Muitos milhares de trabalhadores em dezenas de localidades
Maio chama para a luta


A CGTP apela à convergência das movimentações laborais para o período entre 17 e 26 de Maio, por forma a dar expressão pública às justas reivindicações dos trabalhadores.
Nas manifestações do 1.º de Maio, em mais de meia centena de localidades, tiveram realce as exigências de outra política, melhores salários, redução dos horários de trabalho, emprego seguro e digno, a par das palavras de ordem pela defesa dos direitos e contra o pacote laboral, pela paz na Jugoslávia e contra a Nato agressora, por Timor-Leste livre e independente, contra a chacina levada a cabo pela Indonésia.

As bodas de prata do 1.º de Maio em liberdade têm fortes motivos para ganhar lugar na história das manifestações de trabalhadores em Portugal. Para uns, será o forte temporal que encharcou todo o desfile em Lisboa e que obrigou a encurtar o programa de actividades na Alameda Afonso Henriques. Para outros, há-de ser o intenso tom internacionalista, à altura do momento que o Mundo vive. Para os que exercem a governação, depois de terem conquistado votos com muito desejadas promessas de mudança, devia ficar o aviso de que lhes vão ser pedidas contas, em Junho e em Outubro. Para todos, fica a afirmação da CGTP de, com a força das festas de Abril, dar continuação às lutas que vieram para a rua em Maio.

Lisboa

Quando começaram a chegar os carros alegóricos ao Martim Moniz, já o tempo chuvoso estava instalado de armas e bagagens. Uma ou outra aberta, contudo, iam alimentando a esperança de que o sol ainda acabaria por reinar, no que eram sonoramente contrariadas pelos trovões, que se sobrepunham às músicas de Zeca Afonso e Adriano Correia de Oliveira. Assim se foi formando a maior manifestação à chuva que já se terá visto em Lisboa.
Cerca das 15.30 começou a avançar pela Rua da Palma a «cabeça» do desfile, com alguns membros da Comissão Executiva da CGTP (boa parte fora mobilizada para intervir em iniciativas noutros locais) e activistas das uniões de sindicatos de Lisboa e de Setúbal. Logo atrás, com muitas bandeiras da sua terra, vinham algumas dezenas de jovens timorenses.
Pelos passeios, abrigando-se da chuva, aguardando para se juntarem aos amigos ou simplesmente vendo a manif passar, centenas de pessoas ocupavam todos os espaços com alguma cobertura, proporcionando uma boa oportunidade para a recolha de fundos para a compra da sede histórica da CGTP. Carvalho da Silva anunciaria, mais tarde, que já estão atingidos os 70 mil contos.
Foi também debaixo do toldo de uma pastelaria – para evitar que as notas de reportagem se molhassem ainda mais – que assistimos ao desfilar de guarda-chuvas, faixas, carros, bandeiras, cartazes, cabeças molhadas, cravos vermelhos, palavras de ordem e folhetos diversos. À partida, gritou-se «Paz, sim! Guerra, não!» e «CGTP unidade sindical». O pacote laboral era o mais visado nos panos e nas decorações dos carros.
Durante mais de uma hora passaram, rumo à Alameda, trabalhadores e sindicalistas das maiores empresas da área metropolitana e daquelas onde decorrem processos de luta. Almada, com uma numerosa representação, onde se incluia a presidente da Câmara e outros autarcas, abria o caminho aos trabalhadores da Festa do «Avante!», da Gás de Portugal e da Petrogal, do Seixal, da Interjovem, do Montijo, de Alcochete e da Moita, do Barreiro, de Loures... Sempre debaixo de chuva, passaram panos identificando concelhos da margem Norte, sindicatos e empresas, colectividades, organizações de reformados, o Bloco de Esquerda (em mais um despropositado exercício de aquecimento para a campanha eleitoral). Os trovões regressavam, a chuva insistia, passavam ainda funcionários públicos, bancários, trabalhadores dos seguros, professores, enfermeiros. Já quase às cinco horas, o pessoal das telecomunicações, da construção civil e dos transportes deixava atrás de si apenas o carro da polícia que assinalava o fim da manifestação. Estavam ainda nos Anjos. Já não ouviram a mensagem de Xanana Gusmão, lida por Roque Rodrigues, a afirmar a confiança em que, num futuro próximo, também em Timor será festejado o 1.º de Maio em liberdade.
O sabor da liberdade torna-se mais forte debaixo das intempéries. Esta chuva de Maio chama forte para as lutas que aí estão à nossa frente.

Porto

Apesar das ameaças, o tempo melhorou para o comício e o grande desfile de trabalhadores na baixa do Porto. João Torres, coordenador da USP/CGTP, exigiu o fim da ofensiva legislativa do Governo e do grande patronato, que «põe em causa a dignidade de quem trabalha e a própria solidariedade entre gerações», e apontou alguns graves problemas, como a ameaça de encerramento de mais uma grande empresa de material electrónico, em Penafiel (a Schupa). Referiu ainda a luta dos professores contratados e a greve dos pescadores do arrasto (representados no desfile com uma forte e ruidosa delegação).
Tal como em Lisboa e outras capitais de distrito (nomeadamente Santarém e Aveiro), o programa das iniciativas do 1.º de Maio no Porto incluiu, de manhã, uma prova de atletismo que percorreu as ruas da cidade. Ainda no distrito, o Dia do Trabalhador foi assinalado em Felgueiras e Santo Tirso. — Domingos Mealha


«Avante!» Nº 1327 - 6.Maio.1999