem se obtém a paz». Em Göttinger, o ministro Trittin dos "Verdes", apesar de se Ter distanciado da destruição de alvos civis, foi assobiado pelos membros do seu partido por se manter ainda num governo de guerra. O espaço começa a ficar apertado para aqueles que tentaram disfarçar a sua submissão aos Estados Unidos com o dístico da «defesa dos direitos humanos». Na grande manifestação da DGB em Düsseldorf, em que a direcção local daquela central também apoiou o fim dos bombardeamentos, um sindicalista turco da IG Metal dizia: «aqueles que são pela defesa dos direitos humanos à bomba, se fossem consequentes, deveriam exigir o bombardeamento de Telavive para fazer regressar os quatro milhões de palestinianos expulsos e exilados no Líbano, ou o despejar de toneladas de bombas sobre Ancara para que os três milhões de curdos – a quem os generais turcos com a conivência e as armas da NATO arrasaram as aldeias e incendiaram as casas e os campos – possam deixar os bairros da lata de Istambul ou Diarkebyr e voltar às suas terras».
Em todas as comemorações do 1º de Maio, de Munique a Rostock (só nesta última cidade 40.000 manifestantes), as organizações pacifistas apelaram à participação na grande manifestação pelo «Fim da Guerra» que terá lugar em Berlim no próximo Sábado dia 8, aniversário da libertação do fascismo. Será certamente a maior manifestação pela paz realizada na Alemanha nos últimos vinte anos desde o movimento contra o estacionamento dos mísseis de cruzeiro Persching II.

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Belgas contra a guerra

Desde o início dos bombardeamentos da NATO nos Balcãs que o Governo belga proibiu todas as manifestações de protesto. Claro que era necessário encontrar um pretexto e o aniversário da NATO veio mesmo a propósito. Para que tudo ficasse a condizer e como "não brincam em serviço", a sua sede foi bem defendida envolvendo o seu perímetro com arame farpado.
Ai daquele ou daquela que tentasse furar esta proibição! A organização "Mulheres pela Paz" decidiu entregar um protesto no Ministério da Defesa; para apoiar a delegação destacada, cerca de 40 mulheres resolveram concentrar-se num jardim próximo e, aproveitando um dos raros dias de sol bruxelense, sentaram-se calmamente, sem barulho, aguardando o regresso das suas companheiras. Pouco tempo depois estavam cercadas pela polícia e a ordem era de detenção.
Uma outra organização convocou também uma concentração. Pois nem do «Metro» saíram em liberdade. A polícia aguardava no cais e de seguida foi conduzindo os manifestantes para um carro celular, onde os deteve várias horas para identificação.
Os protestos foram muitos e foi requerida a inconstitucionalidade desta medida. As autoridades belgas tiveram de render-se.
Os resultados foram imediatos. Várias ONG’s convocaram uma concentração nacional para dia 2 de Maio, contra a guerra, por uma solução política de paz sob os auspícios da ONU e da OSCE, contra todas as formas de violência, e de solidariedade com todas as vítimas.
No sábado, dia 8 de Maio, um desfile promovido pelo Partido Comunista belga antecede um comício internacional, que contará com representantes de Partidos da Esquerda Unitária Europeia.
Finalmente, também os pacifistas belgas poderão manifestar-se.

... e espanholas também

Cinco mulheres do movimento "Mulheres contra a Guerra» encontraram uma forma original de protestar contra os bombardeamentos da NATO contra a Jugoslávia: despiram-se no átrio principal do Ministério das Finanças, em Madrid, onde se encontravam dezenas de pessoas à espera de apresentar a declaração do Imposto sobre Rendimentos (IRS).
Apoiadas por outras 30 mulheres do mesmo movimento, as cinco activistas, que tinham pintadas no corpo palavras de ordem a favor da paz, cobriram-se de tinta vermelha e espalharam no chão vísceras de animais para simbolizar a morte e destruição da cultura que o conflito no Kosovo está a provocar. O incidente durou cerca de 15 minutos, findos os quais as mulheres se vestiram e abandonaram o edifício escoltadas por elementos da segurança.


«Avante!» Nº 1327 - 6.Maio.1999